sábado , 23 novembro , 2024

Estou Pensando em Acabar com Tudo | Confira bate-papo revelador entre Charlie Kaufman e Iain Reid

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Lançado no início de setembro na Netflix, Estou Pensando em Acabar com Tudo (I’m Thinking of Ending Things) tem levado os espectadores a várias interrogações após assisti-lo. Estrelado por Jesse Plemons (Noite de Jogo) e Jessie Buckley (Wild Rose), o filme apresenta a jornada de um jovem casal em viagem para visitar os pais numa fazenda. O percurso é realizado durante uma tempestade de neve e as situações são bastantes estranhas à primeira vista. 

Como um bom jogo de detetive, a adaptação de Charlie Kaufman para o romance de estreia do canadense Iain Reid, publicado em 2016,  instiga o público a prestar atenção nos detalhes. Após o metalinguístico Adaptação (2002), no qual o cineasta trouxe às telas a história de não-ficção The Orchid Thief, de Susan Orlean, ele volta ao árduo trabalho de dar vida a uma obra literária. 



Conhecido por seus roteiros originais Quero Ser John Malkovich (1999) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), Charlie Kaufman encontrou-se com Iain Reid por meio do Zoom para comentar a estreia do longa na plataforma de streaming. O bate-papo foi mediado e transcrito pelo jornalista Ben Barna para o site Interview Magazine, sob o título de A Aterrorizante Arte da Adaptação, e o CinePOP traz a versão em português na íntegra para vocês. 

Quer saber como esses dois brilhantes autores se encontram para produzir um dos filmes mais impactantes de 2020? Confira abaixo e compartilhe a sua opinião.

Iain Reid: Bem, Charlie, acho que a primeira coisa que lhe pergunto é: você se lembra quando e como encontrou o livro?

Charlie Kaufman: Acho que foi recomendado para mim na Amazon, com base em coisas que comprei ou olhei. Lembro de ter lido a sinopse e me pareceu realmente intrigante e misterioso, meio sonhador, que é o tipo de coisa que eu gosto.

Iain Reid: Então, o algoritmo estava certo neste caso.

Charlie Kaufman: Sim, ele tem acertado bastante na minha vida.

 Iain Reid: Em seguida, você perguntou se os direitos ainda estavam disponíveis?

Charlie Kaufman: Quando encontro algo que eu gosto, eu costumo ligar para o meu agente e pergunto se o livro foi comprado ou se é propriedade de alguém, [Estou Pensando em Acabar com Tudo] não era naquele momento. Continuamos conversando sobre isso e, mais adiante, falei com Anthony Bregman, o qual acabou sendo o produtor, e ele disse que a Netflix estaria interessada. Então, fomos à Netflix e tivemos uma reunião em termos um tanto vagos sobre o que seria o filme, porque eu realmente não sabia. Enfim, eles concordaram em financiá-lo.

Esse livro me atraiu por causa de sua natureza irracional e surreal.

Iain Reid: Você achou o fato de o livro ser curto potencialmente atraente?

Charlie Kaufman: Bem, eu não estava apenas procurando algo para ler. Eu buscava algo que eu pudesse transformar em um filme. Esse livro me atraiu por causa de sua natureza irracional e surreal. Mas, também, era curto. Era contido. [A história] acontecia em um carro e uma casa de fazenda, mais ou menos. Então eu pensei: “Isso não me custaria muito dinheiro”. Naquele momento, eu não estava em posição de conseguir um grande orçamento para nada. Há anos que tento obter um orçamento moderado, mas não tenho tido sucesso. Além disso, gostei que a natureza confinada da história me apresentava um desafio.

Iain Reid: Você quer dizer confinado em relação às configurações ou algo mais interno?

Charlie Kaufman: Ambos. Contudo, o que eu quis dizer especificamente foi que a maior parte acontece dentro de um carro. Em relação ao cinema, isso parece ser pobre. No entanto, este aspecto me atraiu ao desafio de tentar descobrir como torná-lo atraente, porque o livro faz isso com sucesso.

Iain Reid: Então, foi o inerente desafio de quão interno algo pode ser que chamou a sua atenção.

Charlie Kaufman: Está na cabeça de alguém, mas não necessariamente na cabeça que você pensa que está, foi o que me atraiu como conceito.

Iain Reid: Quando cheguei ao local das filmagens pela primeira vez, foi assustadora a semelhança entre o espaço e o que eu tinha em mente quando estava escrevendo o livro.

Charlie Kaufman:  Fico feliz em ouvir isso. Foi difícil encontrarmos esse lugar. Nossa intenção era construir uma casa de fazenda, porém não podíamos pagar. O pensamento era: “temos que encontrar um lugar e de alguma forma decorá-lo”. Esse era o nosso orçamento. Assim, surgiu a ideia dos papéis de parede variados, as incompatibilidades, entre outras coisas. Tentávamos criar ambientes diferentes em um espaço muito pequeno. Se fôssemos construir uma casa de fazenda, poderíamos construí-la tão grande quanto quiséssemos e fazê-la parecer tão pequena quanto quiséssemos. A intenção era fazer com que parecesse diferente na memória do que na realidade. Queríamos que fosse muito vazio e solitário, mas muito exuberante na memória, da mesma maneira quando você se lembra de algo da sua infância, você se lembra de cada detalhe.

Iain Reid: Até mesmo a cor. 

Charlie Kaufman:  A cor, tudo. Você o estuda e o conhece, é o seu mundo. No entanto, conforme você envelhece, pelo menos para mim, não tenho mais a mesma relação com os lugares em que moro. Eu não os conheço tão bem. Embora eu tenha vivido em alguns desses lugares por muito mais tempo do que na minha casa de infância. Quando criança, eu conhecia as manchas no tapete.

Iain Reid: Quando cheguei no set, meu sentimento foi: “Eu simplesmente não quero atrapalhar ninguém.” […] Acho que foi minha primeira vez em um set de filmagem, e o que realmente me lembro é de quantas pessoas estão lá, a quantidade de colaboradores e o número de tarefas que existem, desde o pessoal do som até as pessoas que fazem comida e os atores… A grande lição foi notar como é diferente de escrever um romance, o que você também sabe como é. Quando começamos a nos falar, estávamos enviando um monte de sugestão de elenco. Lembro-me de enviar a você atores diferentes, e de você me enviar uma variedade de pessoas, tanto pessoas de quem eu tinha ouvido falar, quanto pessoas de quem nunca tinha ouvido falar.

Charlie Kaufman: Todos estavam no nosso mapa, especificamente para o papel da jovem namorada. Olhamos atrizes de diferentes países, questionamos se ela poderia ou não ser alemã, porque não havia nenhuma atriz alemã que gostássemos para o papel. Foi divertido. 

Iain Reid: Foi muito divertido. Para mim, é quase como quando você está começando um romance, mas ainda não tomou forma. Você ainda não sabe o que vai acontecer. Acho que você e eu somos muito semelhantes na maneira como trabalhamos, no sentido de que não planejamos as coisas de antemão, o que eu acho raro.

Charlie Kaufman: Quando pensamos em uma pessoa de uma origem diferente, isso contribuiria para a história, porque no final das contas ele não a conhecia. Em sua mente, ela poderia ter um sotaque.

Iain Reid: Exatamente. 

Charlie Kaufman: Acho que até discutimos como seria legal se em algumas variações ela tivesse sotaque e depois não. Isso leva a outras possibilidades, o que é sempre divertido.

Ben Barna: Que tipo de conteúdo vocês têm consumido na quarentena?

Iain Reid: Bem, uma coisa que li foi o livro de Charlie [Antkind, lançado dia 7 de julho de 2020 nos EUA, com 720 páginas]. Eu realmente gostei. Eu estava ansioso para lê-lo porque eu sabia que ele estava trabalhando no livro há um tempo. Adoro encontrar livros longos, mas sinto que não existem tantos como antes. Tenho ouvido muita música, mas só porque tenho feito caminhadas. Não há muitas mais a fazer do que me exercitar, então tenho caminhado quase todos os dias. Tenho ouvido a banda Metz, da qual um amigo faz parte. […] Eu não tenho assistido nada recentemente. Eu sei que muitas pessoas têm visto vários filmes e séries durante a pandemia e os entendo. Enfim, isso não é muito interessante, mas também tenho sentado e observado os pássaros, além de plantar no meu jardim. E você, Charlie?

Charlie Kaufman: Estou lendo um pouco, mas estou tendo dificuldade para me concentrar. Eu também caminho, mas não ouço música enquanto caminho porque eu uso o meu tempo enquanto vou andando para o trabalho.

Iain Reid: Você realmente toma notas ou apenas pensa enquanto caminha?

Charlie Kaufman: Eu faço ambos. Tenho um caderno comigo e penso, porque minha memória não é boa o suficiente para que eu me lembre no que estava pensando, portanto, faço anotações copiosamente. O que mais? Eu tenho alguns trabalhos que estou fazendo.

Iain Reid: E você está em Nova York agora, certo?

Charlie Kaufman: Estou em Nova York.

Ben Barna: Como você acha que está a cidade e quais as suas perspectivas à medida que a pandemia avança?

Charlie Kaufman: Não sei qual é a resposta ou o que vai acontecer, mas acho que é possível que a cidade volte a ser o que deveria ser há muito tempo, um lugar onde as pessoas podem pagar para viver e trabalhar. Ou seja, um local onde não há apenas pessoas ricas comprando tudo e deixando os outros no frio. Se os ricos estão saindo, o que parece ser o caso, e as grandes franquias estão abrindo, o que parece ser verdade, isso pode e vai causar uma espécie de devastação no início, mas talvez a cidade passe a ser um lugar mais vibrante e menos corporativo. Estou esperando. Acho que essa seria a melhor versão do que pode acontecer.

Ben Barna: O que você acha do seu filme ser lançado diretamente na Netflix e o público perder a oportunidade de vê-lo no cinema? Você fica louco de pensar que algumas pessoas inevitavelmente assistirão ao filme em seus telefones, em várias partes?

Charlie Kaufman: O que você acabou de descrever não é o ideal. Eu gostaria que eles assistissem em uma tela de TV maior e espero que eles assistam até o fim. Antes da pandemia, a Netflix faria um lançamento nos cinemas, mas obviamente não pode, o que é completamente compreensível. Gosto do fato de que vai ser visto por mais pessoas em teoria do que se fosse um lançamento nos cinemas e duas semanas depois saísse de cartaz, o que era a minha expectativa. Então é isso. Estará na Netflix provavelmente para sempre e estará disponível para milhões e milhões de pessoas imediatamente. Então, essa é uma nova experiência para mim. O filme foi lindamente rodado por Lukasz Zal, então, obviamente, o ideal é estar em uma tela maior do que a de um Apple Watch [Relógio da Apple].

Um benefício da Netflix é a possibilidade das pessoas assistirem novamente. Se você estiver curioso, ainda estiver pensando sobre o assunto ou tiver dúvidas, poderá assistir novamente quase imediatamente ou quantas vezes quiser.

Iain Reid: Um benefício da Netflix é a possibilidade das pessoas assistirem novamente. Se você estiver curioso, ainda estiver pensando sobre o assunto ou tiver dúvidas, poderá assistir novamente quase imediatamente ou quantas vezes quiser. Eu esperava a mesma coisa com o livro, que você pudesse lê-lo duas vezes e seria muito diferente nas duas.

Charlie Kaufman: Eu concordo. 

Ben Barna: Como a escolha de Jesse Plemons e Jessie Buckley combinou com a maneira como vocês dois imaginaram seus personagens quando estavam escrevendo o romance e o roteiro, respectivamente? 

Iain Reid: Eu diria que eles absolutamente revelaram novos elementos aos personagens. Isso é algo que eu experimentei pela primeira vez quando o romance começou a se transformar no roteiro de Charlie, e transformou-se novamente quando os atores estavam envolvidos. Não pude acreditar na minha sorte quando vi o elenco. Após vê-los pessoalmente durante as filmagens e depois o produto final, fiquei maravilhado. O trabalho deles é surpreendente e, claro, me fez ver os personagens do livro de maneira diferente.

Charlie Kaufman: Quando você pensa sobre o livro agora, você imagina os personagens como os imaginou quando o estava escrevendo ou como eles aparecem no filme?

Iain Reid: Não reli o livro porque sempre tenho dificuldade em reler algo que escrevi depois de um tempo. Porém a pergunta é interessante. Eu realmente não tenho uma imagem particular dos personagens na cabeça quando estou escrevendo.

Charlie Kaufman: Você tinha questões físicas? Altura e esse tipo de coisa?

Iain Reid: No livro, realmente não há muita descrição física. Para você, como eu, o mundo interno é mais interessante, então eu realmente não tinha uma visão definida para nenhum dos personagens. O que está no livro é realmente tudo que eu tinha. Eu tinha Jake como sendo um pouco mais alto e meio desengonçado, já sua namorada sendo um pouco mais baixa. Portanto, as pessoas ao lerem podem fazer suas próprias descrições. Há algo sobre Jessie [Buckley] e Jesse [Plemons] juntos, a química é realmente incrível. Acho que as pessoas vão realmente apreciar isso quando assistirem.

Charlie Kaufman: A razão pela qual fiz essa pergunta é porque, quando penso nos roteiros originais que escrevi, as pessoas indagam: “Você pensou em Jim Carrey e Kate Winslet quando escreveu Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças?” E a resposta é obviamente não, porque eles não foram escalados naquele momento, mas é quem eu imagino como Joel e Clementine agora. Eu realmente não consigo me lembrar como eu os imaginei de antemão. Se eu me esforçasse, poderia voltar a isso e perceber: “ok, essa pessoa foi baseada nesta pessoa.” Mas eu não imagino mais essas pessoas.

Iain Reid: Eu acho que o único que você imaginou antes foi John Malkovich quando você estava escrevendo Quero Ser John Malkovich.

Charlie Kaufman: Na verdade, imaginei Craig [interpretado por John Cusack em Quero Ser John Malkovich] como alguém muito pequeno. Eu imaginei alguém como eu.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Lançado no início de setembro na Netflix, Estou Pensando em Acabar com Tudo (I’m Thinking of Ending Things) tem levado os espectadores a várias interrogações após assisti-lo. Estrelado por Jesse Plemons (Noite de Jogo) e Jessie Buckley (Wild Rose), o filme apresenta a jornada de um jovem casal em viagem para visitar os pais numa fazenda. O percurso é realizado durante uma tempestade de neve e as situações são bastantes estranhas à primeira vista. 

Como um bom jogo de detetive, a adaptação de Charlie Kaufman para o romance de estreia do canadense Iain Reid, publicado em 2016,  instiga o público a prestar atenção nos detalhes. Após o metalinguístico Adaptação (2002), no qual o cineasta trouxe às telas a história de não-ficção The Orchid Thief, de Susan Orlean, ele volta ao árduo trabalho de dar vida a uma obra literária. 

Conhecido por seus roteiros originais Quero Ser John Malkovich (1999) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), Charlie Kaufman encontrou-se com Iain Reid por meio do Zoom para comentar a estreia do longa na plataforma de streaming. O bate-papo foi mediado e transcrito pelo jornalista Ben Barna para o site Interview Magazine, sob o título de A Aterrorizante Arte da Adaptação, e o CinePOP traz a versão em português na íntegra para vocês. 

Quer saber como esses dois brilhantes autores se encontram para produzir um dos filmes mais impactantes de 2020? Confira abaixo e compartilhe a sua opinião.

Iain Reid: Bem, Charlie, acho que a primeira coisa que lhe pergunto é: você se lembra quando e como encontrou o livro?

Charlie Kaufman: Acho que foi recomendado para mim na Amazon, com base em coisas que comprei ou olhei. Lembro de ter lido a sinopse e me pareceu realmente intrigante e misterioso, meio sonhador, que é o tipo de coisa que eu gosto.

Iain Reid: Então, o algoritmo estava certo neste caso.

Charlie Kaufman: Sim, ele tem acertado bastante na minha vida.

 Iain Reid: Em seguida, você perguntou se os direitos ainda estavam disponíveis?

Charlie Kaufman: Quando encontro algo que eu gosto, eu costumo ligar para o meu agente e pergunto se o livro foi comprado ou se é propriedade de alguém, [Estou Pensando em Acabar com Tudo] não era naquele momento. Continuamos conversando sobre isso e, mais adiante, falei com Anthony Bregman, o qual acabou sendo o produtor, e ele disse que a Netflix estaria interessada. Então, fomos à Netflix e tivemos uma reunião em termos um tanto vagos sobre o que seria o filme, porque eu realmente não sabia. Enfim, eles concordaram em financiá-lo.

Esse livro me atraiu por causa de sua natureza irracional e surreal.

Iain Reid: Você achou o fato de o livro ser curto potencialmente atraente?

Charlie Kaufman: Bem, eu não estava apenas procurando algo para ler. Eu buscava algo que eu pudesse transformar em um filme. Esse livro me atraiu por causa de sua natureza irracional e surreal. Mas, também, era curto. Era contido. [A história] acontecia em um carro e uma casa de fazenda, mais ou menos. Então eu pensei: “Isso não me custaria muito dinheiro”. Naquele momento, eu não estava em posição de conseguir um grande orçamento para nada. Há anos que tento obter um orçamento moderado, mas não tenho tido sucesso. Além disso, gostei que a natureza confinada da história me apresentava um desafio.

Iain Reid: Você quer dizer confinado em relação às configurações ou algo mais interno?

Charlie Kaufman: Ambos. Contudo, o que eu quis dizer especificamente foi que a maior parte acontece dentro de um carro. Em relação ao cinema, isso parece ser pobre. No entanto, este aspecto me atraiu ao desafio de tentar descobrir como torná-lo atraente, porque o livro faz isso com sucesso.

Iain Reid: Então, foi o inerente desafio de quão interno algo pode ser que chamou a sua atenção.

Charlie Kaufman: Está na cabeça de alguém, mas não necessariamente na cabeça que você pensa que está, foi o que me atraiu como conceito.

Iain Reid: Quando cheguei ao local das filmagens pela primeira vez, foi assustadora a semelhança entre o espaço e o que eu tinha em mente quando estava escrevendo o livro.

Charlie Kaufman:  Fico feliz em ouvir isso. Foi difícil encontrarmos esse lugar. Nossa intenção era construir uma casa de fazenda, porém não podíamos pagar. O pensamento era: “temos que encontrar um lugar e de alguma forma decorá-lo”. Esse era o nosso orçamento. Assim, surgiu a ideia dos papéis de parede variados, as incompatibilidades, entre outras coisas. Tentávamos criar ambientes diferentes em um espaço muito pequeno. Se fôssemos construir uma casa de fazenda, poderíamos construí-la tão grande quanto quiséssemos e fazê-la parecer tão pequena quanto quiséssemos. A intenção era fazer com que parecesse diferente na memória do que na realidade. Queríamos que fosse muito vazio e solitário, mas muito exuberante na memória, da mesma maneira quando você se lembra de algo da sua infância, você se lembra de cada detalhe.

Iain Reid: Até mesmo a cor. 

Charlie Kaufman:  A cor, tudo. Você o estuda e o conhece, é o seu mundo. No entanto, conforme você envelhece, pelo menos para mim, não tenho mais a mesma relação com os lugares em que moro. Eu não os conheço tão bem. Embora eu tenha vivido em alguns desses lugares por muito mais tempo do que na minha casa de infância. Quando criança, eu conhecia as manchas no tapete.

Iain Reid: Quando cheguei no set, meu sentimento foi: “Eu simplesmente não quero atrapalhar ninguém.” […] Acho que foi minha primeira vez em um set de filmagem, e o que realmente me lembro é de quantas pessoas estão lá, a quantidade de colaboradores e o número de tarefas que existem, desde o pessoal do som até as pessoas que fazem comida e os atores… A grande lição foi notar como é diferente de escrever um romance, o que você também sabe como é. Quando começamos a nos falar, estávamos enviando um monte de sugestão de elenco. Lembro-me de enviar a você atores diferentes, e de você me enviar uma variedade de pessoas, tanto pessoas de quem eu tinha ouvido falar, quanto pessoas de quem nunca tinha ouvido falar.

Charlie Kaufman: Todos estavam no nosso mapa, especificamente para o papel da jovem namorada. Olhamos atrizes de diferentes países, questionamos se ela poderia ou não ser alemã, porque não havia nenhuma atriz alemã que gostássemos para o papel. Foi divertido. 

Iain Reid: Foi muito divertido. Para mim, é quase como quando você está começando um romance, mas ainda não tomou forma. Você ainda não sabe o que vai acontecer. Acho que você e eu somos muito semelhantes na maneira como trabalhamos, no sentido de que não planejamos as coisas de antemão, o que eu acho raro.

Charlie Kaufman: Quando pensamos em uma pessoa de uma origem diferente, isso contribuiria para a história, porque no final das contas ele não a conhecia. Em sua mente, ela poderia ter um sotaque.

Iain Reid: Exatamente. 

Charlie Kaufman: Acho que até discutimos como seria legal se em algumas variações ela tivesse sotaque e depois não. Isso leva a outras possibilidades, o que é sempre divertido.

Ben Barna: Que tipo de conteúdo vocês têm consumido na quarentena?

Iain Reid: Bem, uma coisa que li foi o livro de Charlie [Antkind, lançado dia 7 de julho de 2020 nos EUA, com 720 páginas]. Eu realmente gostei. Eu estava ansioso para lê-lo porque eu sabia que ele estava trabalhando no livro há um tempo. Adoro encontrar livros longos, mas sinto que não existem tantos como antes. Tenho ouvido muita música, mas só porque tenho feito caminhadas. Não há muitas mais a fazer do que me exercitar, então tenho caminhado quase todos os dias. Tenho ouvido a banda Metz, da qual um amigo faz parte. […] Eu não tenho assistido nada recentemente. Eu sei que muitas pessoas têm visto vários filmes e séries durante a pandemia e os entendo. Enfim, isso não é muito interessante, mas também tenho sentado e observado os pássaros, além de plantar no meu jardim. E você, Charlie?

Charlie Kaufman: Estou lendo um pouco, mas estou tendo dificuldade para me concentrar. Eu também caminho, mas não ouço música enquanto caminho porque eu uso o meu tempo enquanto vou andando para o trabalho.

Iain Reid: Você realmente toma notas ou apenas pensa enquanto caminha?

Charlie Kaufman: Eu faço ambos. Tenho um caderno comigo e penso, porque minha memória não é boa o suficiente para que eu me lembre no que estava pensando, portanto, faço anotações copiosamente. O que mais? Eu tenho alguns trabalhos que estou fazendo.

Iain Reid: E você está em Nova York agora, certo?

Charlie Kaufman: Estou em Nova York.

Ben Barna: Como você acha que está a cidade e quais as suas perspectivas à medida que a pandemia avança?

Charlie Kaufman: Não sei qual é a resposta ou o que vai acontecer, mas acho que é possível que a cidade volte a ser o que deveria ser há muito tempo, um lugar onde as pessoas podem pagar para viver e trabalhar. Ou seja, um local onde não há apenas pessoas ricas comprando tudo e deixando os outros no frio. Se os ricos estão saindo, o que parece ser o caso, e as grandes franquias estão abrindo, o que parece ser verdade, isso pode e vai causar uma espécie de devastação no início, mas talvez a cidade passe a ser um lugar mais vibrante e menos corporativo. Estou esperando. Acho que essa seria a melhor versão do que pode acontecer.

Ben Barna: O que você acha do seu filme ser lançado diretamente na Netflix e o público perder a oportunidade de vê-lo no cinema? Você fica louco de pensar que algumas pessoas inevitavelmente assistirão ao filme em seus telefones, em várias partes?

Charlie Kaufman: O que você acabou de descrever não é o ideal. Eu gostaria que eles assistissem em uma tela de TV maior e espero que eles assistam até o fim. Antes da pandemia, a Netflix faria um lançamento nos cinemas, mas obviamente não pode, o que é completamente compreensível. Gosto do fato de que vai ser visto por mais pessoas em teoria do que se fosse um lançamento nos cinemas e duas semanas depois saísse de cartaz, o que era a minha expectativa. Então é isso. Estará na Netflix provavelmente para sempre e estará disponível para milhões e milhões de pessoas imediatamente. Então, essa é uma nova experiência para mim. O filme foi lindamente rodado por Lukasz Zal, então, obviamente, o ideal é estar em uma tela maior do que a de um Apple Watch [Relógio da Apple].

Um benefício da Netflix é a possibilidade das pessoas assistirem novamente. Se você estiver curioso, ainda estiver pensando sobre o assunto ou tiver dúvidas, poderá assistir novamente quase imediatamente ou quantas vezes quiser.

Iain Reid: Um benefício da Netflix é a possibilidade das pessoas assistirem novamente. Se você estiver curioso, ainda estiver pensando sobre o assunto ou tiver dúvidas, poderá assistir novamente quase imediatamente ou quantas vezes quiser. Eu esperava a mesma coisa com o livro, que você pudesse lê-lo duas vezes e seria muito diferente nas duas.

Charlie Kaufman: Eu concordo. 

Ben Barna: Como a escolha de Jesse Plemons e Jessie Buckley combinou com a maneira como vocês dois imaginaram seus personagens quando estavam escrevendo o romance e o roteiro, respectivamente? 

Iain Reid: Eu diria que eles absolutamente revelaram novos elementos aos personagens. Isso é algo que eu experimentei pela primeira vez quando o romance começou a se transformar no roteiro de Charlie, e transformou-se novamente quando os atores estavam envolvidos. Não pude acreditar na minha sorte quando vi o elenco. Após vê-los pessoalmente durante as filmagens e depois o produto final, fiquei maravilhado. O trabalho deles é surpreendente e, claro, me fez ver os personagens do livro de maneira diferente.

Charlie Kaufman: Quando você pensa sobre o livro agora, você imagina os personagens como os imaginou quando o estava escrevendo ou como eles aparecem no filme?

Iain Reid: Não reli o livro porque sempre tenho dificuldade em reler algo que escrevi depois de um tempo. Porém a pergunta é interessante. Eu realmente não tenho uma imagem particular dos personagens na cabeça quando estou escrevendo.

Charlie Kaufman: Você tinha questões físicas? Altura e esse tipo de coisa?

Iain Reid: No livro, realmente não há muita descrição física. Para você, como eu, o mundo interno é mais interessante, então eu realmente não tinha uma visão definida para nenhum dos personagens. O que está no livro é realmente tudo que eu tinha. Eu tinha Jake como sendo um pouco mais alto e meio desengonçado, já sua namorada sendo um pouco mais baixa. Portanto, as pessoas ao lerem podem fazer suas próprias descrições. Há algo sobre Jessie [Buckley] e Jesse [Plemons] juntos, a química é realmente incrível. Acho que as pessoas vão realmente apreciar isso quando assistirem.

Charlie Kaufman: A razão pela qual fiz essa pergunta é porque, quando penso nos roteiros originais que escrevi, as pessoas indagam: “Você pensou em Jim Carrey e Kate Winslet quando escreveu Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças?” E a resposta é obviamente não, porque eles não foram escalados naquele momento, mas é quem eu imagino como Joel e Clementine agora. Eu realmente não consigo me lembrar como eu os imaginei de antemão. Se eu me esforçasse, poderia voltar a isso e perceber: “ok, essa pessoa foi baseada nesta pessoa.” Mas eu não imagino mais essas pessoas.

Iain Reid: Eu acho que o único que você imaginou antes foi John Malkovich quando você estava escrevendo Quero Ser John Malkovich.

Charlie Kaufman: Na verdade, imaginei Craig [interpretado por John Cusack em Quero Ser John Malkovich] como alguém muito pequeno. Eu imaginei alguém como eu.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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