Animação não se limita apenas aos elementos quadrinísticos
Lançado no último dia 30 de Junho o serviço de streaming HBO Max chega com a promessa de unificar todas as propriedades da Warner Mídia tais como os filmes da Warner Bros; produções da Cartoon Network; Adult Swim e DC Comics. Mais especificamente relacionado ao gigante dos quadrinhos, o novo serviço surge como um sucessor espiritual para o DC Universe (iniciativa que reunia todos os produtos audiovisuais e quadrinhos da empresa).
Ainda que o catálogo brasileiro se mostre em desenvolvimento, a oferta de produções com o selo DC é bastante ampla; indo dos filmes do Superman estrelados por Christopher Reeve até os Batman de Nolan. No entanto, em meio a esse interessante conjunto de opções se faz presente o longa animado A Máscara do Fantasma (1993), para muitos a melhor adaptação em formato longa-metragem do herói.
Os anos 90 foram confusos para quem fosse realizar uma adaptação do Batman. No início da década, a estética gótica de Tim Burton era a regra a ser seguida e a fase camp de Adam West parecia uma alucinação há muito distante. Porém, a partir de meados do período, o estilo sombrio do diretor foi rapidamente substituído pelo policromático visual de Joel Schumacher e um retorno do estilo extravagante do passado.
Na televisão o seriado Batman: A Série Animada seguia firme em sua primeira temporada, iniciada em setembro de 1992, entregando um produto que mesclava habilmente uma linha narrativa geral bastante fiel às melhores histórias do personagem nos quadrinhos (em especial da fase Denny O’Neil) com o humor e ação que eram regras em animações infantis no período.
Apesar de contar com uma atmosfera parecida com os filmes de Burton, a série animada jamais se propôs a ser uma sequência serializada daquele universo. Foi com essa personalidade que em 1993 a Warner deu sinal verde para o primeiro longa animado com personagens da DC Comics.
Formado majoritariamente pela mesma equipe que estava à frente da mencionada série animada, A Máscara do Fantasma nasceu como um projeto televisivo. A ideia inicial era realizar uma obra com um formato um pouco maior que o padrão dos episódios do seriado, mas ainda assim orçada como uma produção feita para a televisão. Tendo um pouco mais de liberdade, os roteiristas puderam se debruçar mais sobre aspectos humanos de Bruce Wayne que, de outra forma, não tinham espaço no programa principal.
Essa ambição fica evidente pelo enredo onde a cidade de Gotham é aterrorizada pela chegada de um novo vigilante conhecido como Fantasma e que passa a assassinar os chefes da máfia local. Por possuírem visuais semelhantes, Batman é considerado pela polícia e pela mídia como o responsável pelos homicídios e uma caçada humana se inicia a ele. Ao mesmo tempo, em sua vida privada, Bruce Wayne precisa lidar com a volta de um antigo amor do passado.
De saída, o filme apresenta evidente inspiração em duas obras do herói: Ano Um e Ano Dois. A primeira foi um reboot lançado em 1987 e assinado por Frank Miller; dividida em três edições a história revisita o primeiro ano da carreira do Batman bem como trabalha a forma como ele conhece personagens icônicos como James Gordon e Selina Kyle. Em A Máscara do Fantasma a trama corre com duas linhas do tempo, uma no presente e outra no passado.
Enquanto que no presente Batman precisa lidar com as consequências dos crimes do Fantasma, é no passado que é desenvolvido tanto o romance entre Bruce e Andrea quanto as primeiras tentativas do bilionário em atuar como vigilante; com ele cometendo erros de iniciante, aprendendo com eles e então se tornando a figura do Batman. Já a inspiração em Ano Dois ocorre principalmente na relação entre Batman e Fantasma.
O choque ideológico entre os vigilantes e o mistério ao redor da nova figura possui semelhanças claras com o conflito proposto na mencionada história entre Batman e o Ceifador. Ainda assim, não foi apenas nos quadrinhos que a equipe responsável se baseou; Cidadão Kane é constantemente citado como uma clara influência no desenrolar da narrativa, principalmente pelo uso de flashbacks pontuais que conectam o momento atual da história com um acontecimento passado.
O uso de sombra nos traços também é notável, mesmo essa característica técnica sendo presente desde a concepção da série animada. Sombras alongadas em cenários fechados ou os arranha-céus completamente escurecidos da Gotham em plano aberto remontam ao uso desse mesmo elemento em diversos filmes; seja no Expressionismo Alemão, no já mencionado Cidadão Kane ou nos filmes Noir que em muito inspiraram Bruce Timm e companhia ao desenvolver o seriado.
Uma última curiosidade é a abertura em 3D do longa que originalmente seria destinada à série animada, porém foi aproveitada nesse caso. Assim como na animação subsequente (ainda que não sendo uma sequência) Batman & Mr.Freeze – Abaixo de Zero, aqui a equipe técnica flerta com o uso de um plano completo feito inteiramente em computação gráfica, o que era incomum em 1993.
A Máscara do Fantasma teve um lançamento nos cinemas, o que o alça constantemente ao posto de melhor adaptação do Batman até os dias de hoje. Não só por ter sido o primeiro filme a realmente focar em Bruce Wayne como indivíduo, ou seja, não como elemento técnico que apenas faz a ligação entre cenas do Batman em ação como também por entregar uma coadjuvante feminina que não estava presente unicamente para interesse amoroso.
De fato, Batman – O Retorno fizera um trabalho similar com a Mulher Gato previamente. Ainda assim, a persona de Andrea Beaumont em Máscara do Fantasma, inédita até então na mitologia do Homem Morcego, não é eclipsada por Bruce Wayne ou está presente apenas em função dele. Ela tem seus próprios objetivos na trama e até mesmo um arco de personagem que se complementa ao do protagonista.
Sem dúvida é uma presença importante no catálogo da DC presente no HBO Max, não só por sua qualidade enquanto filme mas também por sua história como obra pioneira da Warner Animation, e funciona também como um aperitivo para uma vindoura adição da série animada.