quinta-feira , 21 novembro , 2024

Hollywood | O que é verdade e o que é ficção na nova série da Netflix?

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Ryan Murphy presenteou seus fãs com mais uma minissérie original intitulada Hollywood, que logo caiu no gosto popular ao oferecer uma perspectiva revitalizada – e bastante diferente – da clássica indústria do cinema dos anos 1940. Na verdade, conforme o realizador disse em uma recente entrevista ao Collider, ele não estava interessado em fazer uma “página da Wikipédia sobre Rock Hudson”, e sim uma espécie de “universo alternativo” de tudo o que aconteceu, trazendo referências icônicas e um tanto quanto esquecidas pela nova geração de pessoas que revolucionaram (ou ao menos tentaram revolucionar) a cara retrógrada e conservadora da esfera do entretenimento.

E, como já era de esperar, Murphy viria a misturar ficção com realidade em um universo próprio e bem mais ousado do que poderíamos imaginar. Apesar de alguns obstáculos e um melodrama novelesco bem maior do que o necessário, o resultado final foi competente o suficiente para sonharmos com uma Hollywood melhor. Mas é sempre bom separarmos o que de fato aconteceu e quem existiu do que foi criado especialmente para as telinhas.



Por isso, o CinePOP preparou essa singela matéria especial, que você confere abaixo:

OS PERSONAGENS

Dentre o extenso time de atores, é um fato quase óbvio dizer que o elenco mais jovem detém grande parte dos holofotes: David Corenswet, Darren Criss, Laura Harrier, Jake Picking, Jeremy Pope e Samara Weaving representam os ingênuos sonhadores que acreditam no poder de seus desejos e querem, mais que tudo, vencer na vida e ter sucesso. Entretanto, suas crenças inabaláveis e quase utópicas esbarram na experiência de Dylan McDermott, Jim Parsons, Patti LuPone, Holland Taylor e Joe Mantello, os quais representam um grupo de pessoas poderosas (em seus respectivos âmbitos) que tomaram uma dose extra de realidade e entendem os podres da profissão melhor que ninguém.

Obviamente cada protagonista e coadjuvante representa um tipo social que eu e você já vimos nos bastidores de longas-metragens, nas entrevistas em coletivas de imprensas (e nos tabloides escandalosos das revistas). Mas quem de fato existiu? Bom, além de Picking, que encarna o lendário Hudson mencionado alguns parágrafos acima, e McDermott, que vive uma versão mais cômica do cafetão Scott Bowers, todos os outros são versões ficcionais de pessoas que conhecemos. Parsons interpreta um agente de talentos ostensivo que abusa de seu poder e de seus clientes para sentir no topo do mundo; LuPone, fazendo um glorioso retorno às telinhas, vive uma ex-atriz escondida nas sombras do marido e que recorre a escapes românticos para recuperar o gostinho da alegria; Taylor é a executiva Ellen Kincaid que ensina jovens atrizes os trejeitos para conquistar Hollywood. E por aí vai.

Mas, no topo de tudo isso, há uma destemida cereja do bolo que é ofuscada pelas subtramas e pelos arcos narrativos pessoais dos personagens: Peg Entwistle. A atriz, que se jogou de cima do conhecido letreiro da cidade com apenas 24 anos, é base do longa-metragem que será rodado pelo estreante Raymond Ainsley (Criss) – e a história em questão realmente aconteceu. Criada pelo tio depois da morte prematura do pai, ela começou a carreira em 1925 na Broadway, migrando para as telonas para uma única produção (‘Thirteen Women’) antes de se matar em um surto de depressão. Seu nome é tão pouco conhecido que, no centenário da morte, pouco menos de 100 pessoas se reuniram para assistir ao filme do qual participara.

Enquanto Entwistle ganhou a homenagem que merecia na série, ela não foi a única a dar as caras nos sete episódios da minissérie. Michelle Krusiec também emprestou suas incríveis habilidades performáticas para uma rendição precisa e surpreendente de Anna May Wong, atriz sino-americana cuja carreira renderia uma série de dramas e análises do preconceito racial em Hollywood. Wong é alvo de uma das maiores injustiças da indústria: depois de alcançar o estrelato em 1924 (tornando-se inclusive um ícone da moda), ela admitiu se frustrar constantemente com a representação estereotipada dos povos asiáticos nas produções estadunidenses, motivo pelo qual se recusava a participar de várias obras audiovisuais.

Entretanto, a atriz foi coadjuvante de diversos longas, incluindo ‘Piccadilly’, ‘O Ladrão de Bagdá’ e ‘O Expresso Shanghai’, ao lado de Marlene Dietrich. Em sua chance de pegar o papel principal em ‘Terra dos Deuses’, sua ascendência chinesa fez com que a MGM recusasse a lhe dar o trabalho, optando, para viver O-Lan, Luise Rainer. E isso não é tudo: Rainer viria a ganhar seu segundo Oscar seguido pela atuação (tirando a chance de Wong). Felizmente, Murphy aproveitou sua história recontada para fazer jus ao extenso legado da artista, colocando-a no elenco de um filme bastante transgressor e, no final das contas, lhe garantindo uma estatueta de melhor atriz coadjuvante.

Dentre as várias injustiças delineadas na minissérie, a mais conhecida provavelmente seja a de Hattie McDaniel. Aparecendo em poucos episódios, a atriz vencedora do Oscar por ‘…E o Vento Levou’ foi encarnada com perfeição por Queen Latifah – e sua também memorável história foi levada às telinhas. Apesar da superficialidade da descrição, o evento de sua barragem na cerimônia do Academy Awards realmente aconteceu: ao chegar no hotel onde a premiação aconteceria, McDaniel foi barrada pelos seguranças e obrigada a entrar pela porta dos fundos. Ela só poderia subir aos palcos caso ganhasse (coisa que aconteceu) e, depois de ter interpretado a estereotipada Mammy, nunca mais conseguiu papéis significativos – motivo que explica sua afeição pela coragem e pela ousadia de Camille em se impor perante uma sociedade extremamente preconceituosa.

TINSELTOWN E O CÓDIGO HAYS

É claro que, levando em conta que Hollywood parte de um escopo verdadeiro, a própria época e o próprio cenário trariam alguns elementos de essencial verossimilhança para nossa compreensão – mesmo que alguns detalhes tenham passado despercebido, como o letreiro revisionado da cidade, que ergue-se como Hollywoodland. Mas não é isso em que iremos focar nessa parte da matéria.

Grande parte das sequências é ambientada no Ace Studios, uma das maiores companhias de cinema dos anos 1940. Mas, diferente do que a familiaridade do nome pode soar, essa empresa nunca existiu; na verdade, ela funciona como uma mistura do proposital acrônimo da MGM (visto que menciona-se a substituição de Wong para o filme ‘Terra dos Deuses’) e da Universal Pictures (comprovada pela alusão ao western ‘Tap Roots’, cujos testes de elenco já haviam começado no período que a narrativa é calcada). Murphy até mesmo confirmou, em entrevista ao The Hollywood Reporter, que a “primeira-dama” Avis (LuPone) é livremente baseada na produtora Irene Mayer Selznick (filha do presidente da MGM e esposa do produtor David O. Selznick) – indicativo de que a Ace é uma remodelagem de estúdios que realmente existiram).

Além disso, o roteiro gira em torno do Código Hays – uma espécie de censura autoproclamada que existia nas produções locais desde os anos 1920. Esse manual de conduta foi criada pelo advogado Will Hays e aplicada pelo ativista religioso Joseph Breen (que foi apelidado de “o Hitler de Hollywood”, por sua luta indefensável contra longas-metragens que “saíssem da linha”).

O Código proibia, entre outras coisas, representações inapropriadas de nudez e sexo, que eram relidos através de danças e até mesmo do simples ato do fumo); ridicularizar funcionários públicos, principalmente da elite de Hollywood; retratar religiosos de maneira pejorativa ou cômica e ofender crenças religiosas; enfatizar a violência e o uso de drogas; e, principalmente, a miscigenação e a alusão ao amor entre brancos e negros – uma das “regras” quebradas por Avis e por seu time criativo para dar vida ao filme Peg. Apesar de ter sido outorgado como modo de “limpar” a imagem dos estúdios, essa lista incabível foi alvo de contestações e perdeu forças, deixando de existir em 1968.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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E, como já era de esperar, Murphy viria a misturar ficção com realidade em um universo próprio e bem mais ousado do que poderíamos imaginar. Apesar de alguns obstáculos e um melodrama novelesco bem maior do que o necessário, o resultado final foi competente o suficiente para sonharmos com uma Hollywood melhor. Mas é sempre bom separarmos o que de fato aconteceu e quem existiu do que foi criado especialmente para as telinhas.

Por isso, o CinePOP preparou essa singela matéria especial, que você confere abaixo:

OS PERSONAGENS

Dentre o extenso time de atores, é um fato quase óbvio dizer que o elenco mais jovem detém grande parte dos holofotes: David Corenswet, Darren Criss, Laura Harrier, Jake Picking, Jeremy Pope e Samara Weaving representam os ingênuos sonhadores que acreditam no poder de seus desejos e querem, mais que tudo, vencer na vida e ter sucesso. Entretanto, suas crenças inabaláveis e quase utópicas esbarram na experiência de Dylan McDermott, Jim Parsons, Patti LuPone, Holland Taylor e Joe Mantello, os quais representam um grupo de pessoas poderosas (em seus respectivos âmbitos) que tomaram uma dose extra de realidade e entendem os podres da profissão melhor que ninguém.

Obviamente cada protagonista e coadjuvante representa um tipo social que eu e você já vimos nos bastidores de longas-metragens, nas entrevistas em coletivas de imprensas (e nos tabloides escandalosos das revistas). Mas quem de fato existiu? Bom, além de Picking, que encarna o lendário Hudson mencionado alguns parágrafos acima, e McDermott, que vive uma versão mais cômica do cafetão Scott Bowers, todos os outros são versões ficcionais de pessoas que conhecemos. Parsons interpreta um agente de talentos ostensivo que abusa de seu poder e de seus clientes para sentir no topo do mundo; LuPone, fazendo um glorioso retorno às telinhas, vive uma ex-atriz escondida nas sombras do marido e que recorre a escapes românticos para recuperar o gostinho da alegria; Taylor é a executiva Ellen Kincaid que ensina jovens atrizes os trejeitos para conquistar Hollywood. E por aí vai.

Mas, no topo de tudo isso, há uma destemida cereja do bolo que é ofuscada pelas subtramas e pelos arcos narrativos pessoais dos personagens: Peg Entwistle. A atriz, que se jogou de cima do conhecido letreiro da cidade com apenas 24 anos, é base do longa-metragem que será rodado pelo estreante Raymond Ainsley (Criss) – e a história em questão realmente aconteceu. Criada pelo tio depois da morte prematura do pai, ela começou a carreira em 1925 na Broadway, migrando para as telonas para uma única produção (‘Thirteen Women’) antes de se matar em um surto de depressão. Seu nome é tão pouco conhecido que, no centenário da morte, pouco menos de 100 pessoas se reuniram para assistir ao filme do qual participara.

Enquanto Entwistle ganhou a homenagem que merecia na série, ela não foi a única a dar as caras nos sete episódios da minissérie. Michelle Krusiec também emprestou suas incríveis habilidades performáticas para uma rendição precisa e surpreendente de Anna May Wong, atriz sino-americana cuja carreira renderia uma série de dramas e análises do preconceito racial em Hollywood. Wong é alvo de uma das maiores injustiças da indústria: depois de alcançar o estrelato em 1924 (tornando-se inclusive um ícone da moda), ela admitiu se frustrar constantemente com a representação estereotipada dos povos asiáticos nas produções estadunidenses, motivo pelo qual se recusava a participar de várias obras audiovisuais.

Entretanto, a atriz foi coadjuvante de diversos longas, incluindo ‘Piccadilly’, ‘O Ladrão de Bagdá’ e ‘O Expresso Shanghai’, ao lado de Marlene Dietrich. Em sua chance de pegar o papel principal em ‘Terra dos Deuses’, sua ascendência chinesa fez com que a MGM recusasse a lhe dar o trabalho, optando, para viver O-Lan, Luise Rainer. E isso não é tudo: Rainer viria a ganhar seu segundo Oscar seguido pela atuação (tirando a chance de Wong). Felizmente, Murphy aproveitou sua história recontada para fazer jus ao extenso legado da artista, colocando-a no elenco de um filme bastante transgressor e, no final das contas, lhe garantindo uma estatueta de melhor atriz coadjuvante.

Dentre as várias injustiças delineadas na minissérie, a mais conhecida provavelmente seja a de Hattie McDaniel. Aparecendo em poucos episódios, a atriz vencedora do Oscar por ‘…E o Vento Levou’ foi encarnada com perfeição por Queen Latifah – e sua também memorável história foi levada às telinhas. Apesar da superficialidade da descrição, o evento de sua barragem na cerimônia do Academy Awards realmente aconteceu: ao chegar no hotel onde a premiação aconteceria, McDaniel foi barrada pelos seguranças e obrigada a entrar pela porta dos fundos. Ela só poderia subir aos palcos caso ganhasse (coisa que aconteceu) e, depois de ter interpretado a estereotipada Mammy, nunca mais conseguiu papéis significativos – motivo que explica sua afeição pela coragem e pela ousadia de Camille em se impor perante uma sociedade extremamente preconceituosa.

TINSELTOWN E O CÓDIGO HAYS

É claro que, levando em conta que Hollywood parte de um escopo verdadeiro, a própria época e o próprio cenário trariam alguns elementos de essencial verossimilhança para nossa compreensão – mesmo que alguns detalhes tenham passado despercebido, como o letreiro revisionado da cidade, que ergue-se como Hollywoodland. Mas não é isso em que iremos focar nessa parte da matéria.

Grande parte das sequências é ambientada no Ace Studios, uma das maiores companhias de cinema dos anos 1940. Mas, diferente do que a familiaridade do nome pode soar, essa empresa nunca existiu; na verdade, ela funciona como uma mistura do proposital acrônimo da MGM (visto que menciona-se a substituição de Wong para o filme ‘Terra dos Deuses’) e da Universal Pictures (comprovada pela alusão ao western ‘Tap Roots’, cujos testes de elenco já haviam começado no período que a narrativa é calcada). Murphy até mesmo confirmou, em entrevista ao The Hollywood Reporter, que a “primeira-dama” Avis (LuPone) é livremente baseada na produtora Irene Mayer Selznick (filha do presidente da MGM e esposa do produtor David O. Selznick) – indicativo de que a Ace é uma remodelagem de estúdios que realmente existiram).

Além disso, o roteiro gira em torno do Código Hays – uma espécie de censura autoproclamada que existia nas produções locais desde os anos 1920. Esse manual de conduta foi criada pelo advogado Will Hays e aplicada pelo ativista religioso Joseph Breen (que foi apelidado de “o Hitler de Hollywood”, por sua luta indefensável contra longas-metragens que “saíssem da linha”).

O Código proibia, entre outras coisas, representações inapropriadas de nudez e sexo, que eram relidos através de danças e até mesmo do simples ato do fumo); ridicularizar funcionários públicos, principalmente da elite de Hollywood; retratar religiosos de maneira pejorativa ou cômica e ofender crenças religiosas; enfatizar a violência e o uso de drogas; e, principalmente, a miscigenação e a alusão ao amor entre brancos e negros – uma das “regras” quebradas por Avis e por seu time criativo para dar vida ao filme Peg. Apesar de ter sido outorgado como modo de “limpar” a imagem dos estúdios, essa lista incabível foi alvo de contestações e perdeu forças, deixando de existir em 1968.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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