quinta-feira , 21 novembro , 2024

Hollywood e os Escândalos Sexuais – Caça às Bruxas ou Sinal dos Novos Tempos?

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Entre mortos e feridos

No último dia 3 de maio, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas expulsou da sua relação de membros o diretor polonês Roman Polanski e o comediante americano Bill Cosby. De acordo com a Academia, a expulsão se deve por tais membros não corresponderem aos padrões éticos demandados pelas normas da instituição.

Como muitos sabem, o diretor Roman Polanski foi processado, em 1978,  por ter tido relações sexuais com Samantha Geimer. Na época, ela tinha 13 anos, o que é considerado pela lei estupro presumido (“statutory rape”, quando a violência está implícita). Polanski chegou a cumprir uma pena inicial de 42 dias, mas ao ser liberado soube da possibilidade de que aplicação da pena máxima – 50 anos de prisão – estava prestes a ser decretada, então o diretor resolve sair dos Estados Unidos para Paris e nunca mais retornou.



A seguir, o processo se estende por alguns anos entre recursos e novas avaliações da investigação, para somente em 1994, quando uma nova legislação fixou a pena máxima em 4 anos, o diretor pôr fim ao processo na esfera cível, ao pagar uma indenização no valor de 225 mil dólares à vítima. A história é cercada de muitas tentativas de extradição do cineasta de volta aos EUA, sendo a mais recente em 2009, quando participou de um festival em Zurique. Além disso, houve muitas ineficazes tentativas de tornar sua presença nos Estados Unidos possível sem que ele fosse preso.  Uma das ausências mais marcantes de Polanski no país se deu no Oscar de 2003, quando ganhou a premiação na categoria de melhor diretor, pelo filme O Pianista. Na ocasião,  a Academia aceitou o prêmio em seu nome, que foi ovacionado in abstentia por todos os presentes.

Cosby, comediante que ficou famoso na década de 80, quando era popularmente chamado de “pai da América” por seu papel paternal num seriado homônimo, foi condenado em abril deste ano. Porém, ainda não recebeu a sua sentença judicial indicando o tempo de prisão, cuja pena, pode variar entre 15 e 30 anos. O ator chegou  a ser acusado de drogar e estuprar cerca de 50 mulheres, as acusações contra ele parecem atravessar décadas, mas o caso que o levou à condenação em 2004 e se refere à Andrea Constand.

O movimento #MeToo tem sido bastante citado como um marco importante para essas movimentações em Hollywood. Ele surgiu com as acusações contra Harvey Weinstein, o grande produtor das empresas Miramax e da The Weinstein Company, responsáveis por filmes célebres, como Pulp Fiction e Kill Bill – ambos do diretor Quentin Tarantino –  e Onde os fracos não têm vez, dos irmãos Coen. As acusações contra o produtor foram inúmeras e provenientes de grandes nomes da indústria do cinema americano, tais como: Rose McGowan, Ashley Judd, Angelina Jolie, Salma Hayek e Gwyneth Paltrow, apenas para citar algumas das mais conhecidas.

Weinstein foi a segunda pessoa a ser expulsa na história da Academia – o primeiro foi o ator Carmine Caridi, por distribuir os filmes disponibilizados exclusivamente para os membros da Academia em 2004 – e a primeira cujo motivo foi por conduta de violência sexual. Porém, é necessário pontuar que, já em 2016, o longa-metragem O Nascimento de uma nação, do diretor, ator e produtor Nate Parker, numa conjuntura de valorização dos discursos das minorias, tinha perspectivas promissoras de carreira e de premiações.

Esse filme centrado no ponto de vista dos escravos revoltos, contudo, teve o seu percurso abortado subitamente quando recaiu no noticiário uma investigação que havia ocorrido no final dos nos anos 90 contra ele e seu co- roteirista Jean McGianni Celestin, num caso de estupro . Na ocasião, Nate foi inocentado enquanto Celestin foi condenado, porém, um juiz ordenou um novo julgamento em 2005 – do qual a vítima não quis testemunhar – e assim os promotores decidiram não representar as queixas.

A expulsão de Weinstein trouxe à tona muitos dos “cadáveres” e diversas outras acusações, e não só contra o produtor, como também contra outros atores e membros da Academia. Nomes como Casey Affleck, ganhador do Oscar de melhor ator no ano passado por sua performance no filme Manchester à beira mar firmou um acordo no qual pagou uma indenização no valor de 2,25 milhões de dólares; ou Kevin Spacey, demitido da série de sucesso House of Cards e sumariamente removido do longa Todo o Dinheiro do Mundo; ou então de James Franco que venceu na categoria melhor ator em comédia no Globo de Ouro de 2018, por seu papel em Artista do Desastre.

A lista se torna a cada dia que passa mais extensa, no entanto, o que chama atenção em particular para o caso de Polanski é o fato de que sua condenação datar de mais de 40 anos. Ainda assim o diretor em 2003 foi celebrado com entusiasmo por um auditório de estrelas em Hollywood devido ao seu incontestável brilhantismo em O Pianista. Aqui, o que importa destacar não é a qualidade de seu trabalho, mas a curiosa coincidência: a Academia que o premiou é a mesma que o expulsou sem que, nesse entremeio, tivesse aparecido qualquer fato novo que mudasse a situação. Nesse aspecto o que espanta é que soa pouco coerente e genuína a mudança de postura da instituição.

O discurso ético que tentam aplicar parece uma medida plástica que acaba sendo posta em prática, efetivamente, somente a aqueles – que por já serem condenados legalmente – teriam que pagar o preço para limpar o nome daqueles – muitos – que “somente” sofreram acusações. E, finalmente, a Academia estaria livre de especulações ou desconfortos com quaisquer grupos, tais como o #MeToo, que têm trazido – diga-se de passagem – bem mais lucro do que os seus membros recentemente expulsos.

Essa impressão corre por muitos cantos e bocas, e a análise sobre o movimento nem sempre é das mais positivas. Por exemplo, a pesquisa realizada pelo Thomson Reuters Foudation entrevistou no Reino Unido, Estados Unidos, Quênia, Índia e Brasil para saber se as pessoas, sobretudo para as mulheres, o movimento tem reverberado em transformações efetivas. A conclusão é que em países com melhores economias algumas mulheres se sentem mais confortáveis para falar sobre situações de assédio e prosseguirem denúncias, mas o quadro é visto de forma bem diferente quando a situação social muda.

Na Índia, onde os casos de estupro possuem números alarmantes, uma mulher  entrevistada pela Thomson Reuters afirma “ Eu dificilmente vejo as pessoas falando a respeito . Talvez elas achem que se trata de algo de curto prazo, um tipo de campanha de celebridades, mas não algo que pode afetá-las”. Uma estudante do Quênia relata que no país “ é um barulho midiático” mas que não produz efeitos. O cineasta Michael Haneke, ganhador da Palma de Ouro pelos filmes Código desconhecido (2000) e A Fita Branca (2009); e indicado ao Oscar pelo longa-metragem Amor (2013), diz que o movimento tem causado um ambiente pouco proveitoso aonde a “caça às bruxas torna cada vez mais difícil um debate sobre esse assunto [o assédio sexual] tão importante” e que se sente enquanto artista “confrontado pelo medo diante dessa cruzada contra qualquer forma de erotismo”.

Houve também  o manifesto de 100 artistas francesas, entre elas a atriz Catherine Deneuve – que protagonizou o longa de 65 dirigido por Roman Polanski, Repulsa ao Sexo – no qual o movimento Me Too é criticado por incitar condenações sobre casos que não foram julgados como é apontado pela escritora Abnousse Shalmani, que em setembro assinou um artigo, e também fez parte do manifesto das artistas francesas, onde descrevia o feminismo como um novo totalitarismo. “O feminismo se transformou em um stalinismo com todo seu arsenal: acusação, ostracismo, condenação”, disse na revista Marianne. Catherine Deneuve  afirma “Não acho que seja a forma mais adequada de mudar as coisas. O que virá depois? Denuncia tua puta? São termos muito exagerados. E, sobretudo, acho que não resolvem o problema”, declarou na época. Em linhas gerais o debate é bastante efervescente.

A expulsão de Polanski da Academia segue o desnovelar dos atuais movimentos e a ampla projeção que suas ações têm recebido da mídia, mas até mesmo para Samantha Geimer –  sim, a vítima do caso que condenou Polanski – a expulsão “é um ato cruel que só serve às aparências (…)Isso não contribui em nada para mudar a cultura sexista em Hollywood e prova que eles comeriam uns aos outros para sobreviver”.  O próprio diretor não se calou diante a expulsão e salientou o que aos seus olhos se trata de uma hipocrisia, afirmando sobre o movimento #MeToo:  “Todo mundo está tentando participar, principalmente por medo”. Polanski ainda ameaça processar a Academia, mas ao que parece seria um ato de pouca eficácia já que as normas de conduta da mesma foram, de fato, alteradas antes de sua expulsão.

O fato é que não se trata da inocência dos membros expulsos ou da legalidade de suas expulsões, mas sim dessa impressão – muito provavelmente correta – que tudo não passa de mais uma manobra de Hollywood para sustentar suas engrenagens e modos de produção. Ou seja, até aonde existe engajamento realmente e não um grande salve-se quem puder?

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Como muitos sabem, o diretor Roman Polanski foi processado, em 1978,  por ter tido relações sexuais com Samantha Geimer. Na época, ela tinha 13 anos, o que é considerado pela lei estupro presumido (“statutory rape”, quando a violência está implícita). Polanski chegou a cumprir uma pena inicial de 42 dias, mas ao ser liberado soube da possibilidade de que aplicação da pena máxima – 50 anos de prisão – estava prestes a ser decretada, então o diretor resolve sair dos Estados Unidos para Paris e nunca mais retornou.

A seguir, o processo se estende por alguns anos entre recursos e novas avaliações da investigação, para somente em 1994, quando uma nova legislação fixou a pena máxima em 4 anos, o diretor pôr fim ao processo na esfera cível, ao pagar uma indenização no valor de 225 mil dólares à vítima. A história é cercada de muitas tentativas de extradição do cineasta de volta aos EUA, sendo a mais recente em 2009, quando participou de um festival em Zurique. Além disso, houve muitas ineficazes tentativas de tornar sua presença nos Estados Unidos possível sem que ele fosse preso.  Uma das ausências mais marcantes de Polanski no país se deu no Oscar de 2003, quando ganhou a premiação na categoria de melhor diretor, pelo filme O Pianista. Na ocasião,  a Academia aceitou o prêmio em seu nome, que foi ovacionado in abstentia por todos os presentes.

Cosby, comediante que ficou famoso na década de 80, quando era popularmente chamado de “pai da América” por seu papel paternal num seriado homônimo, foi condenado em abril deste ano. Porém, ainda não recebeu a sua sentença judicial indicando o tempo de prisão, cuja pena, pode variar entre 15 e 30 anos. O ator chegou  a ser acusado de drogar e estuprar cerca de 50 mulheres, as acusações contra ele parecem atravessar décadas, mas o caso que o levou à condenação em 2004 e se refere à Andrea Constand.

O movimento #MeToo tem sido bastante citado como um marco importante para essas movimentações em Hollywood. Ele surgiu com as acusações contra Harvey Weinstein, o grande produtor das empresas Miramax e da The Weinstein Company, responsáveis por filmes célebres, como Pulp Fiction e Kill Bill – ambos do diretor Quentin Tarantino –  e Onde os fracos não têm vez, dos irmãos Coen. As acusações contra o produtor foram inúmeras e provenientes de grandes nomes da indústria do cinema americano, tais como: Rose McGowan, Ashley Judd, Angelina Jolie, Salma Hayek e Gwyneth Paltrow, apenas para citar algumas das mais conhecidas.

Weinstein foi a segunda pessoa a ser expulsa na história da Academia – o primeiro foi o ator Carmine Caridi, por distribuir os filmes disponibilizados exclusivamente para os membros da Academia em 2004 – e a primeira cujo motivo foi por conduta de violência sexual. Porém, é necessário pontuar que, já em 2016, o longa-metragem O Nascimento de uma nação, do diretor, ator e produtor Nate Parker, numa conjuntura de valorização dos discursos das minorias, tinha perspectivas promissoras de carreira e de premiações.

Esse filme centrado no ponto de vista dos escravos revoltos, contudo, teve o seu percurso abortado subitamente quando recaiu no noticiário uma investigação que havia ocorrido no final dos nos anos 90 contra ele e seu co- roteirista Jean McGianni Celestin, num caso de estupro . Na ocasião, Nate foi inocentado enquanto Celestin foi condenado, porém, um juiz ordenou um novo julgamento em 2005 – do qual a vítima não quis testemunhar – e assim os promotores decidiram não representar as queixas.

A expulsão de Weinstein trouxe à tona muitos dos “cadáveres” e diversas outras acusações, e não só contra o produtor, como também contra outros atores e membros da Academia. Nomes como Casey Affleck, ganhador do Oscar de melhor ator no ano passado por sua performance no filme Manchester à beira mar firmou um acordo no qual pagou uma indenização no valor de 2,25 milhões de dólares; ou Kevin Spacey, demitido da série de sucesso House of Cards e sumariamente removido do longa Todo o Dinheiro do Mundo; ou então de James Franco que venceu na categoria melhor ator em comédia no Globo de Ouro de 2018, por seu papel em Artista do Desastre.

A lista se torna a cada dia que passa mais extensa, no entanto, o que chama atenção em particular para o caso de Polanski é o fato de que sua condenação datar de mais de 40 anos. Ainda assim o diretor em 2003 foi celebrado com entusiasmo por um auditório de estrelas em Hollywood devido ao seu incontestável brilhantismo em O Pianista. Aqui, o que importa destacar não é a qualidade de seu trabalho, mas a curiosa coincidência: a Academia que o premiou é a mesma que o expulsou sem que, nesse entremeio, tivesse aparecido qualquer fato novo que mudasse a situação. Nesse aspecto o que espanta é que soa pouco coerente e genuína a mudança de postura da instituição.

O discurso ético que tentam aplicar parece uma medida plástica que acaba sendo posta em prática, efetivamente, somente a aqueles – que por já serem condenados legalmente – teriam que pagar o preço para limpar o nome daqueles – muitos – que “somente” sofreram acusações. E, finalmente, a Academia estaria livre de especulações ou desconfortos com quaisquer grupos, tais como o #MeToo, que têm trazido – diga-se de passagem – bem mais lucro do que os seus membros recentemente expulsos.

Essa impressão corre por muitos cantos e bocas, e a análise sobre o movimento nem sempre é das mais positivas. Por exemplo, a pesquisa realizada pelo Thomson Reuters Foudation entrevistou no Reino Unido, Estados Unidos, Quênia, Índia e Brasil para saber se as pessoas, sobretudo para as mulheres, o movimento tem reverberado em transformações efetivas. A conclusão é que em países com melhores economias algumas mulheres se sentem mais confortáveis para falar sobre situações de assédio e prosseguirem denúncias, mas o quadro é visto de forma bem diferente quando a situação social muda.

Na Índia, onde os casos de estupro possuem números alarmantes, uma mulher  entrevistada pela Thomson Reuters afirma “ Eu dificilmente vejo as pessoas falando a respeito . Talvez elas achem que se trata de algo de curto prazo, um tipo de campanha de celebridades, mas não algo que pode afetá-las”. Uma estudante do Quênia relata que no país “ é um barulho midiático” mas que não produz efeitos. O cineasta Michael Haneke, ganhador da Palma de Ouro pelos filmes Código desconhecido (2000) e A Fita Branca (2009); e indicado ao Oscar pelo longa-metragem Amor (2013), diz que o movimento tem causado um ambiente pouco proveitoso aonde a “caça às bruxas torna cada vez mais difícil um debate sobre esse assunto [o assédio sexual] tão importante” e que se sente enquanto artista “confrontado pelo medo diante dessa cruzada contra qualquer forma de erotismo”.

Houve também  o manifesto de 100 artistas francesas, entre elas a atriz Catherine Deneuve – que protagonizou o longa de 65 dirigido por Roman Polanski, Repulsa ao Sexo – no qual o movimento Me Too é criticado por incitar condenações sobre casos que não foram julgados como é apontado pela escritora Abnousse Shalmani, que em setembro assinou um artigo, e também fez parte do manifesto das artistas francesas, onde descrevia o feminismo como um novo totalitarismo. “O feminismo se transformou em um stalinismo com todo seu arsenal: acusação, ostracismo, condenação”, disse na revista Marianne. Catherine Deneuve  afirma “Não acho que seja a forma mais adequada de mudar as coisas. O que virá depois? Denuncia tua puta? São termos muito exagerados. E, sobretudo, acho que não resolvem o problema”, declarou na época. Em linhas gerais o debate é bastante efervescente.

A expulsão de Polanski da Academia segue o desnovelar dos atuais movimentos e a ampla projeção que suas ações têm recebido da mídia, mas até mesmo para Samantha Geimer –  sim, a vítima do caso que condenou Polanski – a expulsão “é um ato cruel que só serve às aparências (…)Isso não contribui em nada para mudar a cultura sexista em Hollywood e prova que eles comeriam uns aos outros para sobreviver”.  O próprio diretor não se calou diante a expulsão e salientou o que aos seus olhos se trata de uma hipocrisia, afirmando sobre o movimento #MeToo:  “Todo mundo está tentando participar, principalmente por medo”. Polanski ainda ameaça processar a Academia, mas ao que parece seria um ato de pouca eficácia já que as normas de conduta da mesma foram, de fato, alteradas antes de sua expulsão.

O fato é que não se trata da inocência dos membros expulsos ou da legalidade de suas expulsões, mas sim dessa impressão – muito provavelmente correta – que tudo não passa de mais uma manobra de Hollywood para sustentar suas engrenagens e modos de produção. Ou seja, até aonde existe engajamento realmente e não um grande salve-se quem puder?

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