Suzanne Collins não apenas se transformou em uma das autoras mais conhecidas e icônicas da contemporaneidade – com enfoque em seu elogiado trabalho ao criar um dos universos mais respeitados da literatura atual: ‘Jogos Vorazes’. O sucesso crítico e comercial da narrativa levou pouco tempo até ganhar uma elogiada adaptação cinematográfica, trazendo às telonas importantes discussões sobre retaliação, o autoritarismo, a sociedade do espetáculo e a tênue linha que existe entre a barbaridade e a civilidade – e nada disso poderia ter sido feito sem a aplaudível performance de Jennifer Lawrence como a protagonista Katniss Everdeen.
Três anos depois do lançamento do primeiro filme, o diretor Francis Lawrence nos convidou a regressas uma última vez a Panem com a estreia de ‘Jogos Vorazes – A Esperança: O Final’ – o último capítulo da saga que também serviu como releitura da segunda metade do romance. Para aqueles que não se recordam, Lawrence, ao lado da Lionsgate, resolveu dividir o último livro da série em duas partes, seguindo os passos de produções como ‘Harry Potter’ e ‘Crepúsculo’ e tentando explorar mais elementos do cosmos assinado por Collins. É claro que, como explicado na matéria anterior, as coisas não funcionaram como deveriam (principalmente no tocante ao ritmo desbalanceado), mas preparam o terreno para uma sólida conclusão regada a performances de tirar o fôlego e reviravoltas instigantes.
No final de ‘Parte 1’, Katniss se reencontra com Peeta (Josh Hutcherson), que havia sido sequestrado pelo Presidente Snow (Donald Sutherland) e seus asseclas após o Terceiro Massacre Quaternário dos Jogos Vorazes. Ainda que acreditasse que Peeta estaria bem, ele ataca Katniss em virtude das constantes torturas e lavagens cerebrais que sofreu na Capital para enxergá-la como a verdadeira vilã da história, desmoralizar seu estandarte como libertária e rebelde e garantir que Snow recuperasse a lealdade de seus súditos e de seus servos. Todavia, apesar da tentativa de Peeta em matar sua antiga aliada, ela sobrevive, mesmo cheia de ferimentos, e é recrutada pelo Esquadrão Estelar para fazer uma última investida contra o Distrito 2 (o único que permanece submisso às promessas vazias da Capital) a mando de Alma Coin (Julianne Moore).
Como premeditado pelo livro original e pelos materiais promocionais, a ideia por trás da obra era criar o maior Jogos Vorazes de todos – em que a própria cidade é transformada em uma grande arena, impedindo que os rebeldes alcancem seus objetivos e que Snow permaneça seguro de uma retaliação certeira. Logo, não é nenhuma surpresa que sacrifícios sejam feitos no percurso, tirando de cena nomes como Finnick (Sam Claflin) e até mesmo Primrose (Willow Shields). Afinal, a vida de um símbolo de resistência e revolução é vazia e marcada por traumas e perdas – e, no final das contas, há poderes muito maiores contra os quais não se pode lutar sem perder a esperança de que o futuro melhore.
Katniss, no final das contas, é deixada ao lado de um Peeta que ainda não se recuperou por completo da inimaginável agonia pela que passou nas mãos de Snow; acompanhada de uma mãe que já perdeu a razão de existir e se confina no subconsciente de uma mente destruída pelos horrores da guerra; pela perda do melhor amigo, Gale (Liam Hemsworth), que a traiu ao lado de Alma para matar inúmeras crianças da Capital e enfraquecer o poder de Snow; e a perda de Prim, que prometeu proteger desde o momento em que se voluntariou como tributo no 74ª edição dos Jogos. É notável como tudo vai de mal a pior e, quando Katniss percebe que não pediu por nada disso e que seus esforços de ficar do lado certo da história, na verdade, desencadearam uma série de decisões problemáticas e cíclicas, ela decide “cometer uma loucura” e colocar em xeque tudo pelo que batalhou em prol de impedir que uma nova ditadura comece.
Os problemas de ritmo do capítulo anterior retornam – mesmo que não tenham a mesma força em virtude das ótimas sequências de ação que apresentam uma adaptação bem-vinda dos escritos de Collins. E, à medida que caminhamos para o final, percebemos que o tom de melancolia e de resignação são coniventes com um “felizes para sempre” deturpado e que não renega o profundo arco dos personagens – mas os conclui com maestria e com uma sensação de que, apesar das coisas terem dado certo, permanecem causando marcas inescapáveis. E, eventualmente, é essa atmosfera inebriante e controversa que, apesar dos erros, transforma ‘A Esperança – O Final’ em uma resolução bem amarrada e agridoce (no melhor sentido do termo).
Lembrando que o filme está disponível na Netflix e no Prime Video.