Poucos filmes marcaram tanto a adolescência dos jovens dos anos 2000 quanto Eurotrip – Passaporte para a Confusão. Trazendo um tema que é muito comum para a idade, essa obra-prima do humor sacana adolescente deu um pontapé no politicamente correto e se eternizou como uma das comédias mais celebradas e divertidas dos últimos tempos. Infelizmente, na época de lançamento, o filme arrecadou pouco mais de 20 milhões de dólares, sendo que teve um orçamento de US$ 25 milhões. Com isso, qualquer possibilidade de uma sequência foi prontamente engavetada.
O filme acompanha Scotty (Scott Mechlowicz), um jovem que acabou de se formar no ensino médio e está se preparando para a faculdade. Porém, na formatura, sua namorada, Fiona (Kristin Kreuk) revela que decidiu terminar seu longo namoro com ele após traí-lo incontáveis vezes porque, segundo a menina, ele era previsível demais. Para piorar as coisas, ele dá um fora em sua amiga virtual da Alemanha, Mieke (Jessica Boehrs), porque passou esse tempo todo conversando com ela achando ser um homem – ele tratava a menina como Mike. Destinado a provar a si mesmo que é um rapaz completamente imprevisível, Scotty aproveita as férias e viaja com os amigos para a Europa, onde desembarca no país errado e dá início a uma jornada completamente inesperada e hilária para procurar a Mieke.
O grande mérito do filme é não levar nada a sério e nem se importar em ofender os países por onde passam. Dessa forma, o roteiro reúne o máximo possível de estereótipos e sacaneia cada um deles da forma mais bisonhamente engraçada possível. Por exemplo, os protagonistas desembarcam em Londres porque, segundo o vasto conhecimento norte-americano, a Europa é do tamanho de um ovo e dá para percorrer tudo andando. Na terra da rainha, eles vão parar em um bar recheado de Hooligans do Manchester United.
Essa sequência é espetacular, porque foi lançada numa época em que falar das torcidas organizadas ainda era um tabu, dado o histórico de violência. Para melhorar a situação, convidaram Vinnie Jones, ex-jogador de Wimbledon, Chelsea e Leeds, para interpretar o chefe da organizada dos Red Devils. Ah sim, caso você o reconheça de algum lugar, ele interpretou o Fanático na trilogia original dos X-Men.
Mas essa é apenas uma das passagens sensacionais do longa, que conta ainda com situações como uma luta com um mímico robô enquanto esperam na interminável fila do Louvre, uma hospedagem de rei na Eslováquia com menos de dois dólares, uma praia de nudismo em que só tem velhos tarados e até mesmo irmãos gêmeos se pegando depois de exagerarem na bebedeira de absinto.
Ainda assim, nenhuma cidade traz tantas piadas politicamente incorretas quanto a capital holandesa de Amsterdã. Começa que para chegar lá, eles enfrentam um italiano exibicionista tarado no trem. Por lá, o grupo se divide em três. Scott e Jenny (Michelle Trachtenberg) vão atrás de um bar que sirva bolinhos de maconha. Jamie (Travis Wester), o nerdzinho tímido, vai procurar uma loja para limpar sua câmera. Enquanto isso, Cooper (Jacob Pitts) vai atrás de uma autêntica experiência sexual louca europeia. Obviamente, nada dá certo e eles carimbam a passagem mais caótica em seu passaporte para a confusão.
Começa que Cooper vai parar em um clube de sadomasoquismo, onde sofre com uma experiência torturante, que envolve vibradores múltiplos, choques-elétricos e um macaquinho de brinquedo. Jenny e Scott ficam ‘na brisa’ depois de comerem vários bolinhos e começam a fazer vergonha no bar. O problema é que os bolinhos não tinham maconha, eles tinham apenas entrado em uma lanchonete com temática jamaicana. Por fim, Jamie se dá bem com a atendente da loja, mas acaba sendo assaltado por um bandido no beco em que estava consumando a relação sexual com a moça. Absolutamente TUDO que acontece em Amsterdã é hilário.
No entanto, o que mais gerou polêmica foi a reta final do longa, em que eles fazem piada com o nazismo – com direito a uma criança fazendo a marcha depois de pintar o bigode de Hitler, e cometem todas as heresias possíveis no Vaticano. É tudo tão espetacularmente absurdo que se torna impossível não soltar nem que seja um risinho culposo, quando não há intenção de gargalhar.
No Vaticano, Cooper é confundido com um deficiente mental, eles queimam o chapéu do Papa, Scotty faz sexo em um confessionário e o próprio Papa aparece brevemente para falar um palavrão. O fervorosos religiosos certamente reclamam bastante dessa sequência final, mas para a galera que embarcou a paródia e a sacanagem desde o início, é surreal a coragem e cara de pau da direção e do elenco nessa sequência. Em 2006, a comunidade católica criticou com muita rigidez O Código Da Vinci por supostas heresias cometidas na trama. Mas é certo que eles só falaram isso porque deixaram passar as zoeiras de Eurotrip.
O filme é um espetáculo da comédia adolescente, porque conta com tudo que esse ‘subgênero’ demanda. Politicamente incorreto? Tem muito. Locações inusitadas? Com certeza. Jovens loucos por sexo? O tempo todo. Nudez? Tem até bastante. É perfeito! Muitos fãs de American Pie louvam os filmes da franquia, mas Eurotrip não deve em nada à saga de Stifler e cia.
Por fim, é IMPOSSÍVEL falar desse filme sem falar do hino atemporal: Scotty Doesn’t Know. A letra chiclete foi composta e interpretada pela banda norte-americana Lustra. Para quem não se lembra, ela é ‘lançada’ na festa de formatura em que Scotty vai após o término com Fiona. Chegando lá, o vocalista da banda é um rapaz forte, careca e cheio de piercings – interpretado pelo Matt Damon. Ele chama a Fiona ao palco e dedica a música a ela, definindo a garota como a mais louca e safada ninfomaníaca que ele já conheceu. Na letra, o vocalista conta todas as vezes que a Fiona traiu o Scotty com ele, das formas mais detalhadas possíveis, incluindo no dia do aniversário do menino, que observa a tudo incrédulo enquanto todos curtem a melodia chiclete. Para tornar tudo ainda mais constrangedor, o “hit” vira sucesso na Europa e fica tocando em absolutamente todos os lugares que eles passam. O pior de tudo é que a música é realmente incrível. A parte boa é que ela está no Spotify, então basta clicar aqui para ouvi-la.
O diretor do filme, Jeff Schaffer, disse que a música foi composta sob a ordem de criar a situação mais humilhante possível em uma formatura. Bom, dá para dizer que eles conseguiram, porque a letra é realmente um esculacho com o pobre do Scott. E a história de como Matt Damon foi parar nesse filme é incrível. O ator estava em Praga para as gravações de A Supremacia Bourne (2004), quando os diretores e roteiristas de Eurotrip o convidaram para fazer uma ponta. Como o filme foi praticamente todo gravado em Praga e o trio criativo era composto pelos melhores amigos do ator na faculdade, Damon tirou um tempinho de sua folga como Jason Bourne para dar uma moral ao filme de seus velhos camaradas.
No fim das contas, Eurotrip – Passaporte para a Confusão pode ter sido um fracasso de bilheteria e sofrido com críticas negativas moralistas, mas o mais importante eles conseguiram, que foi o amor de uma geração inteirinha. E chega a ser curioso como esse filme dosa bem a sacanagem com a inocência, porque os protagonistas claramente são jovens inocentes, com pouquíssima vivência enquanto se lançam ao mundo. Talvez seja por isso que a molecada que cresceu nos anos 2000 se apaixonou tanto pelo filme, porque mesmo sendo recheado de absurdos, todo mundo conhece alguém que poderia ser personagem dessa viagem escrachada e sem limites.
Eurotrip – Passaporte para a Confusão está disponível no Globoplay.