[ANTES DE COMEÇAR A MATÉRIA, FIQUE CIENTE QUE ELA ESTÁ RECHEADA DE POSSÍVEIS SPOILERS]
Se você ainda não assistiu ao quarto episódio de Falcão e o Soldado Invernal, não leia esta matéria se não quiser receber spoilers.
Após um terceiro episódio mais voltado para a estética de Capitão América: Guerra Civil (2016), Falcão e o Soldado Invernal contrariou as expectativas e voltou a trazer uma trama mais politizada. Enquanto John Walker (Wyatt Russell) perambula por aí atrás de Sam Wilson (Anthony Mackie), Bucky Barnes (Sebastian Stan) e Zemo (Daniel Brühl), os Apátridas, liderados por Karli Morgenthau (Erin Kellyman), começam a ganhar popularidade pelo mundo, mostrando que nem sempre os heróis tradicionais dão conta dos problemas reais. E no meio disso tudo… O Soro do Supersoldado. Com essas inversões de expectativas, a série começa a construir um final repleto de ação e reflexão sobre o que é mesmo ser um herói e como é a responsabilidade de representar aquilo que é certo.
Mas comecemos falando de Zemo. Depois de esbanjar carisma no episódio anterior, o vilão seguiu o seu arco de “guia” dos heróis pelo submundo do crime, mas a série faz questão de nos lembrar que ele é realmente um malfeitor. Bastante diplomático, o Barão de Sokóvia é o único a conseguir informações sobre os Apátridas. Tudo bem que ele joga sujo e suborna crianças com doces para conseguir descobrir o que precisa. Só que é aquela história já vista anteriormente: para ele, os fins justificam os meios. E convenhamos, ele não é nenhum anti-herói, então é legal vê-lo agindo contra a moral.
Ainda nesse embate moral, outro personagem a crescer sob essa perspectiva é Bucky. Em dado momento, vemos a parte final de seu “retiro” em Wakanda, que nada mais foi que uma grande sessão de terapia e reset mental. É bem tenso ver a reação do personagem ao se perceber livre do controle mental que o levou a cometer atrocidades nos últimos 70 anos. Não é comum vermos heróis chorarem nas telas, então colocar o parceiro do Capitão América desabando em lágrimas por ter escapado de vez do controle inimigo é algo absurdamente representativo.
Porém, mais tarde, vemos o reencontro dele com as Dora Milaje e ele se pauta na mesma filosofia Maquiavélica dos fins justificarem os meios, apesar dos meios dele serem mais compreensíveis do que os de Zemo. Mas é aí que a série entra e dá uma grande porrada na audiência. Se havíamos nos encantado pela versão “Rei do Camarote” de Helmut Zemo, a Guarda Real de Wakanda surge para nós relembrar a figura nefasta que ele é. O assassinato do Rei T’Chaka (John Kani) segue como um tema muito doloroso para a tecnológica nação africana, e Bucky sabe disso. Então, ao soltá-lo da prisão e sair viajando pelo mundo com ele, o “Lobo Branco” assume um papel ingrato diante daqueles que o devolveram a liberdade. É uma questão complicada que aparece para mostrar que o heroísmo demanda escolhas. É triste que um dos personagens mais psicologicamente abalados do MCU precise fazê-las, mas é isso que faz dele um herói. Quer dizer, não agora que o Zemo escapou, né? Mais pra frente, no entanto, ele deve recuperar esse posto, apesar de não contar mais com o mesmo prestígio de antes em terras Wakandanas.
Como dito acima, os heróis e vilões se diferenciam exclusivamente por suas escolhas. Enquanto Bucky procura agir de forma a terminar os problemas o quanto antes e com o menor número de vítimas possível, John Walker também age sob um fantasma do passado que o força a tentar honrar o legado de seu ídolo, Steve Rogers (Chris Evans), mas suas escolhas são terríveis. Quando ele relembra ao parceiro que fez coisas terríveis no Afeganistão, entendemos a questão do soldado. Considerado perfeito pelo governo americano, o novo “Capitão América” sofre de estresse pós-traumático e, em vez de buscar tratamento, acaba se alimentando dele para agir com agressividade e de forma impulsiva. Essa reação é muito comum nos soldados que retornam de guerras, assim como a depressão, ansiedade e o abandono das Forças Armadas.
Enquanto a maioria retorna para casa e acaba desenvolvendo vícios, como o alcoolismo ou o uso de narcóticos, John ganhou um uniforme e desenvolveu uma verdadeira obsessão por outro tipo de droga: o Soro do Supersoldado. Todos os seus fracassos e frustrações são atribuídos ao fato dele não ter o soro em seu corpo, dele não ser Steve Rogers. Essa temática lembra muito o Capitão América dos anos 1950, William Burnside. Ele era um professor de história tão fascinado pelo herói que se submeteu a cirurgias plásticas para ficar parecido com Steve, tomou uma versão do soro e assumiu o manto por um ano. O problema é que ele não passou pela irradiação de Raios Vita, fazendo com ele alucinasse e enfrentasse “inimigos comunistas” que só ele via. Então, voltando ao ponto das escolhas, John é submetido a várias escolhas neste episódio, como ouvir e seguir os heróis mais experientes, respeitar e confiar no plano de sua equipe e destruir a última dose do Soro do Supersoldado encontrada. Só que ele se deixa levar por seus vícios e arrogância, optando por seguir um caminho ruim. E talvez a última e maior escolha desse episódio acontece na cena final. Diante de uma agridoce ironia, o Apátrida que havia aparecido mais cedo para contar a Karli como ele cresceu admirando e idolatrando o Capitão América e seu escudo acaba sendo assassinado a sangue frio… Justamente pelo novo “Capitão América” e seu escudo. John teve a escolha de apenas prendê-lo, mas escolheu matá-lo por vingança, por ódio.
Suas ações, como indica o nome do episódio, são presenciadas por todo mundo e acabam sendo gravadas e postadas por telefones. Além um provável conflito internacional, o homicídio feito por John Walker é o símbolo que os Apátridas precisavam para reforçar a tese de que o ultranacionalismo e seus símbolos são o mal desse universo. Em apenas 5 minutos, John Walker perdeu seu parceiro e jogou quase um século do legado de Steve Rogers no lixo. Esse embate ideológico entre Bucky – o renegado soldado reabilitado – e John – o traumatizado herói americano – é um dos pontos altos da clássica trama “preto no branco”. O certo e o errado. Mas existe uma área cinza nesse meio que a cada novo episódio cresce na presença de Sam Wilson, o Falcão.
Mesmo sem ter aparecido tanto com as clássicas ações de heroísmo, descendo a porrada em caras maus como se não houvesse amanhã, Sam, o legítimo herdeiro do escudo do Capitão América, se firmou como o verdadeiro protagonista da série. Seu crescimento como personagem é notável, já que ele busca sempre entender os lados do conflito em que está envolvido, além de começar a compreender a seriedade e importância da responsabilidade que foi a ele atribuída e inicialmente renegada pelo medo da rejeição e do racismo que um Capitão América negro poderia causar.
É engraçado notar como esse medo de Sam acaba por revelar as principais características que fizeram de Steve o ícone de justiça e esperança que ele foi/ é: Empatia, autocontrole, compreensão e autocontrole. Ser um herói não é estar sempre certo, e sim saber o que você representa e como deve agir para que suas ações contribuam para o mundo em todos os aspectos possíveis. O Falcão viu de perto os horrores da guerra e do pós-guerra, já que trabalhou ajudando os veteranos traumatizados e perdeu o melhor amigo em campo de batalha. Por isso, o momento em que busca dialogar e tentar mostrar para Karli que existem outros meios dela atingir a utopia que procura é tão simbólica. Ele entende que ela tem pontos relevantes que são fundamentais para pessoas excluídas, mas não pode deixar que eles sejam conquistados por meio de mortes e destruição, porque todas as vidas importam. Foi uma atitude fantástica, digna do Capitão América, e que provavelmente teria resolvido o conflito se não fosse a intervenção do suposto Capitão América de John Walker.
Enfim, o episódio termina com John Walker, um novo Supersoldado, assumindo o manto do Capitão América para assassinar um bandido diante de câmeras do mundo todo. Essa ação vai inflamar o planeta, movendo seus apoiadores de “bandido bom é bandido morto”, mas também vai causar uma forte repercussão negativa pela “Morte do Sonho”. Essa dualidade do simbolismo vai fazer o movimento Apátrida crescer, sem dúvida alguma. Enquanto isso, o Barão Zemo está à solta por aí, o Mercador do Poder segue atrás de Karli e seus aliados, Bucky se queimou com Wakanda e Sam se demonstra cada vez mais um ser humano incrivelmente apto para tomar o escudo para si, reivindicando o que é seu por direito, para tentar limpar o legado do Capitão e inspirar toda uma nova geração de pessoas pelo mundo. Faltando apenas dois episódios para o fim, a trama da série deve jogar muito com essas duas vertentes, a política e o heroísmo.
Ansiosos?
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