O que os cinéfilos mais gostam nessa vida, fora assistir a todos os filmes possíveis durante o ano, é bater papo sobre cinema com pessoas que tenham a mesma paixão que ele. Ser cinéfilo é amar a sétima arte de forma a entender todas as formas de pensar e sentir um filme, uma história. Nós cinéfilos não brigamos, nós argumentamos com emoção.
Pensando nesse sentimento bonito que existe entre a comunidade cinéfila espalhada por todo o Brasil e pelo mundo, resolvi eu, um humilde cinéfilo carioca, entrevistar de maneira bem objetiva, e aproveitando para matar a saudade dos pensamentos cinéfilos dos amigos, diversos amantes da sétima arte. Famosos ou não, que trabalham com cinema no Brasil e/ou no mundo ou não.
Mestre e doutorando em Letras pela FFLCH-USP, o jornalista e crítico de cinema Alysson Oliveira, uma das pessoas mais gentis e educadas desse universo do audiovisual brasileiro, é o convidado de hoje da nossa coluna sobre cinéfilos. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e sempre recheando a timeline dos sortudos ‘facebookianos’ que o seguem no site criado pelo Zuckerberg com dicas sobre filmes e livros, Alysson é dono impressionantes textos sobre filmes, que lemos sempre no Cineweb, site no qual escreve desde os anos 2000.
1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação à programação? Detalhe o porquê da escolha.
Minha sala preferida é o Itaú da Augusta, porque foi o primeiro “cinema de arte” a que fui (nem tinha esse nome, era Espaço Unibanco), e também por sua programação variada concentrando-se em filmes independentes e afins, também pela localização.
2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente?
O Leopardo, na escola, no final dos anos de 1990. Foi uma descoberta de “filme antigo” que ia muito além do que via até então – basicamente Hollywood. E se tornou um dos meus filmes favoritos.
Não deixe de assistir:
3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?
São vários, mas escolho, então, Stanley Kubrick e seu Barry Lyndon, que depois de ver várias vezes na tela da televisão, pude ver no cinema, na Mostra de 2013 – e, depois disso, nunca mais tive coragem de ver novamente na tela da televisão.
4) Qual seu filme nacional favorito e por que?
Bernardo, pela sua austeridade formal, e a maneira como Leon Hirszman colocou na tela a prosa de Graciliano Ramos, dando vida a um mundo decadente e de disputa de poder e propriedade.
5) O que é ser cinéfilo para você?
Não sei muito bem, talvez alguém cujo senso crítico tenha sido desenvolvido a partir de ver filmes quase que indiscriminadamente.
6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possui programação feita por pessoas que entendem de cinema?
A maioria não – levando em conta que conheço vários Cinemark, Kinoplex e afins – mas os que frequento, como os Itaú, Cinesesc, Belas Artes e Reserva Cultural, sim. Esses são cinemas claramente programados por pessoas que entendem do assunto.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Acredito que não, e também não deverão se render a modismos, como exibição de shows etc. . Acredito que uma parte das salas se adaptarão, mas continuarão sendo cinema, exibindo filmes.
8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Morvern Callar, da escocesa Lynne Ramsay. É um filme sobre uma crise existencial, sobre uma mulher que precisa descobrir a si mesma, e cai no mundo para isso. Tem algo de Antonioni.
9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a Covid-19?
Não, de forma alguma. É um risco de contágio enorme não apenas para frequentadores, mas, principalmente, funcionários que deverão se deslocar até o trabalho, a maioria, em transporte público.
10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
A produção brasileira vinha bastante boa, até que, nos últimos meses, diminuíram os investimentos e incentivos. Não sabemos o que vai acontecer daqui pra frente. Vamos torcer que não seja algo como na Era Collor, quando se fazia, com sorte, um filme por ano. Não creio que hoje chegue a esse limite, mas, desconfio que, infelizmente, a produção nacional sofrerá um baque.
11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.
Beto Brant. Acho-o um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos. Seus filmes são perspicazes na figuração do Brasil e de uma subjetividade brasileira – especialmente da classe média – no século XXI.
12) Defina cinema com uma frase.
É onde a realidade fica escancarada, mesmo que possa parecer o contrário.
13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.
Minha primeira ida ao cinema. Devia ter uns 3 anos, e fui ver E.T. . Tinha medo do escuro, e cheguei com o filme já começado, com aquele monstro assustador na tela, gigantesco. Chorei de medo o filme inteiro. Fiquei mais de dez anos sem ter coragem de ir ao cinema. Só na adolescência que fui novamente.