segunda-feira , 16 dezembro , 2024

ENTREVISTA | Anora: O Triunfo de Sean Baker em Cannes e a Corrida de Mikey Madison ao Oscar

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Eu queria que o filme fosse um retrato autêntico e humano de um universo muitas vezes incompreendido”, declarou o cineasta Sean Baker sobre Anora, durante uma exclusiva exibição do vencedor da Palma de Ouro, realizada dia 11 de dezembro, em Paris. Em campanha pelo Oscar pela Europa, a sessão contou com um bate-papo entre o diretor, a atriz protagonista Mickey Madison e a mediadora Natalie Portman (May December – Segredos de um Escândalo), revelando mais detalhes dos bastidores da produção. 

Após a conquista da Palma de Ouro, Anora recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro. Apesar de ser uma comédia, o filme mergulha nos submundos do Brooklyn e explora temas complexos como relações familiares, a comunidade russa na região e o universo das profissionais do sexo. Ao entregar o prêmio em Cannes, Greta Gerwig, presidente do júri, descreveu Anora como uma obra que “dialoga com o cinema clássico, mas também traz algo completamente novo”. Baker reconhece influências de cineastas como Howard Hawks e das comédias screwball — isto é, comédias “malucas” e fora do convencional — dos anos 70 e 80. 



Elenco de Anora no Festival de Cannes
Elenco de ‘Anora’ no Festival de Cannes 2024 (Foto: Reprodução)

Há muito dos anos 80 neste filme”, confessa. “Desde Um Príncipe em Nova York (1988) até Uma Linda Mulher (1990), percebi que estava subconscientemente fazendo referências a esses filmes”, relatou o diretor durante o encontro. Com o sucesso na temporada de premiações, a Universal Pictures Brasil alterou a data de lançamento para 23 de janeiro de 2025, após o anúncio dos indicados ao Oscar em 17 de janeiro de 2025.

Uma Longa Jornada na Marginalização

Desde Tangerine (2015) e Projeto Flórida (2017), Sean Baker tem promovido um cinema independente voltado para retratar personagens marginalizados pela indústria tradicional, principalmente profissionais do sexo. Durante o evento, Baker mencionou que a ideia de Anora surgiu de conversas com o ator Karren Karagulian, colaborador de longa data, que interpreta Torus na comédia dramática. Ambos queriam contar uma história sobre a comunidade russo-americana de Brighton Beach, no Brooklyn.

Mikey Madisson Sean Baker e Natlie Portman em Paris
Mikey Madison, Sean Baker e Natlie Portman em Paris (Foto: Leticia Alassë)

A experiência prévia do diretor com o universo da prostituição foi fundamental para moldar a narrativa. “Eu já havia feito uma imersão nesse universo em filmes anteriores, o que me ajudou a construir Anora”, explica Baker. Se em Tangerine o foco é a prostituição transsexual em Los Angeles, em Projeto Flórida a questão é a sobrevivência à margem do parque de diversões mais famoso do mundo. Em Red Rocket (2021), o cineasta aborda a decadência de um ex-ator pornô e a iniciação de uma jovem nesse meio, no Texas. Agora, Baker explora o sonho americano das jovens que trabalham em casas de striptease em Nova York: encontrar o príncipe encantado.

Mesmo com o maior orçamento de sua carreira, Baker destaca que a prioridade era manter a autenticidade e oferecer ao público uma visão complexa e respeitosa desse universo.

Mikey Madison na corrida pelo Oscar 

Escolhida a dedo para interpretar a protagonista Ani/Anora, Mikey Madison, de 25 anos, desponta como uma das possíveis indicadas ao Oscar 2025, ao lado de veteranas como Nicole Kidman (Babygirl), Angelina Jolie (Maria Callas) e Demi Moore (A Substância). Suas atuações em Era Uma Vez em… Hollywood (2019), de Quentin Tarantino, e na franquia Pânico (2022) foram definitivas para que Baker a convidasse para o projeto.

Foi uma combinação das performances dela nesses dois filmes”, relata Baker. “[Nos personagens] havia uma intensidade e uma atitude que eram perfeitas para Ani (…), mas também humor, uma entrega cômica de um jeito suave”, explica o cineasta.

Mulher em pose artística e vestido vermelho.
Mikey Madison como Anora (Foto: reprodução)

Para o papel, Madison passou por um processo de preparação extenso. Ela se matriculou em aulas de pole dance em um estúdio em Baltimore e continuou o treinamento em Los Angeles. “Eu queria que minha performance como dançarina fosse a mais autêntica possível”, contou a atriz. Além disso, Madison estudou russo por meses para dominar a língua e o sotaque da personagem. “Eu não queria apenas decorar as falas foneticamente. Queria entender o que estava dizendo e o que os outros personagens diziam para mim.”

A atriz também fez uma imersão em Brighton Beach antes das filmagens, observando o dia a dia das mulheres da região. Esse processo ajudou a atriz a reproduzir o sotaque e capturar a essência de sua personagem. Durante a projeção em Paris, Madison confessou sentir-se honrada por ter sido a primeira vez em que um cineasta escreveu uma personagem especialmente para ela. 

Controvérsias: Feminismo e Representatividade

A representação da prostituição e da nudez feminina no audiovisual sempre gera debates críticos. Sean Baker vê seu trabalho como uma lente sobre uma minoria marginalizada, alvo tanto da moralidade conservadora quanto do discurso religioso.

Mikey Madisson e1734312515637
Mikey Madison em sessão exclusiva em Paris (Foto: Leticia Alassë)

Embora Baker não adote uma abordagem explicitamente feminista em seu roteiro, ele enfatiza a importância de representar suas personagens de forma tridimensional e respeitosa. “Quero mostrar minhas personagens da mesma forma que gostaria de ser representado se alguém fizesse um filme sobre mim“, declarou abordando as polêmicas em torno da exploração sexual feminina.

Mikey Madison, por sua vez, declarou-se feminista e trouxe a perspectiva da representatividade para a discussão. “Conhecer essas mulheres e ouvir suas histórias foi essencial para mim”, esclarece. “Queria representar o trabalho sexual de uma forma realista e respeitosa. As amizades que fiz com essas mulheres impactaram profundamente minha performance.

Finais Ambíguos São Mais Impactantes

O desfecho de Anora é um dos pontos altos do filme. Para Baker, o final é a parte mais importante da narrativa e foi planejado desde o início. “Não quero dar muitos detalhes, pois gosto de deixar o final aberto à interpretação do público”, revelou o diretor. Ele, contudo, compartilhou uma espécie de epílogo com Mikey Madison e Yura Borisov para ajudar na construção das performances. O que estaria escrito? 

Sean Baker também revelou deixar pistas dos finais de seus filmes em outras obras. Assim, o desfecho de Anora pode surgir em futuros trabalhos, da mesma forma que o “depois” de Red Rocket é apresentado como um easter egg de uma das cenas em Las Vegas nessa nova produção. 

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Mark Eydelshteyn e Mikey Madison no filme Anora (Foto: Reprodução)

 

Com uma combinação de drama, humor e crítica social, Anora é uma obra envolvente, engraçada e profundamente humana. Sean Baker prova mais uma vez sua habilidade em capturar personagens ignorados pelo mainstream, enquanto Mikey Madison entrega a performance de sua carreira. A Palma de Ouro em Cannes não é apenas um prêmio, mas também um sinal de que histórias autênticas e representativas merecem destaque no cinema mundial.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Eu queria que o filme fosse um retrato autêntico e humano de um universo muitas vezes incompreendido”, declarou o cineasta Sean Baker sobre Anora, durante uma exclusiva exibição do vencedor da Palma de Ouro, realizada dia 11 de dezembro, em Paris. Em campanha pelo Oscar pela Europa, a sessão contou com um bate-papo entre o diretor, a atriz protagonista Mickey Madison e a mediadora Natalie Portman (May December – Segredos de um Escândalo), revelando mais detalhes dos bastidores da produção. 

Após a conquista da Palma de Ouro, Anora recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro. Apesar de ser uma comédia, o filme mergulha nos submundos do Brooklyn e explora temas complexos como relações familiares, a comunidade russa na região e o universo das profissionais do sexo. Ao entregar o prêmio em Cannes, Greta Gerwig, presidente do júri, descreveu Anora como uma obra que “dialoga com o cinema clássico, mas também traz algo completamente novo”. Baker reconhece influências de cineastas como Howard Hawks e das comédias screwball — isto é, comédias “malucas” e fora do convencional — dos anos 70 e 80. 

Elenco de Anora no Festival de Cannes
Elenco de ‘Anora’ no Festival de Cannes 2024 (Foto: Reprodução)

Há muito dos anos 80 neste filme”, confessa. “Desde Um Príncipe em Nova York (1988) até Uma Linda Mulher (1990), percebi que estava subconscientemente fazendo referências a esses filmes”, relatou o diretor durante o encontro. Com o sucesso na temporada de premiações, a Universal Pictures Brasil alterou a data de lançamento para 23 de janeiro de 2025, após o anúncio dos indicados ao Oscar em 17 de janeiro de 2025.

Uma Longa Jornada na Marginalização

Desde Tangerine (2015) e Projeto Flórida (2017), Sean Baker tem promovido um cinema independente voltado para retratar personagens marginalizados pela indústria tradicional, principalmente profissionais do sexo. Durante o evento, Baker mencionou que a ideia de Anora surgiu de conversas com o ator Karren Karagulian, colaborador de longa data, que interpreta Torus na comédia dramática. Ambos queriam contar uma história sobre a comunidade russo-americana de Brighton Beach, no Brooklyn.

Mikey Madisson Sean Baker e Natlie Portman em Paris
Mikey Madison, Sean Baker e Natlie Portman em Paris (Foto: Leticia Alassë)

A experiência prévia do diretor com o universo da prostituição foi fundamental para moldar a narrativa. “Eu já havia feito uma imersão nesse universo em filmes anteriores, o que me ajudou a construir Anora”, explica Baker. Se em Tangerine o foco é a prostituição transsexual em Los Angeles, em Projeto Flórida a questão é a sobrevivência à margem do parque de diversões mais famoso do mundo. Em Red Rocket (2021), o cineasta aborda a decadência de um ex-ator pornô e a iniciação de uma jovem nesse meio, no Texas. Agora, Baker explora o sonho americano das jovens que trabalham em casas de striptease em Nova York: encontrar o príncipe encantado.

Mesmo com o maior orçamento de sua carreira, Baker destaca que a prioridade era manter a autenticidade e oferecer ao público uma visão complexa e respeitosa desse universo.

Mikey Madison na corrida pelo Oscar 

Escolhida a dedo para interpretar a protagonista Ani/Anora, Mikey Madison, de 25 anos, desponta como uma das possíveis indicadas ao Oscar 2025, ao lado de veteranas como Nicole Kidman (Babygirl), Angelina Jolie (Maria Callas) e Demi Moore (A Substância). Suas atuações em Era Uma Vez em… Hollywood (2019), de Quentin Tarantino, e na franquia Pânico (2022) foram definitivas para que Baker a convidasse para o projeto.

Foi uma combinação das performances dela nesses dois filmes”, relata Baker. “[Nos personagens] havia uma intensidade e uma atitude que eram perfeitas para Ani (…), mas também humor, uma entrega cômica de um jeito suave”, explica o cineasta.

Mulher em pose artística e vestido vermelho.
Mikey Madison como Anora (Foto: reprodução)

Para o papel, Madison passou por um processo de preparação extenso. Ela se matriculou em aulas de pole dance em um estúdio em Baltimore e continuou o treinamento em Los Angeles. “Eu queria que minha performance como dançarina fosse a mais autêntica possível”, contou a atriz. Além disso, Madison estudou russo por meses para dominar a língua e o sotaque da personagem. “Eu não queria apenas decorar as falas foneticamente. Queria entender o que estava dizendo e o que os outros personagens diziam para mim.”

A atriz também fez uma imersão em Brighton Beach antes das filmagens, observando o dia a dia das mulheres da região. Esse processo ajudou a atriz a reproduzir o sotaque e capturar a essência de sua personagem. Durante a projeção em Paris, Madison confessou sentir-se honrada por ter sido a primeira vez em que um cineasta escreveu uma personagem especialmente para ela. 

Controvérsias: Feminismo e Representatividade

A representação da prostituição e da nudez feminina no audiovisual sempre gera debates críticos. Sean Baker vê seu trabalho como uma lente sobre uma minoria marginalizada, alvo tanto da moralidade conservadora quanto do discurso religioso.

Mikey Madisson e1734312515637
Mikey Madison em sessão exclusiva em Paris (Foto: Leticia Alassë)

Embora Baker não adote uma abordagem explicitamente feminista em seu roteiro, ele enfatiza a importância de representar suas personagens de forma tridimensional e respeitosa. “Quero mostrar minhas personagens da mesma forma que gostaria de ser representado se alguém fizesse um filme sobre mim“, declarou abordando as polêmicas em torno da exploração sexual feminina.

Mikey Madison, por sua vez, declarou-se feminista e trouxe a perspectiva da representatividade para a discussão. “Conhecer essas mulheres e ouvir suas histórias foi essencial para mim”, esclarece. “Queria representar o trabalho sexual de uma forma realista e respeitosa. As amizades que fiz com essas mulheres impactaram profundamente minha performance.

Finais Ambíguos São Mais Impactantes

O desfecho de Anora é um dos pontos altos do filme. Para Baker, o final é a parte mais importante da narrativa e foi planejado desde o início. “Não quero dar muitos detalhes, pois gosto de deixar o final aberto à interpretação do público”, revelou o diretor. Ele, contudo, compartilhou uma espécie de epílogo com Mikey Madison e Yura Borisov para ajudar na construção das performances. O que estaria escrito? 

Sean Baker também revelou deixar pistas dos finais de seus filmes em outras obras. Assim, o desfecho de Anora pode surgir em futuros trabalhos, da mesma forma que o “depois” de Red Rocket é apresentado como um easter egg de uma das cenas em Las Vegas nessa nova produção. 

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Mark Eydelshteyn e Mikey Madison no filme Anora (Foto: Reprodução)

 

Com uma combinação de drama, humor e crítica social, Anora é uma obra envolvente, engraçada e profundamente humana. Sean Baker prova mais uma vez sua habilidade em capturar personagens ignorados pelo mainstream, enquanto Mikey Madison entrega a performance de sua carreira. A Palma de Ouro em Cannes não é apenas um prêmio, mas também um sinal de que histórias autênticas e representativas merecem destaque no cinema mundial.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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