Recentemente, o mundo da cultura pop no cinema recebeu inúmeras prévias de seus próximos grandes lançamentos. Tais trailers foram o suficiente para aguçar a expectativa dos fãs e os deixar em polvorosa de ansiedade. São produções para a segunda metade de 2022 e também algumas para o início do ano que vem. Um dos mais legais e que surpreendeu positivamente o público foi Dungeons & Dragons, nova investida numa propriedade clássica e muito querida. Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes tem produção da Paramount Pictures, traz no elenco nomes como Chris Pine, Michelle Rodriguez, Sophia Lillis e Hugh Grant impulsionando o projeto, e tem direção de John Francis Daley e Jonathan Goldstein, dupla responsável pelo roteiro de Homem-Aranha: De Volta ao Lar e pela direção do hilário A Noite do Jogo.
Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes tem estreia programada para o dia 13 de Abril, mas o que surpreendeu mesmo os fãs foi a qualidade que a obra apresentou em seu trailer. Sabemos que essas prévias podem enganar, tanto para o bem quanto para o mal – fato que acontece com frequência. Mas o trabalho de um trailer é despertar o interesse do espectador em querer assistir a tal filme, e isso a prévia do novo Dungeons & Dragons realizou com louvor. Esse é um dos trailers mais divertidos e chamativos dos últimos tempos e realmente estamos torcendo para que reflita o espírito real do filme. Os fãs mais escolados neste universo, no entanto, conhecem muito bem a origem desta história – incluída inclusive em outros produtos atuais, como a série Stranger Things.
Como citado no título da matéria, Dungeons & Dragons surgiu como um jogo de tabuleiro, que se tornou um verdadeiro fenômeno, sendo lançado ainda em 1974. Ao contrário dos demais jogos de tabuleiro, Dungeons & Dragons ou D&D (na abreviação) – “Masmorras e Dragões” (na tradução livre) é um RPG, ou role-playing game. Isso significa que é um jogo onde os jogadores atuam como os personagens. Trocando em miúdos, é como uma prévia dos videogames antes do advento dos jogos eletrônicos. Hoje, cada gamer possui um avatar quando joga online. O RPG é exatamente isso, mas feito de uma forma mais “raiz” e usando meramente a imaginação dos jogadores. No caso de D&D, voltado a uma aventura de fantasia, repleta de seres da mitologia medieval, como dragões, monstros, criaturas sobrenaturais, bruxos, feiticeiros, cavaleiros, bárbaros e armas místicas. A “brincadeira” foi criada por Gary Gygax e Dave Arneson, ficou séria e segue rendendo frutos até hoje dentro da cultura pop, com produtos ainda maiores do que a criação original da dupla.
Para a geração dos anos 80, um dos “derivados” mais legais que o jogo já teve foi o desenho animado Caverna do Dragão, que fez a alegria das crianças e adolescentes na época, em especial no Brasil onde foi reprisado ao ponto de todos decorarem os episódios e seus diálogos. Muitos podem pensar que a animação durou um tempo considerável de exibição, mas a verdade é que ficou no ar apenas dois anos, de 1983 a 1985, de forma inédita – somando um total de 3 temporadas e “apenas” 28 episódios. O programa sequer teve um desfecho, nunca exibindo um episódio final na trama dos adolescentes que eram transportados a um mundo mágico após adentrarem um passeio no parque de diversões. No local, o grupo de seis crianças ganhava armas mágicas para combater as forças do mal. Durante décadas, os fãs nostálgicos sonharam com uma adaptação deste desenho, o que ainda não se concretizou. Para servir um pouco de consolação, é reportado que os personagens do desenho oitentista irão aparecer numa participação especial do novo filme. O que deixa a coisa ainda melhor.
Mas nem só de glórias é feita a estrada de Dungeons & Dragons na cultura pop. E há 22 anos a franquia extremamente popular se depararia com o ponto mais baixo em sua trajetória – seu fundo do poço pessoal. É claro que me refiro à primeira adaptação cinematográfica em live-action do produto D&D, subtitulado A Aventura Começa Agora, de 2000. De início, assim como esta versão de agora, a primeira insatisfação coletiva se deu pela adaptação não ser voltada ao clássico desenho animado – que era o que os fãs nostálgicos gostariam de ver. Aqui, no entanto, novos personagens eram introduzidos. A trama envolve temas de traição, intriga política, conspiradores tentando destronar regentes e as artimanhas costumeiras da corte, tudo passado num reino de fantasia, magia, criaturas e dragões. Temas que seriam explorados com minúcia e esmero logo no ano seguinte em produções como Harry Potter e em especial O Senhor dos Anéis, e 10 anos depois no seriado Game of Thrones. Justamente por isso, podemos dizer que D&D – O Filme errou o alvo por muito pouco, já que estreou um ano antes da explosão verdadeira do gênero – que certamente o beneficiaria.
No elenco, apenas o veterano Jeremy Irons é um nome de destaque, mesmo que aqui esteja pagando o mico de sua carreira. O ator interpreta o vilão da história, o feiticeiro Profion, que conspira para tirar a Imperatriz Savina do poder (papel de Thora Birch, então saída do sucesso de Beleza Americana no ano anterior). A atuação caricata de Irons no filme foi bastante satirizada na época, e certamente viraria meme hoje em dia. Ao ser perguntando por que um ator de seu porte havia aceitado participar desta produção, ele simplesmente respondeu que havia acabado de comprar um castelo e precisava pagar por ele de alguma forma – resposta similar dada anos antes pelo conterrâneo Michael Caine ao ser perguntado sobre sua participação no horrendo Tubarão 4 (1987).
Sim, já que deu perceber que as citações ao filme de D&D não são muito elogiosas. Pelo contrário, é uma missão difícil achar algum defensor da obra. Essa é uma daquelas raras e unânimes produções que parecem não encontrar sequer um defensor – aliás se você conhecer algum pode nos indicar. A verdade é que quando um filme fracassa não é bom para ninguém. Não é bom para quem o produz e precisa arcar com o prejuízo financeiro – e no caso de artistas pode significar o fim de uma carreira. E não é bom para os fãs, que ficam sem seu produto tão querido. Aqui nesta primeira adaptação de D&D para as telonas precisamos refazer os passos até uma figura central: o diretor e produtor Courtney Solomon.
Sem muita expressividade no ramo da sétima arte, o canadense Courtney Solomon tinha apenas 19 anos quando conseguiu adquirir os direitos de adaptação para o cinema de D&D. Fã ardoroso assumido do jogo de tabuleiro e de toda a mitologia em volta deste universo, Solomon fez contato com a editora TSR, empresa responsável por cuidar das publicações de D&D – seja do game ou de livros e todo o material impresso. Através de negociações e de sua paixão, Solomon ficou com os direitos de levar a ideia ao cinema. Por anos, o jovem produtor buscou parceiros que poderiam ajuda-lo nessa empreitada e sem um estúdio por trás na época, mas conseguindo arrecadar algo em torno de US$3 milhões para o orçamento do longa junto a investidores, D&D – A Aventura Começa Agora se tornaria o filme independente mais caro da história. Logo depois, Solomon ainda descolaria a distribuição da New Line – que no ano seguinte produziria também O Senhor dos Anéis.
Mostrando ter uma lábia incrível, o jovem produtor chegou muito perto de fechar acordo com grandes nomes da indústria para comandarem o filme, como os diretores Francis Ford Coppola e James Cameron, além de um possível envolvimento do saudoso Stan Winston para os efeitos. A pedra no sapato de Solomon, no entanto, era justamente seu contrato com a empresa TSR, que era cheio de cláusulas e terminava não deixando as negociações com estes figurões ir adiante. No fim das contas todos desistiram, e a TSR exigia que um filme fosse produzido no prazo estabelecido para que o produtor não perdesse os direitos, revertendo de novo para a editora – talvez esse fosse o verdadeiro objetivo da TSR. A manobra obrigou o próprio Solomon a meter a mão na massa e dirigir o filme ele mesmo, sem qualquer experiência na função. Solomon ainda escalaria o pouco expressivo Justin Whalin como seu protagonista, o ladrão galanteador Ridley. O diretor acreditava que seu ator tinha potencial para se tornar um astro – na época Whalin era mais conhecido como o Andy adolescente de Brinquedo Assassino 3 (1991) e como o fotógrafo Jimmy Olsen no seriado Lois & Clark – As Novas Aventuras do Superman (1993). A carreira de Whalin infelizmente nunca decolaria. Fechando o elenco principal, Marlon Wayans viveu o alívio cômico e parceiro do protagonista Snails.
A produção apressada precisou cortar diversos trechos de efeitos especiais e cenas de ação – além de ser obrigada a trabalhar com um primeiro roteiro e não com um novo tratamento melhorado (outra exigência do contrato). No fim das contas, o pesadelo de bastidores refletiu no resultado do longa. Entre outras coisas, os efeitos visuais, que criam por exemplo o design dos dragões foi considerado de baixa qualidade até mesmo para a época, levando em conta que Jurassic Park (1993) e sua continuação (1997) haviam criado criaturas gigantescas muito mais convincentes anos antes. Os fãs também se desapontaram por não encontrarem na trama qualquer similaridade com seu querido universo, personagens e conceitos. E os não familiarizados com a história perceberam D&D – o Filme, apenas como uma aventura medieval de fantasia medíocre e sem qualquer atrativo, extremamente genérica. Sorte que no ano seguinte, filmes muito mais encorpados resgatariam o gênero. E para Dungeons & Dragons a redenção pode estar no novo Honra Entre Rebeldes, que promete um espírito similar ao primeiro Guardiões da Galáxia no que diz respeito à interação de seus personagens e uma obra mais fiel ao seu material fonte. Aguardemos.