Disponível no HBO Max, a obra de Kubrick é terreno fértil para teorias da conspiração
Um dos cineastas mais consagrados e estudados de todos os tempos é sem dúvida Stanley Kubrick, cuja filmografia teve seu primeiro longa lançado em 1953 com Medo e Desejo (antes disso ele havia dirigido dois curtas documentais em 1951). Por grande parte do século XX todo filme produzido por ele gerava expectativas e eram incessantemente dissecados por estudiosos da área e admiradores leigos.
De 2001 – Uma Odisseia no Espaço até O Iluminado eram inspecionados diversos elementos da narrativa do diretor, desde a concepção do roteiro (no qual ele tinha o hábito de trabalhar próximo aos roteiristas), passando pelo design de produção (Barry Lyndon foi um exemplo de como Kubrick pesquisou incessantemente na pré-produção diversos estilos arquitetônicos do período retratado) até chegar em técnicas empregadas por ele na direção, algumas delas sendo inovadoras como o uso do steadicam.
Tão importante quanto o início, o fim da carreira de um artista costuma ser sempre um evento significativo; afinal, é nesse ponto que o amadurecimento do mesmo, no campo exercido, pode ser melhor identificado e quando comparado com o início demonstra diferenças esperadas de como a linguagem estilística não é estática mas sim algo eternamente em mutação. Com Kubrick isso não foi diferente; enquanto que Medo e Desejo foi uma obra bem limitada tecnicamente, sendo que essa limitação refletiu na escala da história, em De Olhos bem Fechados a situação foi outra.
Lançado em setembro de 1999, sendo que seu diretor havia falecido em março daquele mesmo ano, De Olhos bem Fechados foi uma experiência única para o cineasta pois pela primeira vez ele pôde dedicar um projeto inteiro a dissecar a relação conjugal entre marido e esposa e como o sexo guia não só essa dinâmica como também as escolhas dos personagens.
Adaptado do livro Dream Story de Arthur Schnitzler, a trama segue o Dr. Harford (interpretado por Tom Cruise) que vive um casamento estável porém monótono com sua esposa, Alice (Nicole Kidman). Após encontrar com um conhecido em uma noite, é apresentado ao protagonista a localização de uma mansão afastada que oferece festas sem quaisquer controles e onde todos os convidados utilizam máscaras, indicando que apenas os membros mais influentes da sociedade são convidados.
Superficialmente o espectador capta exatamente o que a obra se propõe: apesar de uma família comum e até feliz, tanto Bill quanto Alice guardam em seus interiores desejos selvagens que não podem ser comunicados, muito por causa de convenções sociais, assim como as festas de máscaras são uma representação visual dos desejos íntimos daquela parcela influente da sociedade que não podem ser expressos abertamente.
Em seu livro Kubrick, o autor Michel Ciment oferece uma interpretação para a obra de 1999 sobre como ela se diferencia da filmografia anterior. “De Olhos bem Fechados se concentra nas zonas mais íntimas do indivíduo, nos problemas do casal, na crise de identidade, e tudo se passa como se Kubrick tivesse adiado o momento de enfrentá-los, talvez pressentindo que essa pudesse ser sua última obra. De acordo com a imagem que temos de Kubrick, seu universo é mais marcado pela violência… do que pelo relacionamento entre homens e mulheres.”
Ainda assim, no decorrer da exibição é possível notar a presença de símbolos posicionados em pontos específicos do cenário. Um exemplo é uma estrela de oito pontas na casa do Dr. Zeigler que remete à estrela de Ishtar, um símbolo pagão para fertilidade e sexualidade de forma geral que se tornam um elemento narrativo conforme a trama vai avançando. As máscaras, mencionadas anteriormente, foram importadas de Veneza e seguem o modelo utilizado nos carnavais de lá.
Automaticamente o significado dessas festividades vem à tona, quando no mundo antigo esse era um momento para a suspensão das também já mencionadas convenções sociais e cuja adoração deveria ser voltada para a carne (em todos os sentidos). Com isso a cerimônia secreta dentro da mansão, somado à presença de diversas máscaras venezianas, torna o quadro todo uma representação clara do festival.
A morte do diretor pouco antes do lançamento do filme corroborou para o surgimento de teorias da conspiração ao redor de mensagens secretas deixadas por ele. Isso não é novidade na filmografia de Kubrick uma vez que a ele é atribuída a autoria das filmagens da chegada do homem à Lua e que ele teria deixado uma “confirmação” em um figurino de O Iluminado.
Por mais que seja inegável a presença de símbolos pagãos e interpretações sobre rituais em De Olhos bem Fechados, o grande foco de interesse presente não é a expectativa por significados secretos deixados pelo diretor mas sim seu olhar clínico, tão importante para a história do cinema, sobre algo tão complexo quanto os relacionamentos interpessoais e as máscaras usadas por todos.