Muitos filmes vem emocionando o público nessa segunda edição do Bonito CineSur mas o longa-metragem documental Invisível, dirigido por Carolina Vilela e Rodrigo Hinrichsen, toca nossos corações de uma forma que confesso, não sei explicar. Rodado em apenas quatro diárias, o projeto apresenta o cotidiano de um casal de surdocegos, que estão casados há uma década e meia.
Após assistirmos ao filme em uma sessão no Cine Bonito, que contou com um público que abraçou toda a poderosa mensagem contida na obra, tivemos a oportunidade de conversar com os grandes protagonistas do projeto: o casal Claudia Sofia e Carlos Jorge, que teve a tradução em Libras do intérprete Marcos Fábio Almeida dos Santos. Participou também uma das diretoras do filme, Carolina Vilela:
Como está sendo para vocês estarem aqui nessa segunda edição do Bonito CineSur?
Claudia Sofia: “Está sendo uma aventura. A princípio estivemos em Recife, exibindo pela primeira vez nosso filme. Vem sendo uma caixinha de surpresas muito grande. Nós não esperávamos que íamos chegar a esse ponto de participar do Bonito CineSur. É uma coisa marcante pra nós. Tudo está sendo uma surpresa. Sem surpresa não tem graça (Risos). Estamos agradecidos por estar aqui. Ontem, na exibição do nosso filme, sentimos que muita gente gostou. A gente está querendo continuar mostrando em outros lugares, incentivando as pessoas a se colocarem no lugar do outro. A gente tem sonhos mas esses vão chegando aos poucos. O Carlos sempre falou de Bonito. Foi um presentão pra nós estarmos aqui.”
Carlos Jorge: “Eu tive curiosidade e interesse de vir aqui em Bonito mostrar o filme ao público. Quem assistiu disse pra gente que é importante fazermos esse filme, que é possível ter a sua autonomia de viver livre. Estamos aqui para mostrar que somos simples, iguais a todo mundo. Agora todos podem ter a capacidade de conhecer nós dois, a nossa história, e estar junto da gente.”
Carolina Vilela: “Acho que eles responderam bem. É exatamente uma aventura. Fazer um filme no Brasil é uma aventura pois nem sempre temos as condições ideais pra realizar um trabalho. Esse filme foi feito entre 2019 e 2021, foram anos muito difíceis para todos. Um período de descaso com a cultura e anos de pandemia também. Estar aqui agora e poder frequentar esse festival, além de uma aventura é uma grande oportunidade que nós temos exatamente de mostrar quem são essas pessoas, também uma oportunidade de quem tá aqui vendo os filmes e acompanhando toda a programação do festival conhecer uma realidade que é tão diferente mas que tá aí presente no nosso cotidiano. A população de surdoscegos no Brasil é de cerca de meio milhão de pessoas no nosso país. Não é pouca gente, são pessoas que estão invisibilizadas no nosso mundo. Fico feliz de estar participando de festivais pois estou percebendo nas organizações uma preocupação com a acessibilidade. O país ainda está engatinhando nessa questão mas percebo uma real disponibilidade de quem faz cinema, quem organiza festivais, isso é bonito de perceber.”
2) Como você chegou até esse projeto? Quais os maiores desafios enfrentados?
Carolina Vilela: “Em 2013 fui trabalhar para um canal de televisão para surdos, a TV INES, que ficava no RJ. Um canal público da web que tinha apoio do Ministério da Educação. Eu já trabalhava com audiovisual, já dirigia e quando fui trabalhar lá, como era um canal dedicado ao público surdo, a programação era toda em libras. Pela primeira vez precisei lidar com profissionais surdos. Apenas cinco países tinham canais para o público surdo, o Brasil foi realmente pioneiro nessa empreitada. No início foi um choque de comunicação, eu não falava nada de libras e os surdos que trabalhavam com a gente não tinham nenhuma experiência em fazer tv mas foi muito bom, ao longo dos anos fomos aprendendo a fazer televisão, fomos vendo que era possível e essa questão do convívio com as diferenças foi se tornando cada vez mais corriqueiro. É mais fácil do que difícil incluir. Assim, cheguei no Carlos e Sofia. Eu comentei com o Rodrigo (o outro diretor do filme), que eu já conhecia de outros trabalhos, e o convidei a estar comigo nesse projeto. Fomos na cara e na coragem. A gente não tinha um centavo, não fomos contemplados em nenhum edital. Alguns amigos toparam nos ajudar, fomos para SP e foram quatro diárias porque não tínhamos dinheiro para mais. A gente pensou conceitualmente o que queríamos fazer mas adaptamos à nossa realidade senão seria impossível fazer o filme. Quando voltamos pro RJ pra editar, enfrentamos mais dificuldades. Foi longo o processo.”
Vocês abriram suas rotinas e a casa de vocês ao público. Qual a principal mensagem transmitida para todos que vão assistir a esse filme?
Claudia Sofia: “Foi a primeira vez que abrimos nossa casa. Continuamos morando no mesmo lugar. Tudo que tá lá continua, menos a tartaruga. A gente leva uma rotina diferente mas os diretores perguntaram se podiam nos filmar, não sabíamos como seria. A gente acabou fazendo o filme, abrimos nossas portas e fomos na cara e na coragem. Falei pro Carlos: “Seja o que Deus quiser!” Como mensagem, esse filme, mostra nossa experiências, nossas barreiras, nossas dificuldades. A gente coloca isso porque tem muitos seres humanos que não se colocam no lugar do outro. Não falo só na questão da acessibilidade. Muitas vezes a sociedade acha que nós que não enxergamos, não ouvimos, não podemos fazer nada, não podemos ter uma vida normal. Mas podemos sim, a partir do momento que temos apoio de pessoas que gostam da gente, que amam a causa. Esse era nosso objetivo, as pessoas se colocarem no lugar dos outros.”
Carlos Jorge: “A nossa história com o filme começou perto do período da pandemia, todo mundo ficou sozinho, se isolou. Não era uma coisa fácil. Graças a Deus voltamos a ter uma rotina normal. E agora estamos tendo a oportunidade de levar nosso filme a esse grande público, é uma satisfação maravilhosa, queremos mostrar ao Brasil nossa realidade.”
O filme vai entrar no circuito exibidor brasileiro? Você tem o sonho de ver seu filme numa telona? Já foi procurada por alguma distribuidora?
Carolina Vilela: “Esse assunto é complexo. A gente que trabalha com audiovisual sabe que tão difícil quanto fazer um filme no nosso país é exibí-lo. Não só nosso filme mas muitas outras produções nacionais que estão engavetadas faz anos porque não tem janela, investimento suficiente, para exibir a quantidade de produções que é feita no Brasil. Nosso filme foi feito sem recurso, sem nenhum incentivo cultural, sem nenhum apoio. Da mesma maneira que para produzir nós temos que fazer com nossos próprios recursos até agora, para distribuição não tivemos nenhum tipo de apoio. Chegamos a procurar algumas distribuidoras, não tivemos muito retorno. Optamos por fazer o caminho que a maioria dos realizadores faz, inscrevemos nos festivais. Buscamos assim ter uma trajetória, aí sim buscar novamente os veículos. Claro que temos o interesse em exibir no circuito, inclusive temos vários amigos que não viram o filme.”