Mesmo anos depois de ter sido finalizada, a saga cinematográfica ‘Harry Potter’ permanece como uma das mais influentes da sétima arte, principalmente quando fazemos um recorte de seu legado para o século XXI e para o gênero fantástico. Ao longo de oito longas-metragens que adaptaram os sete romances originais de J.K. Rowling, o time de diretores, roteiristas e produtores responsáveis por trazer as obras à vida redefiniu o conceito de blockbusters desde sua estreia em 2001 até sua finalização em 2011. E, neste ano, um dos melhores capítulos da franquia completa nada menos que quinze anos.
Em 2010, David Yates retornava pela terceira vez consecutiva à cadeira de direção de ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1’, que dava início à conclusão dessa incrível narrativa iniciada com ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’. Já tendo comandado os ótimos ‘Harry Potter e a Ordem da Fênix’ e ‘Harry Potter e o Enigma do Príncipe’, Yates não era nenhum estreante nesse fantasioso cosmos e, seguindo os passos do que havia nos apresentado anteriormente, focaria em uma identidade diferente dos capítulos anteriores – apostando fichas em uma ambientação ainda mais obscura e que premeditaria a queda do mundo bruxo como, até então, o conhecíamos.
A narrativa traz o personagem titular, interpretado por Daniel Radcliffe, no início de sua busca pelas Horcruxes – objetos repletos de magia das trevas que contêm cada qual um pedaço da alma de Lorde Voldemort (Ralph Fiennes). Após a morte de Alvo Dumbledore (Michael Gambon) no capítulo anterior, Harry une forças com Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) e parte em uma missão extremamente perigosa para reaver esses objetos, destruí-los e, então, engajar na batalha final contra vilões mortais que desejam higienizar o mundo mágico dos nascidos trouxas e dos meios-sangues – reiterando a falsa superioridade dos bruxos sangues-puros.
À época do lançamento, foi notável como os fãs da saga se viram diante de uma das produções mais “comedidas” das adaptações, por assim dizer. Em outras palavras, Yates utilizou a primeira metade do livro original para apostar mais fichas no drama entre os personagens e na crescente disparidade social que crescia dentro do mundo bruxo para garantir que a ideia principal fosse um tour-de-force amalgamado a um enredo coming-of-age, culminando em uma mixórdia de todos os obstáculos enfrentados pelo trio protagonista com o passar dos anos. E isso não é tudo: aliando-se a Steve Kloves no roteiro, o realizador permite que temas mais densos pincelem essa última incursão pelo destino do universo mágico que reside nas mãos de três jovens.
Percebemos como as próprias investidas artísticas reiteram o longa-metragem como uma espécie de preparação e “prelúdio” para a icônica batalha final que dominaria os cinemas de todo o planeta um ano mais tarde. A parte inicial de ‘Relíquias da Morte’ reduz o ritmo através de sequências mais vagarosas de outras da saga, deixando que a trama seja mais um estudo de personagens e de relações interpessoais do que uma aventura clássica permeada por cenas de ação e de magia. É claro que os confrontos existem – como a invasão do casamento de Gui e Fleur pelos Comensais da Morte ou até mesmo o incrível e emocionante confronto no Ministério da Magia-, mas a ideia aqui é permitir que os nossos heróis tenham noção em que estão se metendo e que se preparem para um iminente fim e possível ressurreição.
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Se o espectro tonal da obra é voltado, em essência, ao drama, não é muita surpresa que parte dos espectadores tenha se decepcionado. Todavia, ao revisitar o projeto, temos plena ciência de que essa redução nas frenéticas construções cênicas é ímpar para permitir que a segunda parte atinja seu ápice e sagre uma conclusão satisfatória e aplaudível. Mas isso não quer dizer que o resultado de ‘Parte 1’ seja frustrante: pelo contrário, o roteiro em si abre espaço para que Radcliffe, Grint e Watson entreguem performances arrebatadoras e que demonstram sua evolução na franquia – afinal, os jovens atores cresceram como seus respectivos personagens e, prestes a se despedirem, trazem essa agridoce sensação a um desenlace emocionante.
A obra também chama nossa atenção pelo afastamento imagético das iterações predecessoras, inclusive quando paramos para analisar a paleta de cores e a fotografia. Enquanto cada uma das outras entradas carregava consigo uma identidade visual bastante chamativa – como o uso de tonalidades azuis no primeiro e no terceiro capítulos, ou os agouros de mau-presságio dos tons verdes no segundo e no sexto filmes -, a fotografia de Eduardo Serra é sóbria, beirando um monocromático derradeiro que dá indícios de uma falta de prospecto tristonha e conformista, à medida que Voldemort continua seu reino de caos e terror (antecipando a vibrante explosão de cores em ‘Parte 2’).
Quinze anos depois de seu lançamento oficial nos cinemas, ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1’ é um dos filmes dessa icônica e memorável franquia que merece ser revisitado – a fim de que seja apreciado dentro daquilo que se propõe. As propositais limitações rítmicas são essenciais para que os eventos do livro de Rowling se condensem e se transmutem em uma obra de arte cinemática e que apresenta um novo lado de um universo movido pela magia e pelo fabulesco.
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