007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, tem estreia programada em nova data para o dia 30 de setembro de 2021 exclusivamente nos cinemas – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo para você inúmeras curiosidades e muita informação.
Em time que está ganhando não se mexe. Com certeza todos já ouviram essa expressão. E no cinema, ela é muito verdade. Para os produtores da EON Pictures, responsáveis pelos filmes de 007 no cinema, a contratação de Pierce Brosnan veio como um presente para a franquia. Reinando absoluto nos anos 1990 como o James Bond definitivo da década, os filmes de Brosnan colocaram a franquia num patamar de incrível popularidade, adentrando a cultura pop como só havia feito na era de Sean Connery. O público demonstrava o interesse e aprovação devido aos números de bilheteria. Sendo assim, nada mais natural do que o sinal verde para uma terceira aventura do ator no papel. Confira abaixo os detalhes de produção de O Mundo Não é o Bastante, décimo nono filme da franquia James Bond – que entre outras coisas, adentrava o novo milênio.
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Produção
Apesar de estar atingindo um status na cultura popular mundial que há muito não via, os bastidores das novas produções de 007 não funcionavam da mesma forma harmoniosa. Isto é, a estreia de Goldeneye foi extremamente favorável neste sentido, porém, quando foi a hora de dar sequência à era de Pierce Brosnan, O Amanhã Nunca Morre se mostrou um pesadelo de bastidores, com um clima pesado entre o diretor da obra e seu elenco (parte dos atores não se davam entre si inclusive).
Nada disso, no entanto, seria empecilho, já que os números do décimo oitavo 007 falavam por si só, e o permitiram peitar o colosso Titanic – que estreou no mesmo dia. O fato fez os produtores Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, agora a cargo da EON após o falecimento do patriarca Albert R. Broccoli em 1996, cogitarem a volta do diretor Roger Spottiswoode para o comando do novo filme – mas o cineasta foi quem recusou por motivo de exaustão. O próximo filme do diretor viria a ser a ficção científica O Sexto Dia (2000), com Arnold Schwarzenegger.
Barbara Broccoli chegou inclusive a cogitar o diretor Peter Jackson para o cargo, por ser fã de seu drama criminal Almas Gêmeas (1994), porém, ao assistir seu mais recente trabalho Os Espíritos (1996), sentiu que o estilo do cineasta não casaria muito bem com o que procurava. Jackson, é claro, seguiria para o comando da trilogia O Senhor dos Anéis. Para o comando do décimo nono 007 então finalmente era contratado Michael Apted, britânico que tinha no currículo celebrados dramas, como O Destino Mudou Sua Vida (1980, vencedor do Oscar de melhor atriz) e Nas Montanhas dos Gorilas (1988, indicado ao Oscar de melhor atriz).
James Bond
Pierce Brosnan encarnava o posto de 007 pela terceira vez. Ao contrário da empolgação inicial em Goldeneye e da decepção pelos atritos no set em O Amanhã Nunca Morre, a décima nona aventura apresentava um Pierce Brosnan mais maduro – experiente no papel e bem à vontade. Algumas de suas sugestões inclusive entraram no resultado final do que vemos em tela. Como dito, o ator dominou o papel na década de 1990, sendo o James Bond definitivo do período. Somente ele e Daniel Craig compartilhariam tamanha honraria. Nem mesmo Sean Connery reinaria absoluto em sua década de estreia, os anos 1960, precisando dividir o personagem com George Lazenby. Nos anos 1970, Roger Moore o dividiu com Sean Connery. Nos anos 1980, Moore e Timothy Dalton foram os intérpretes. E nos anos 2000, Brosnan passou o manto para Daniel Craig. Mas os anos 1990 foram apenas de Brosnan. Assim como os anos 2010 foram de reinado de Craig.
Missão Secreta
Assim como os dois anteriores da era Pierce Brosnan, os livros de Ian Fleming não eram mais a base para os roteiros – isso porque todos os textos do autor já haviam sido utilizados e agora as produções precisavam seguir com as próprias pernas, criando suas próprias histórias. Assim como a trama de Na Mira dos Assassinos (1985) havia sido considerada um Goldfinger com chips de computadores, O Mundo Não é o Bastante também, segundo os fãs, reciclaria a história do terceiro filme de 007, trocando o ouro do Fort Knox por uma nova moeda mundial: o petróleo. Apesar disso, o recente filme guardaria algumas boas surpresas.
O Mundo Não é o Bastante utiliza muito do mundo moderno e de notícias reais da história mundial como pitadas de sua trama. Temos em jogo, por exemplo, a famosa síndrome de Estocolmo e o caso de Patty Hearst como bases para o desenvolvimento da personagem de Elektra King, a peça que faz a trama do filme girar. Adicionado na mistura alguns elementos do famoso caso de sequestro da família Getty igualmente entra no roteiro, além da tragédia grega de Elektra sobre vingança. Tudo faz de O Mundo Não é o Bastante um dos mais complexos e interessantes no que diz respeito ao seu roteiro.
Na trama, Bond é designado para proteger uma rica herdeira de um império de petróleo chamada Elektra King, já que aparentemente ela e sua família se tornaram alvo de um terrorista chamado Renard. A mulher inclusive já havia sido sequestrada pelo criminoso no passado. E agora seu pai é assassinado logo na abertura do filme. Assim, Bond se torna um “guarda-costas de luxo” ao fazer um favor pessoal para M (novamente Judi Dench), sua chefe, que mantinha uma longa amizade com o pai de Elektra. Ambos se tornam alvo de Renard por consequência.
Bondgirls e Aliados
O Mundo Não é o Bastante pode não ser o capítulo mais marcante da franquia, ou um que se destaque ficando dentre os melhores na opinião dos fãs. Porém, em um quesito se sobressai: apresenta a personagem feminina mais bem trabalhada da franquia até então. Vindo a rivalizar somente com Vesper Lynd na estreia de Daniel Craig. E aqui é onde entregaremos alguns spoilers do décimo nono filme. A era Brosnan marcou pelas reviravoltas em relação aos seus antagonistas. Por exemplo, o vilão de Goldeneye era revelado como sendo o antigo colega de James Bond no serviço, Alec Trevelyan, o 006. Aqui, a vítima protegida pelo espião se revela como a verdadeira vilã que estava arquitetando planos maquiavélicos.
Elektra King é vivida pela estonteante francesa Sophie Marceau – uma das atrizes mais belas do mundo. É consenso geral que Marceau seja a melhor atriz a ter interpretado uma Bondgirl na franquia – e a estrela europeia se empenha como se estivesse buscando prêmios por sua atuação. É boa neste nível e a cada cena sentimos sem alcance dramático. De começo sentimos pena da mulher por ter se tornado alvo de sequestro de terroristas e passado por um verdadeiro pesadelo. No terceiro ato a verdade vêm à tona e descobrimos que Elektra era quem realmente dava as ordens, manipulando Renard, seu amante, e inclusive planejando a morte do próprio pai – a quem ela credita parte de seu tormento por não ter pago seu resgate, instruído por M – mais uma vez pegando o caso real dos Getty como molde. Elektra ainda sequestra M, trazendo a dura chefe do espião para a ação.
Desta forma, a personagem de Marceau não é apenas uma Bondgirl como também é, de forma inédita em toda a franquia, a primeira vilã de um filme de 007. Mas Elektra não é a única Bondgirl de O Mundo Não é o Bastante, e aí adentramos um território muito controverso. Ao mesmo tempo em que o filme traz a melhor Bondgirl de um longa de 007, ele também traz a que é considerada a pior de todas elas. A Dra. Christmas Jones não é, por assim dizer, uma personagem muito rica ou repleta de camadas. Sim, é verdade que ela possui um nome para lá de tosco (Natal Jones), mas até então seria somente uma das personagens femininas vazias da série. Ela é uma física nuclear, muito inteligente e ao mesmo tempo atlética, participando das cenas de ação ao lado do protagonista. O grande problema reside em sua intérprete: Denise Richards, a “Megan Fox” dos anos 1990. A atriz marcou mais por sua beleza e certo carisma do que sua capacidade dramática de atuação. Então, quando foi a hora de ser divulgada como uma Dra. em física nuclear, zero pessoas acreditaram que a atriz conseguiu convencer no papel.
Vilões
A revelação do verdadeiro vilão é um dos chamarizes de O Mundo Não é o Bastante, assim como o artifício marcaria toda a era Brosnan. Somente O Amanhã Nunca Morre trazia um vilão bem definido desde o início. Goldeneye, como dito, visou surpreender, e o mesmo ocorreria no vindouro Um Novo Dia para Morrer – como veremos no próximo Dossiê. Seja como for, antes de Elektra se mostrar uma mulher vingativa e diabólica, Renard é quem ocupava o cargo como a grande ameaça do décimo nono filme. O papel havia sido oferecido a Javier Bardem, mas terminou nas mãos do escocês Robert Carlyle – que surfava na popularidade do indicado ao Oscar Ou Tudo ou Nada (1997), e portava um visual incrivelmente diferente do que estávamos acostumados a vê-lo e bem mais ameaçador. Bardem finalmente viria a interpretar um vilão na franquia em Skyfall (2012).
Renard é um vilão que faz uso de certas peculiaridades e deformidades em sua característica física – que sempre marcaram a galeria dos vilões de 007. Das mãos robóticas de Dr. No, à força e chapéu com abas de lâminas de Odjob, até os dentes de ferro de Jaws, os antagonistas de James Bond chegam quase ao nível dos excêntricos inimigos de Batman. E aqui, Renard possui o rosto deformado devido a uma bala alojada em sua cabeça, que não o matou, mas irá. A bala impossibilita qualquer operação, mas está se movendo e irá atingir seu cérebro internamente em breve. Enquanto não o faz o impossibilita de ter quaisquer sensações, como a dor por exemplo. Ou seja, é um vilão que não tem medo e por consequência, quase imbatível.
Relatório
Novamente, apesar das críticas mistas, O Mundo Não é o Bastante se tornou um sucesso de bilheteria. James Bond continuava surfando em sua popularidade na década e chegava à virada do milênio no auge de sua fama. De fato, a proposta era para que diversas Bondgirls do passado aparecessem realizando pequenas participações, desde Ursula Andress até Barbara Bach, mas o boato não se concretizou. O que ganhamos na forma de homenagem foi uma visita de 007 até a sala de Q (novamente vivido por Desmond Llewelyn) onde se depara com diversos artefatos usados durante toda a franquia, desde a fantasia de crocodilo usada por Roger Moore até a mochila jato usada por Connery em A Chantagem Atômica.
Aqui também tínhamos a introdução do inventor que substituiria Q, vivido por John Cleese. O ator Desmond Llewelyn já estava com idade e os produtores imaginaram que ele não conseguiria ficar no papel por muito mais tempo. No entanto, o pior aconteceu e o veterano faleceu, não de idade, mas sim devido a um acidente de carro em dezembro de 1999, após o lançamento desde filme. Q aparece ainda nas formas de Llewelyn mas fica clara a sua passagem de bastão.
A trilha sonora desta vez vinha servida com a canção principal da banda Garbage, que é a cara total dos anos 1990, época em que a banda de rock brilhou na MTV por exemplo.
O Mundo Não é o Bastante ao mesmo tempo em que introduz muitos elementos inovadores para a mitologia do personagem, terminou com gosto amargo em alguns outros, em especial por portar a pior Bondgirl da franquia. Mas os números falavam mais alto e Pierce Brosnan assinava para mais uma continuação na pele do espião – esta, ao contrário das anteriores que possuíam intervalo de dois anos, demoraria um pouco mais a sair do papel. E o resultado… bem, saberemos no próximo Dossiê.