A 69º edição do Festival de Cannes, talvez o mais importante evento do cinema mundial de autor, está dando o que falar.
Após atrizes, como Julia Roberts, entrarem no tapete vermelho descalças para protestar contra o rigoroso código de vestimenta do evento, o elenco e equipe do filme brasileiro ‘Aquarius‘ protestou contra impeachment da presidente Dilma.
Ao passar pelo tapete vermelho, a equipe do filme segurou cartazes com frases denunciando um golpe político em nosso país.
Entre os cartazes, as frases “Um golpe aconteceu no Brasil“, “54.501.118 de votos foram queimados!” e “Vamos resistir” foram as mais marcantes.
Os comentaristas da transmissão francesa do Red Carpet foram pegos de surpresa pelo ocorrido.
Confira:
O filme brasileiro foi exibido hoje no festival e foi aplaudido – leia mais!
Sobre o Festival de Cannes
A seleção desse ano, especialmente, impressionou os cinéfilos em geral por trazer para competição nomes como Pedro Almodóvar (Fale com Ela), Paul Verhoeven (RoboCop – O Policial do Futuro), Jim Jarmusch (Amantes Eternos), Chan-Wook Park (Oldboy) e outros talentos do nível. Dentre estes está Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor), com o seu novo filme Aquarius, o cineasta pernambucano que impressionou público e crítica em seu longa de estreia. A produção é aguardada até mesmo pela imprensa internacional, a exemplo da Variety que a colocou como indispensável na lista de seus três críticos. Resta então a nossa torcida.
No entanto não é de hoje que o cinema brasileiro aparece no festival, desde o final dos anos de 1940, com Sertão, de João G. Martin, competimos na categoria principal. E até vencermos a Palma de Ouro com O Pagador de Promessas (1962), foram mais de dez indicações. Em 1963 – assim como em 1954 com Feitiço do Amazonas e O Canto do Mar – chegamos a ter dois filmes na mesma competição, os já clássicos Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol, respectivamente de Nelson Pereira dos Santos e o genial Glauber Rocha. Ainda na década de 1960 tivemos mais quatro indicações, duas delas comandadas pelo próprio Glauber, Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1968) – por este último, inclusive, o baiano foi o único brasileiro a conquistar o prêmio de Melhor Diretor.
Outros cineastas também tiveram três de suas obras concorrendo na categoria principal: o alagoano Cacá Diegues, por Bye Bye Brasil (1979), Quilombo (1984) e Um Trem para as Estrelas (1987); o carioca Walter Salles, com Diários de Motocicleta (2004), Linha de Passe (2008) e On the Road (2012); além do argentino radicado no Brasil, Héctor Babenco, pelos filmes O Beijo da Mulher-Aranha (1986), Coração Iluminado (1998) e Carandiru (2003). Ainda que após a década de 1980 tenhamos tido um jejum de participações, devido a problemas políticos e cortes de verbas culturais, o Brasil vai aos poucos recuperando os seu prestígio. Mesmo levando em conta que há oito anos um filme falado em português não competia.
Na mostra Um Certain Regard tivemos inúmeros longas canarinhos exibidos como Eu Tu Eles (2000), Madame Satã (2002), Cidade Baixa (2005), Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), O Banheiro do Papa (2007), A Festa da Menina Morta (2008) e muitos outros. Assim como atores nacionais concorreram em suas devidas categorias, até mesmo, duas conquistaram o prêmio de Melhor Atriz: Fernanda Torres (Eu Sei que Vou Te Amar) e Sandra Corveloni (Linha de Passe). E como é sabido, dentro de Cannes existem outras competições, por exemplo, Terra em Transe venceu o prêmio da Crítica FIPRESCI, Cidade Baixa o da Juventude e Cinema, Aspirinas e Urubus o da Educação Nacional; já Vidas Secas conquistou os prêmios do OCIC e Cinemas de Arte, assim como Nelson Pereira dos Santos ganhou o FIPRESCI por Memórias do Cárcere (1984).
Vivemos atualmente uma excelente safra no nosso cinema, que é repleto de produções ricas artisticamente e bastante importantes em temas sociais. Até em gêneros diversos temos lançado bons filmes por aqui. Outros festivais espalhados pelo mundo premiam todos os anos trabalhos feitos no Brasil. O Oscar ainda é algo distante, até mesmo pelo lobby necessário, mas certamente não ficamos atrás de cinematografia de país nenhum. Temos qualidade e identidade, e isso é o que realmente importa. Uma vitória em Cannes agora seria apenas a cereja do bolo.