sexta-feira , 22 novembro , 2024

EXCLUSIVO! ‘Uma Noite de 12 Anos: Álvaro Brechner fala sobre a psique humana em meio ao isolamento

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Encerrando a série de reportagens do filme ‘Uma Noite de 12 Anos‘, a jornalista Rafa Gomes conversou ao telefone com o cineasta Álvaro Brechner, que compartilhou seu processo criativo para construir uma realidade imersiva de absoluto isolamento.

O diretor ainda falou sobre a essência do longa e as expectativas quanto à possibilidade de entrar novamente para a pré-lista do Oscar.



Confira:

A história de Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro é bem conhecida entre o povo uruguaio. Qual foi o aspecto central que você quis abordar para trazer uma nova perspectiva da narrativa?

Para mim, a primeira coisa que tenho que dizer é que além da história que eu queria abordar, eu tentei fazer um filme que não trouxesse a perspectiva de um turista, que apenas passa rapidamente pela história, mas sim de um viajante, que se envolve com a jornada. Meu objetivo era fazer dessa experiência uma exploração de como esses três homens continuam lutando por aquilo que os torna humanos – mesmo perdendo tudo aquilo que envolve as necessidades básicas da vida e aquilo que os diferencia dos animais. E mesmo sem a linguagem, quando ela é retirada de cena, ela insistem nesse propósito. Para mim, o aspecto fundamental era essa batalha existencial, uma espécie de ‘a hora mais sombria’, onde tudo o que você tem, tudo com o qual você contou o tempo todo, simplesmente não existe mais, você não pode mais depender dessas coisas. Nessa condição, você retorna para à raiz da subsistência. E neste contexto, quis explorar como, em solitude, você começa a explorar mecanismos para sobreviver e se reinventar.

A sequência de abertura é fascinante e foi feita em uma tomada só, sem cortes, certo?

Sim, foi um plano sequência. Para mim, aquela tomada foi algo grande, pois quando tive a oportunidade de conversar com eles, eu tentei me colocar em seus lugares, buscando compreender como fora essa experiência de solidão. Nesse processo, uma das coisas que aprendi foi que quando o ser humano não tem aquelas coisas básicas de uma narrativa, como luz natural e a distinção entre o dia e a noite, ele começa a perder seu senso de orientação, sendo incapaz de diferenciar os dias da semana e os meses, ao ponto de ficar confuso. Seu tempo passa a ser circular e ele perde a habilidade de construir uma narrativa do que está acontecendo em sua vida. Sem poder falar, sem poder se comunicar, seu cérebro não consegue ordenar mais nada.

E de certa forma, eu quis começar o filme com esse plano sequência para tentar deixar um posicionamento, uma declaração clara de que estamos começando uma história que é circular. Depois disso, a vida se tornaria apenas sobre a sobrevivência e digo isso no sentido dessa luta incessante para permanecer vivo. O único problema é que nessas circunstâncias o homem já não é mais o mesmo. Seu cérebro não está mais como antes. E nessa situação, onde há a determinação pela liberdade, tudo que indica o que está acontecendo com eles – a única coisa que não lhes podia ser tirada – é o que de fato se passa em suas mentes, em sua imaginação, além da batalha interna para continuar sentindo algo real.

E esse não seria um filme sobre prisão…

Eu acho que não. Eu entendo que algumas pessoas pensem isso, mas para mim, um filme sobre prisão é uma jornada que na maioria das vezes fala sobre uma tentativa de fuga, uma condenação que leva o personagem a esperar 10, 20 ou 30 anos para poder retornar à liberdade. E esses homens não sabiam, naquele momento, o quanto eles ficariam aprisionados. Hoje sabemos quem eles se tornaram. Um virou o presidente do Uruguai, outro virou ministro… e também sabemos que o tempo que passaram encarcerados foi de 12 anos, mas à época, ninguém sabia nada disso. E outro aspecto que esse tipo de filme tem é a socialização. Em produções dessa natureza, eles se reorganizam no ambiente prisional e formam uma micro sociedade. Já neste longa, o grande problema é que eles sofriam com o isolamento e não podiam viver isso. Porque mesmo dentro de uma prisão normal, você recria as mesmas circunstâncias que o tornam humanos. Você se adapta ao local, à situação, aos demais prisioneiros. Mas aqui, eles só tinham a si mesmos.

Quais foram os aspectos visuais que você quis abordar para criar a experiência de isolamento?

Para mim, eu sempre pensei na essência da escuridão. Eu sempre quis abordar essa jornada para a escuridão, era isso que eu tinha em mente – as profundezas da alma e como ela se revela para além dessa situação. Então, para mim – em termos de visão -, eu tentei trazer vários níveis, mas o principal era tornar tudo realista, criar momentos reais ao ponto de que nem mesmo os atores saberiam o que iríamos fazer. Havia uma cena em que mudamos a situação e muitas vezes a câmera estava de um jeito específico para filmar os acontecimentos, mas os atores nunca estavam preparados para isso, para o que estávamos querendo registrar em tela. O objetivo foi justamente capturar tudo que estava acontecendo, mas sem antecipar nada. E foi o que fizemos. E claro, tudo tinha que ser, de certa forma, bem expressionista, mas também lidando com as fantasias dos personagens. Porque para entrar em suas mentes – se você quer ir nas profundezas de suas almas em um filme -, eu não queria que fosse do jeito que eles estariam supostamente visualizando. Eu queria deixar as imagens fora de foco ou na escuridão. Posteriormente vemos que eles não conseguem se ver, mas por poderem se ouvir, eles voltam a ser capazes de formular uma imagem uns dos outros. Naquele momento era ok criar uma visualização mais nítida, porque a mente poderia recriar o que está acontecendo no dormitório do lado. Mas estou falando do instante em que a mente começa a brincar com sua própria consciência, a misturar imagens para provocar fantasias, algumas vezes mesclando com eventos passados, apresentando-os de forma desorganizada. Isso é o que ocorre em um contexto de profundo isolamento.

E eu conheci muitos psiquiatras que possuem várias teorias de como o cérebro trabalha no isolamento, e eles pontuam que todas as imagens começam a vir à tona de forma descoordenada e o cérebro passa a ordená-las em um lugar que poderia ser agradável, em narrativas dramáticas, em formatos de narrativa. Mas o cérebro está lá, só que não sistematiza as ações que vêm de vários sentidos, então tudo começa a ficar misturado e ele não está preparado para conferir sentido a esse turbilhão de informações. E no caso do Mujica, que tentou nos explicar o que acontecia com ele, ninguém soube dizer da onde tudo aquilo estava vindo, mas ele estava vivendo essa experiência e é isso que, de algum jeito, nós tentamos recriar. É uma experiência particular impossível de transmitir, mas nós tentamos abordá-la de maneira cinematográfica.

Para aqueles que não são familiarizados com as histórias reais dessas três figuras, você acha que os aspectos psicológicos e emocionais fazem de ‘Uma Noite de 12 Anos’ um filme com o qual todos podem se identificar?

Eu sempre tento abordar histórias que tratem sobre a condição humana, os dilemas humanos. É claro que eu não faço isso pensando particularmente na audiência, seja ela internacional ou não. Vamos dizer que eu só estou pensando em mim. É o que eu pedi aos atores. Falei para eles pensarem em como personagens reais agiriam, o que eles fariam nessas circunstâncias. É como a cena da filha. Imagine que você enfrentou a experiência de conhecer sua filha pela primeira vez aos seis anos de idade, estando aprisionado. Você não precisa de mais informações para entender o que tudo isso significa. E eu creio que esse tipo de experiência não tem a ver com nacionalidade. É claro que cada pessoa vem de algum lugar diferente, ela possui uma origem. Mas esse filme se trata de coisas humanas. Não importa se o Rei Lear ou Hamlet vieram da Escócia ou da Dinamarca, entende? Ou se Shakespeare nasceu na Inglaterra. Eu como uruguaio me identifico a esses dilemas que cruzam fronteiras e eu espero que eles tenham genuinamente feito isso.

Para mim, essa foi uma das experiências cinematográficas mais imersivas e eu realmente creio que você tem uma chance na categoria de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Você irá inscrever ‘Uma Noite de 12 Anos’ à pré-lista? Você acha que o filme poderia ser um ótimo representante da América Latina?

É claro que seria uma grande exposição e claro que seria incrível, mas é algo difícil para eu responder. No entanto, nós saberemos em breve se ele terá a chance de ser um dos possíveis indicados, mas eu realmente não sei. Com certeza eu adoraria isso, seria espetacular, mas agora estou focado em tentar aproveitar esse milagre da vida, essa aventura sensacional que esses caras tiveram. E poder ter realizado esse filme é um milagre mesmo e eu não quero pensar muito nisso por agora.

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Confira:

A história de Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro é bem conhecida entre o povo uruguaio. Qual foi o aspecto central que você quis abordar para trazer uma nova perspectiva da narrativa?

Para mim, a primeira coisa que tenho que dizer é que além da história que eu queria abordar, eu tentei fazer um filme que não trouxesse a perspectiva de um turista, que apenas passa rapidamente pela história, mas sim de um viajante, que se envolve com a jornada. Meu objetivo era fazer dessa experiência uma exploração de como esses três homens continuam lutando por aquilo que os torna humanos – mesmo perdendo tudo aquilo que envolve as necessidades básicas da vida e aquilo que os diferencia dos animais. E mesmo sem a linguagem, quando ela é retirada de cena, ela insistem nesse propósito. Para mim, o aspecto fundamental era essa batalha existencial, uma espécie de ‘a hora mais sombria’, onde tudo o que você tem, tudo com o qual você contou o tempo todo, simplesmente não existe mais, você não pode mais depender dessas coisas. Nessa condição, você retorna para à raiz da subsistência. E neste contexto, quis explorar como, em solitude, você começa a explorar mecanismos para sobreviver e se reinventar.

A sequência de abertura é fascinante e foi feita em uma tomada só, sem cortes, certo?

Sim, foi um plano sequência. Para mim, aquela tomada foi algo grande, pois quando tive a oportunidade de conversar com eles, eu tentei me colocar em seus lugares, buscando compreender como fora essa experiência de solidão. Nesse processo, uma das coisas que aprendi foi que quando o ser humano não tem aquelas coisas básicas de uma narrativa, como luz natural e a distinção entre o dia e a noite, ele começa a perder seu senso de orientação, sendo incapaz de diferenciar os dias da semana e os meses, ao ponto de ficar confuso. Seu tempo passa a ser circular e ele perde a habilidade de construir uma narrativa do que está acontecendo em sua vida. Sem poder falar, sem poder se comunicar, seu cérebro não consegue ordenar mais nada.

E de certa forma, eu quis começar o filme com esse plano sequência para tentar deixar um posicionamento, uma declaração clara de que estamos começando uma história que é circular. Depois disso, a vida se tornaria apenas sobre a sobrevivência e digo isso no sentido dessa luta incessante para permanecer vivo. O único problema é que nessas circunstâncias o homem já não é mais o mesmo. Seu cérebro não está mais como antes. E nessa situação, onde há a determinação pela liberdade, tudo que indica o que está acontecendo com eles – a única coisa que não lhes podia ser tirada – é o que de fato se passa em suas mentes, em sua imaginação, além da batalha interna para continuar sentindo algo real.

E esse não seria um filme sobre prisão…

Eu acho que não. Eu entendo que algumas pessoas pensem isso, mas para mim, um filme sobre prisão é uma jornada que na maioria das vezes fala sobre uma tentativa de fuga, uma condenação que leva o personagem a esperar 10, 20 ou 30 anos para poder retornar à liberdade. E esses homens não sabiam, naquele momento, o quanto eles ficariam aprisionados. Hoje sabemos quem eles se tornaram. Um virou o presidente do Uruguai, outro virou ministro… e também sabemos que o tempo que passaram encarcerados foi de 12 anos, mas à época, ninguém sabia nada disso. E outro aspecto que esse tipo de filme tem é a socialização. Em produções dessa natureza, eles se reorganizam no ambiente prisional e formam uma micro sociedade. Já neste longa, o grande problema é que eles sofriam com o isolamento e não podiam viver isso. Porque mesmo dentro de uma prisão normal, você recria as mesmas circunstâncias que o tornam humanos. Você se adapta ao local, à situação, aos demais prisioneiros. Mas aqui, eles só tinham a si mesmos.

Quais foram os aspectos visuais que você quis abordar para criar a experiência de isolamento?

Para mim, eu sempre pensei na essência da escuridão. Eu sempre quis abordar essa jornada para a escuridão, era isso que eu tinha em mente – as profundezas da alma e como ela se revela para além dessa situação. Então, para mim – em termos de visão -, eu tentei trazer vários níveis, mas o principal era tornar tudo realista, criar momentos reais ao ponto de que nem mesmo os atores saberiam o que iríamos fazer. Havia uma cena em que mudamos a situação e muitas vezes a câmera estava de um jeito específico para filmar os acontecimentos, mas os atores nunca estavam preparados para isso, para o que estávamos querendo registrar em tela. O objetivo foi justamente capturar tudo que estava acontecendo, mas sem antecipar nada. E foi o que fizemos. E claro, tudo tinha que ser, de certa forma, bem expressionista, mas também lidando com as fantasias dos personagens. Porque para entrar em suas mentes – se você quer ir nas profundezas de suas almas em um filme -, eu não queria que fosse do jeito que eles estariam supostamente visualizando. Eu queria deixar as imagens fora de foco ou na escuridão. Posteriormente vemos que eles não conseguem se ver, mas por poderem se ouvir, eles voltam a ser capazes de formular uma imagem uns dos outros. Naquele momento era ok criar uma visualização mais nítida, porque a mente poderia recriar o que está acontecendo no dormitório do lado. Mas estou falando do instante em que a mente começa a brincar com sua própria consciência, a misturar imagens para provocar fantasias, algumas vezes mesclando com eventos passados, apresentando-os de forma desorganizada. Isso é o que ocorre em um contexto de profundo isolamento.

E eu conheci muitos psiquiatras que possuem várias teorias de como o cérebro trabalha no isolamento, e eles pontuam que todas as imagens começam a vir à tona de forma descoordenada e o cérebro passa a ordená-las em um lugar que poderia ser agradável, em narrativas dramáticas, em formatos de narrativa. Mas o cérebro está lá, só que não sistematiza as ações que vêm de vários sentidos, então tudo começa a ficar misturado e ele não está preparado para conferir sentido a esse turbilhão de informações. E no caso do Mujica, que tentou nos explicar o que acontecia com ele, ninguém soube dizer da onde tudo aquilo estava vindo, mas ele estava vivendo essa experiência e é isso que, de algum jeito, nós tentamos recriar. É uma experiência particular impossível de transmitir, mas nós tentamos abordá-la de maneira cinematográfica.

Para aqueles que não são familiarizados com as histórias reais dessas três figuras, você acha que os aspectos psicológicos e emocionais fazem de ‘Uma Noite de 12 Anos’ um filme com o qual todos podem se identificar?

Eu sempre tento abordar histórias que tratem sobre a condição humana, os dilemas humanos. É claro que eu não faço isso pensando particularmente na audiência, seja ela internacional ou não. Vamos dizer que eu só estou pensando em mim. É o que eu pedi aos atores. Falei para eles pensarem em como personagens reais agiriam, o que eles fariam nessas circunstâncias. É como a cena da filha. Imagine que você enfrentou a experiência de conhecer sua filha pela primeira vez aos seis anos de idade, estando aprisionado. Você não precisa de mais informações para entender o que tudo isso significa. E eu creio que esse tipo de experiência não tem a ver com nacionalidade. É claro que cada pessoa vem de algum lugar diferente, ela possui uma origem. Mas esse filme se trata de coisas humanas. Não importa se o Rei Lear ou Hamlet vieram da Escócia ou da Dinamarca, entende? Ou se Shakespeare nasceu na Inglaterra. Eu como uruguaio me identifico a esses dilemas que cruzam fronteiras e eu espero que eles tenham genuinamente feito isso.

Para mim, essa foi uma das experiências cinematográficas mais imersivas e eu realmente creio que você tem uma chance na categoria de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Você irá inscrever ‘Uma Noite de 12 Anos’ à pré-lista? Você acha que o filme poderia ser um ótimo representante da América Latina?

É claro que seria uma grande exposição e claro que seria incrível, mas é algo difícil para eu responder. No entanto, nós saberemos em breve se ele terá a chance de ser um dos possíveis indicados, mas eu realmente não sei. Com certeza eu adoraria isso, seria espetacular, mas agora estou focado em tentar aproveitar esse milagre da vida, essa aventura sensacional que esses caras tiveram. E poder ter realizado esse filme é um milagre mesmo e eu não quero pensar muito nisso por agora.

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