quinta-feira , 21 novembro , 2024

Entrevista: Diretor de ‘Simonal’, Leonardo Domingues, fala sobre o processo de produção do filme

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Leonardo Domingues, diretor e roteirista de Simonal, subiu ao palco da première do filme no Festival do Rio – que aconteceu ontem, dia 9 de novembro, no Cine Odeon – mal conseguindo esconder o nervosismo. Ao falar no microfone para uma plateia lotada, enquanto buscava as melhores palavras para dizer no palco, ele até brincou com sua própria tensão.

Não era para menos. Apesar da longa experiência como editor de filmes, era sua noite de estreia na direção do longa que conta a história de ninguém menos que Simonal, cantor de sucesso da década de 60, que foi do auge ao fundo do poço ao ser acusado de ser um delator durante o período da ditadura militar no país. Mas, ao final dos 105 minutos do filme, se ainda restava algum nervosismo em Leonardo, este deve ter ido embora imediatamente – afinal, mostrando que realmente aprovou o que foi visto, a plateia aplaudiu de pé a produção. Merecidamente.



Aqui no CinePOP, eu, Nívia Passos, tive o prazer de bater um papo com o diretor um dia depois do evento para saber como foi o processo de realização do filme, suas referências cinematográficas, a relação do contexto da época de Simonal com o atual cenário político do Brasil, e muito mais. Vem conferir!

Nívia Passos: Primeiramente, queria te parabenizar pelo filme. Fiquei muito satisfeita com o que vi e deu para perceber que a plateia também. Bom, para começar: O que despertou seu interesse em contar a história de Simonal nos cinemas?

Leonardo Domingues: Muito obrigado!

Eu já conhecia o Simonal como cantor na minha infância, e sabia sobre essa história com a ditadura que nunca tinha sido esclarecida. Mas foi quando trabalhei como editor no documentário Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei, de 2009, que fui conhecer mais a fundo e pensei “Caramba, que história incrível!”. Então foi meio como somar “1+1 = 2”: como gostava da música e da história, por que não fazer? O público de um documentário é mais restrito, e eu queria levar essa história para a ficção, para um público maior, porque Simonal foi um personagem marcante.

NP: E como foi a busca pelas informações para reconstituir a história? Qual foi sua maior fonte?

LD: Tinha todo o material bruto do documentário, onde trabalhei como editor. Também li a biografia do Ricardo Alexandre, “Nem Vem que não Tem”, e o livro do Gustavo Alonso, que foi feito para uma tese de mestrado da Universidade Federal Fluminense. Além disso, também tinham matérias de jornal, teve o musical, e eu procurava conversar sempre com o Ricardo e com a família. Enfim, o que tinha em volta eu ia lendo e pesquisando.

NP: A escolha de Ísis Valverde para interpretar Tereza, a mulher de Simonal, e ser o par romântico de Fabrício Boliveira tem algo a ver com o bom resultado dos dois em cena em Faroeste Caboclo?

LD: Teve mais a ver com o fato da Ísis ser uma grande atriz. Inicialmente eu não havia pensado nessa possibilidade pelo fato da Tereza ser loira, mas depois veio essa ideia por ela ser uma ótima atriz. Só depois fui pensar nos dois em Faroeste Caboclo. O Sergio Pena, que foi preparador de elenco, até me perguntou se eu achava que ia ser ruim repetir essa dobradinha porque as pessoas logo podiam associar os dois ao primeiro filme. Mas eu não vi problema porque acho que eles contracenam bem juntos e porque, em 5 minutos de Simonal, já daria para esquecer esses outros personagens. Mas a escolha não foi pelo filme… Foi pelo fato da Ísis ser uma atriz maravilhosa. Ela brilha em cena, tem um estudo de personagem e se dedica.

NP: E por falar em escolha, queria aproveitar para apontar que o Fabrício Boliveira ficou incrível como Simonal. Ele realmente capturou os trejeitos do personagem, modo de falar, dançar… Você chegou a cogitar outro ator?

LD: A primeira pessoa que eu pensei foi realmente o Fabrício Boliveira. Eu editei o filme Nise – O Coração da Loucura, em que ele fez o personagem Fernando Diniz, e no material bruto pude ter a certeza de que ele realmente era bom. Às vezes, com a edição, você consegue disfarçar uma atuação ruim, mas eu vi que esse não era o caso dele. Eu já estava pensando no Simonal nessa época, então o nome dele logo me veio à cabeça. Até cheguei a cogitar outros, mas o Fabricio foi o primeiro que vi e mantive. Eu acho que ele tem o mesmo carisma e brilho no olhar que o Simonal. Nas filmagens, ele subia no palco, ficava no microfone na mão pedindo animação… Tinha esse mesmo espírito. 

Ele não canta no filme. Não quisemos arriscar porque a voz do Simonal é única, fomos no certo. Mas ele teve uma preparação musical para cantar de verdade durante a gravação. O Felipe Abílio, que foi o mesmo preparador vocal da Andrea Horta em Elis, dizia que era importante que o ator emitisse o som da voz também. Então Fabrício chegou a ter aula de canto para cantar mesmo – mas aí, na hora da gravação, tinha esse playback.

NP: Em um tempo onde a memória da ditadura parece ter sido esquecida por alguns brasileiros, seu filme vem como um modo de mostrar como era esse período, por mais que não foque só nisso. Quando você começou a gravar o filme, provavelmente não esperou que ele fosse acabar sendo tão atual, certo? Agora, com tudo isso, você tem um novo olhar sobre ele?

LD: É curioso isso. Quando eu pensei no filme, em 2010, logo depois do documentário, era outro Brasil, o auge da Era Lula. O filme seria sobre a história do cantor negro, pobre, que ascendeu, fez sucesso e tinha esse pano de fundo da ditadura, mas em nenhum momento pensei que essa discussão estaria em pauta. Uma dificuldade que eu tinha, inclusive, era mostrar para os jovens como era ruim ser um delator naquela época, um “dedo duro”, porque é algo que tem uma conotação diferente desde 2014, com essa história da “delação premiada”, por exemplo. Até que o tempo foi passando, o filme foi se tornando mais atual e chegamos nesse momento das eleições, onde se fala de tudo isso de novo.

Mas, assim, ele está atual agora, nesse momento. Não sei se vai estar assim em setembro de 2019, quando for a estreia nos cinemas. Talvez, até lá, as pessoas já não falem tanto sobre isso.

NP: Outro ponto positivo do filme é tocar nas feridas de uma sociedade racista – como no momento em que Simonal fala que um “preto favelado entre eles era demais”, e quando dizem no DOPS que racismo era coisa de americano. Isso tudo é ótimo, porque cinema é mesmo para gerar debate e fazer denúncia. Como você se sente exercendo esse papel?

LD: Eu acho que fui na onda do que o documentário tinha falado. Eu tentei dar força, dar voz a isso; mostrar que um dos motivos para tudo ter acontecido era o fato do Simonal incomodar por ser um negro naquela posição. No filme, até cito o exemplo da Elis Regina. Sei que são casos diferentes, mas têm uma certa semelhança. Talvez, se Simonal fosse branco, não tivesse acontecido tudo isso.
Essa discussão racial também está muito latente agora, e fazia parte do meu papel no filme contar isso também. Mostrar que estamos em uma sociedade que vive algo que nos anos 60 e 70 já era discutido.

NP: Qual seria sua cena favorita do filme?

LD: São várias, mas vou falar os dois planos-sequência do filme porque foram muito trabalhosos de fazer. A gente demorou muito tempo só para fazer aquele primeiro plano, e foi um dia muito especial porque toda a equipe ficou muito focada para conseguir fazer. A atriz Mariana Lima chegou a machucar o pé no primeiro ensaio! Chamamos médico e tudo, mas ela continuou querendo filmar e fez os takes todos com o pé quebrado. Mas foi tudo dando certo, certo… E a equipe toda quis ficar até conseguir o plano completo.

Mas o meu favorito é o plano-sequência do meio. Apesar de ser menor, tem um paralelo importante para a narrativa: Simonal deixa o público cantando, sai para ir no bar e quando ele volta é aquela apoteose, todos ali cantando juntos. É um plano que eu tinha imaginado desde o início porque é narrado no documentário. Ficou no meu imaginário com Chico Anísio e Ziraldo contando, e eu pensei “tenho que filmar esse negócio” e decidi o plano-sequência.

NP: Aproveitando o gancho de cenas favoritas, queria aproveitar para elogiar a cena final. Ela consegue ser feliz e melancólica ao mesmo tempo ao mostrar Simonal cantando para uma plateia vazia…

LD: Obrigado. Foi difícil imaginar um final para o filme, porque o documentário vai até a morte dele. É um final para cima, com Chico Anísio falando que ele foi para o céu. Aí eu fiquei pensando “como vou terminar isso? Quero que as pessoas saiam para cima”. Na verdade, eu filmei vários finais para decidir na montagem (risos). E achei que esse foi uma boa solução porque ele entra no palco de uma forma feliz, sorrindo, quando a cena revela que ele está cantando em um teatro vazio. Ele canta Sá Marina alegre e feliz, mas para ninguém. Mostra que o que ele queria era cantar, ainda que fosse para apenas um.

NP: Hoje, depois de ter revisto tudo na estreia, faria algo diferente no filme?

LDTudo que eu faria diferente, eu cortei do filme. Várias cenas que eu queria fazer diferente, de certa forma, refiz diferente. Eu até chego a aparecer no filme, em uma cena de entrada no Maracanã, e tive até que dublar nela porque tinha feito uma entrada de outro jeito. Eu fui consertando tudo o que estava me incomodando, tanto que tem muita cena que eu filmei que não entrou. Os diretores têm muito apego com o que gravam, e eu tenho também, mas fui aparando as arestas.

NP: Foi sua estreia na direção de um longa e você foi aplaudido de pé. Já viu que deu certo… (risos). Já tem algum projeto pela frente?

LD: No começo, eu cheguei a achar que as pessoas estavam levantando para ir embora antes do filme acabar (risos). Bom, eu sou editor há muito tempo; é como trabalho para pagar as contas. Fiz faculdade de Cinema e lá fazia tudo: ajudava no roteiro, editava, filmava… Mas, em algum momento, eu editei “Partida de Futebol” do Skank, ganhei prêmio e a partir daí só fui chamado para ser editor. De vez em quando, até me chamavam para dirigir um institucional aqui e outro ali; mas, para dirigir algo legal, eu tive que me produzir. Tenho projetos próprios, um roteiro já cadastrado em edital, mas não sei se alguém vai me chamar para ser diretor.

Em Simonal, gosto de falar que foi um trabalho muito de equipe. Meu mérito foi o de ouvir e aceitar muito a contribuição de todas as pessoas. Meu dirigir foi “não me intrometer no que os outros estão fazendo”. Talvez, minha maior contribuição tenha sido na montagem mesmo.

NP: Você se inspirou em algum diretor para fazer o filme?

LD: Talvez eu tenha me inspirado mais no Simonal e nas biografias do que em um diretor específico. Tem a do Ray Charles, que eu adoro, é uma referência para o filme. Filmes do Scorsese, como Bons Companheiros, para ajudar nos planos-sequência…. Mas eu diria que, mais que em diretores, me inspirei nas biografias, até para me ajudar a fazer o recorte temporal.

NP: Para terminar, deixe uma mensagem para os leitores do CinePOP assistirem ao seu filme:

LD: Eu acho que é um filme de um artista importante de ser resgatado. Muitas pessoas nem sabem quem é Simonal, mas se descobrem conhecedoras das músicas. É um filme que tem esse pano de fundo de uma época e que está sendo muito rediscutido agora. Fala muito sobre essa divisão de direita e esquerda; cultura, não-cultura… Além de discutir muito sobre questão racial, que hoje em dia também está bem debatida. É um filme que fala de um momento do nosso passado com pinceladas atuais.

Para quem não quiser esperar até a estreia em setembro de 2019, ainda dá para assistir no Festival do Rio amanhã.

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Não era para menos. Apesar da longa experiência como editor de filmes, era sua noite de estreia na direção do longa que conta a história de ninguém menos que Simonal, cantor de sucesso da década de 60, que foi do auge ao fundo do poço ao ser acusado de ser um delator durante o período da ditadura militar no país. Mas, ao final dos 105 minutos do filme, se ainda restava algum nervosismo em Leonardo, este deve ter ido embora imediatamente – afinal, mostrando que realmente aprovou o que foi visto, a plateia aplaudiu de pé a produção. Merecidamente.

Aqui no CinePOP, eu, Nívia Passos, tive o prazer de bater um papo com o diretor um dia depois do evento para saber como foi o processo de realização do filme, suas referências cinematográficas, a relação do contexto da época de Simonal com o atual cenário político do Brasil, e muito mais. Vem conferir!

Nívia Passos: Primeiramente, queria te parabenizar pelo filme. Fiquei muito satisfeita com o que vi e deu para perceber que a plateia também. Bom, para começar: O que despertou seu interesse em contar a história de Simonal nos cinemas?

Leonardo Domingues: Muito obrigado!

Eu já conhecia o Simonal como cantor na minha infância, e sabia sobre essa história com a ditadura que nunca tinha sido esclarecida. Mas foi quando trabalhei como editor no documentário Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei, de 2009, que fui conhecer mais a fundo e pensei “Caramba, que história incrível!”. Então foi meio como somar “1+1 = 2”: como gostava da música e da história, por que não fazer? O público de um documentário é mais restrito, e eu queria levar essa história para a ficção, para um público maior, porque Simonal foi um personagem marcante.

NP: E como foi a busca pelas informações para reconstituir a história? Qual foi sua maior fonte?

LD: Tinha todo o material bruto do documentário, onde trabalhei como editor. Também li a biografia do Ricardo Alexandre, “Nem Vem que não Tem”, e o livro do Gustavo Alonso, que foi feito para uma tese de mestrado da Universidade Federal Fluminense. Além disso, também tinham matérias de jornal, teve o musical, e eu procurava conversar sempre com o Ricardo e com a família. Enfim, o que tinha em volta eu ia lendo e pesquisando.

NP: A escolha de Ísis Valverde para interpretar Tereza, a mulher de Simonal, e ser o par romântico de Fabrício Boliveira tem algo a ver com o bom resultado dos dois em cena em Faroeste Caboclo?

LD: Teve mais a ver com o fato da Ísis ser uma grande atriz. Inicialmente eu não havia pensado nessa possibilidade pelo fato da Tereza ser loira, mas depois veio essa ideia por ela ser uma ótima atriz. Só depois fui pensar nos dois em Faroeste Caboclo. O Sergio Pena, que foi preparador de elenco, até me perguntou se eu achava que ia ser ruim repetir essa dobradinha porque as pessoas logo podiam associar os dois ao primeiro filme. Mas eu não vi problema porque acho que eles contracenam bem juntos e porque, em 5 minutos de Simonal, já daria para esquecer esses outros personagens. Mas a escolha não foi pelo filme… Foi pelo fato da Ísis ser uma atriz maravilhosa. Ela brilha em cena, tem um estudo de personagem e se dedica.

NP: E por falar em escolha, queria aproveitar para apontar que o Fabrício Boliveira ficou incrível como Simonal. Ele realmente capturou os trejeitos do personagem, modo de falar, dançar… Você chegou a cogitar outro ator?

LD: A primeira pessoa que eu pensei foi realmente o Fabrício Boliveira. Eu editei o filme Nise – O Coração da Loucura, em que ele fez o personagem Fernando Diniz, e no material bruto pude ter a certeza de que ele realmente era bom. Às vezes, com a edição, você consegue disfarçar uma atuação ruim, mas eu vi que esse não era o caso dele. Eu já estava pensando no Simonal nessa época, então o nome dele logo me veio à cabeça. Até cheguei a cogitar outros, mas o Fabricio foi o primeiro que vi e mantive. Eu acho que ele tem o mesmo carisma e brilho no olhar que o Simonal. Nas filmagens, ele subia no palco, ficava no microfone na mão pedindo animação… Tinha esse mesmo espírito. 

Ele não canta no filme. Não quisemos arriscar porque a voz do Simonal é única, fomos no certo. Mas ele teve uma preparação musical para cantar de verdade durante a gravação. O Felipe Abílio, que foi o mesmo preparador vocal da Andrea Horta em Elis, dizia que era importante que o ator emitisse o som da voz também. Então Fabrício chegou a ter aula de canto para cantar mesmo – mas aí, na hora da gravação, tinha esse playback.

NP: Em um tempo onde a memória da ditadura parece ter sido esquecida por alguns brasileiros, seu filme vem como um modo de mostrar como era esse período, por mais que não foque só nisso. Quando você começou a gravar o filme, provavelmente não esperou que ele fosse acabar sendo tão atual, certo? Agora, com tudo isso, você tem um novo olhar sobre ele?

LD: É curioso isso. Quando eu pensei no filme, em 2010, logo depois do documentário, era outro Brasil, o auge da Era Lula. O filme seria sobre a história do cantor negro, pobre, que ascendeu, fez sucesso e tinha esse pano de fundo da ditadura, mas em nenhum momento pensei que essa discussão estaria em pauta. Uma dificuldade que eu tinha, inclusive, era mostrar para os jovens como era ruim ser um delator naquela época, um “dedo duro”, porque é algo que tem uma conotação diferente desde 2014, com essa história da “delação premiada”, por exemplo. Até que o tempo foi passando, o filme foi se tornando mais atual e chegamos nesse momento das eleições, onde se fala de tudo isso de novo.

Mas, assim, ele está atual agora, nesse momento. Não sei se vai estar assim em setembro de 2019, quando for a estreia nos cinemas. Talvez, até lá, as pessoas já não falem tanto sobre isso.

NP: Outro ponto positivo do filme é tocar nas feridas de uma sociedade racista – como no momento em que Simonal fala que um “preto favelado entre eles era demais”, e quando dizem no DOPS que racismo era coisa de americano. Isso tudo é ótimo, porque cinema é mesmo para gerar debate e fazer denúncia. Como você se sente exercendo esse papel?

LD: Eu acho que fui na onda do que o documentário tinha falado. Eu tentei dar força, dar voz a isso; mostrar que um dos motivos para tudo ter acontecido era o fato do Simonal incomodar por ser um negro naquela posição. No filme, até cito o exemplo da Elis Regina. Sei que são casos diferentes, mas têm uma certa semelhança. Talvez, se Simonal fosse branco, não tivesse acontecido tudo isso.
Essa discussão racial também está muito latente agora, e fazia parte do meu papel no filme contar isso também. Mostrar que estamos em uma sociedade que vive algo que nos anos 60 e 70 já era discutido.

NP: Qual seria sua cena favorita do filme?

LD: São várias, mas vou falar os dois planos-sequência do filme porque foram muito trabalhosos de fazer. A gente demorou muito tempo só para fazer aquele primeiro plano, e foi um dia muito especial porque toda a equipe ficou muito focada para conseguir fazer. A atriz Mariana Lima chegou a machucar o pé no primeiro ensaio! Chamamos médico e tudo, mas ela continuou querendo filmar e fez os takes todos com o pé quebrado. Mas foi tudo dando certo, certo… E a equipe toda quis ficar até conseguir o plano completo.

Mas o meu favorito é o plano-sequência do meio. Apesar de ser menor, tem um paralelo importante para a narrativa: Simonal deixa o público cantando, sai para ir no bar e quando ele volta é aquela apoteose, todos ali cantando juntos. É um plano que eu tinha imaginado desde o início porque é narrado no documentário. Ficou no meu imaginário com Chico Anísio e Ziraldo contando, e eu pensei “tenho que filmar esse negócio” e decidi o plano-sequência.

NP: Aproveitando o gancho de cenas favoritas, queria aproveitar para elogiar a cena final. Ela consegue ser feliz e melancólica ao mesmo tempo ao mostrar Simonal cantando para uma plateia vazia…

LD: Obrigado. Foi difícil imaginar um final para o filme, porque o documentário vai até a morte dele. É um final para cima, com Chico Anísio falando que ele foi para o céu. Aí eu fiquei pensando “como vou terminar isso? Quero que as pessoas saiam para cima”. Na verdade, eu filmei vários finais para decidir na montagem (risos). E achei que esse foi uma boa solução porque ele entra no palco de uma forma feliz, sorrindo, quando a cena revela que ele está cantando em um teatro vazio. Ele canta Sá Marina alegre e feliz, mas para ninguém. Mostra que o que ele queria era cantar, ainda que fosse para apenas um.

NP: Hoje, depois de ter revisto tudo na estreia, faria algo diferente no filme?

LDTudo que eu faria diferente, eu cortei do filme. Várias cenas que eu queria fazer diferente, de certa forma, refiz diferente. Eu até chego a aparecer no filme, em uma cena de entrada no Maracanã, e tive até que dublar nela porque tinha feito uma entrada de outro jeito. Eu fui consertando tudo o que estava me incomodando, tanto que tem muita cena que eu filmei que não entrou. Os diretores têm muito apego com o que gravam, e eu tenho também, mas fui aparando as arestas.

NP: Foi sua estreia na direção de um longa e você foi aplaudido de pé. Já viu que deu certo… (risos). Já tem algum projeto pela frente?

LD: No começo, eu cheguei a achar que as pessoas estavam levantando para ir embora antes do filme acabar (risos). Bom, eu sou editor há muito tempo; é como trabalho para pagar as contas. Fiz faculdade de Cinema e lá fazia tudo: ajudava no roteiro, editava, filmava… Mas, em algum momento, eu editei “Partida de Futebol” do Skank, ganhei prêmio e a partir daí só fui chamado para ser editor. De vez em quando, até me chamavam para dirigir um institucional aqui e outro ali; mas, para dirigir algo legal, eu tive que me produzir. Tenho projetos próprios, um roteiro já cadastrado em edital, mas não sei se alguém vai me chamar para ser diretor.

Em Simonal, gosto de falar que foi um trabalho muito de equipe. Meu mérito foi o de ouvir e aceitar muito a contribuição de todas as pessoas. Meu dirigir foi “não me intrometer no que os outros estão fazendo”. Talvez, minha maior contribuição tenha sido na montagem mesmo.

NP: Você se inspirou em algum diretor para fazer o filme?

LD: Talvez eu tenha me inspirado mais no Simonal e nas biografias do que em um diretor específico. Tem a do Ray Charles, que eu adoro, é uma referência para o filme. Filmes do Scorsese, como Bons Companheiros, para ajudar nos planos-sequência…. Mas eu diria que, mais que em diretores, me inspirei nas biografias, até para me ajudar a fazer o recorte temporal.

NP: Para terminar, deixe uma mensagem para os leitores do CinePOP assistirem ao seu filme:

LD: Eu acho que é um filme de um artista importante de ser resgatado. Muitas pessoas nem sabem quem é Simonal, mas se descobrem conhecedoras das músicas. É um filme que tem esse pano de fundo de uma época e que está sendo muito rediscutido agora. Fala muito sobre essa divisão de direita e esquerda; cultura, não-cultura… Além de discutir muito sobre questão racial, que hoje em dia também está bem debatida. É um filme que fala de um momento do nosso passado com pinceladas atuais.

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