Continuando com nosso especial Made In Brasil, que vai trazer projetos sobre a cultura pop nacional, vamos falar hoje com Nathalia Bottino, uma das criadoras da webserie Marotos: Uma História, que adapta histórias ainda não contadas do universo Harry Potter nos cinemas. Nessa conversa, ela fala sobre as dificuldades de trabalhar com o audiovisual no Brasil, as inspirações para a webserie e sobre o universo do bruxinho mais famoso dos cinemas! Confira!
– Acredito que muita gente que vai ler esse post já assistiu ‘Marotos’ e provavelmente eles não sabem muita coisa sobre quem está por trás das câmeras, então por que a gente não começa com você contando um pouco mais sobre você? Quem é Nathalia Bottino?
Eu tenho 23 anos, sou formada em cinema pela PUC-RJ, já trabalhei na produtora Tocaia Filmes e como assistente de produção no Porta dos Fundos. Minha área de atuação é direção e roteiro, já fiz o roteiro e já dirigi alguns clipes e alguns outros projetos. Eu sempre fui apaixonada por ir ao cinema, ver filmes, e minha família sempre teve o costuma de me levar ao cinema, então o cinema sempre foi algo que esteve comigo e me marcou. Eu sempre saía da sessão impactada pelos filmes, pensando sobre eles.
– E como você descobriu que cinema era a sua meta de vida?
É engraçado que eu sempre gostei de mandar e dirigir desde pequena, porque eu lembro que eu tinha primas e a gente ficava recriando cenas de algum filme, como High School Musical. E nessa de recriar as cenas, eu ia dirigindo elas. Então eu falava: “você vai ficar aqui e vai fazer isso. Aí, você vai e fala com ela e faz aquilo”. Então, esse espírito de diretora sempre esteve comigo. Mas eu acho que descobri mesmo que queria fazer cinema no ensino médio. Eu sempre tive essas veias artísticas. Sempre gostei muito de dança, da parte audiovisual, de dublagem – que é um dos meus outros sonhos -. Mas, quando fui pesquisar o que eu ia fazer da minha vida, e descobri comunicação, e, em comunicação, o cinema, eu disse: “É isso!”.
– Bom, pra fazer uma série sobre o universo de Harry Potter, acredito que você seja uma fã do bruxinho. Qual a importância do Mundo Mágico na sua vida?
Harry Potter marcou a minha vida. Harry Potter marcou a minha infância. Eu não lembro como foi a primeira vez que fui ao cinema, porque eu era muito nova, mas lembro que minha mãe chegou pra mim e disse que tinha um filme novo sobre um bruxinho. A gente foi ver e aquilo me marcou muito, e ficou comigo desde então. Eu sou aquela fã que quer ter várias coisas, tipo quadro, Funko, canecas e qualquer coisa relacionada a Harry Potter eu quero ter aqui em casa. Mas isso é porque foi uma história que me marcou muito, que marcou a minha personalidade por falar sobre amizade, amor, luta pelos seus princípios. Eu não sei o que seria de Nathalia Bottino sem Harry Potter. Eu seria uma pessoa completamente diferente sem a saga.
– Como foi o momento em que te bateu a ideia de fazer uma série sobre esse universo?
Quando eu entrei na faculdade, eu conheci uma menina chamada Luciana Carvalho, que é uma das roteiristas de ‘Marotos’, e a gente teve uma conexão muito grande. A gente sempre conversava sobre desenhos, sobre séries e Harry Potter. E ambas somos muito fãs de Harry Potter. Por conta disso, a gente começou a pensar sobre como seria uma história sobre os Marotos. Algo que nós, como fãs, sempre quisemos ver. E acho que a maioria dos fãs sempre quis ver essa história. E aí a gente começou a pensar em fazer um curta sobre isso. A gente foi lá e fez o curta, que não deu lá muito certo, não. Pra ser bem sincera, o curta deu muito errado. A gente tava na faculdade, não tinha experiência, eu nunca tinha dirigido nada na minha vida. Foi uma experiência muito “se joga! Vai lá!”. Foi algo que a gente fez pra ganhar experiência mesmo, chamando conhecidos pra fazer equipe, elenco. Nem todos eram atores mesmo, mas deu errado. Só que aí, por conta do curta, a gente conheceu outras pessoas, como a Flora, uma das roteiristas. E o Nathan, que é um dos atores da série, sugeriu da gente contar a história como uma webserie no último dia de gravação. A gente ficou mexida, até que a Flora se ofereceu para escrever o roteiro com a gente. Então eu, Flora e Luciana ficamos escrevendo o roteiro desde setembro de 2017 até março de 2018. E foi aí que começou.
– E como são as gravações? Tem muito improviso?
A gente gosta de deixar os atores se sentirem à vontade quando eles querem improvisar, porque os Marotos, como diz o próprio nome, são zoeiros, são marotos. Então, às vezes, os atores veem a possibilidade de fazer uma piada, ou alguma fala que seria engraçada ou divertida, a gente deixa. Normalmente, eles passam um pouco da linha e a gente acaba cortando na edição, porque a gente morre de rir, mas a série não é original. Ela é baseada em um universo pré-existente, então tem certas coisas que a gente TEM que seguir. Quando a gente foi escrever o roteiro, a gente sabia onde tava entrando e pesquisou TUDO para não ter erro ou furos, porque a gente sabe que os fãs de Harry Potter são muito exigentes, afinal também somos fãs, e a gente não queria ser criticada por fazer alguma coisa errada. Nós sempre temos isso em mente, então conversamos com o elenco. Eles sempre querem adicionar alguma coisa na cena, então a gente conversa e vê se encaixa no contexto. Eles amam improvisar, mas nós sempre temos essa preocupação para ver se vai afetar no desenvolvimento ou no futuro dos personagens.
– Você já teve problemas durante as filmagens, como um cenário indisponível ou pessoas curiosas interrompendo as gravações?
Com certeza! Inclusive, a gente tem lançado os making ofs das gravações lá no canal e eles têm todos os problemas que enfrentamos durante as filmagens. Por exemplo, a gente sempre grava em locações gratuitas, porque a gente não tem dinheiro, o projeto é financiado por doações dos fãs, então a gente trabalha com o orçamento mínimo. E se já é difícil encontrar locações gratuitas, pense em procurar uma locação com arquitetura que lembre Hogwarts no Rio de Janeiro. Porque a gente costuma gravar aqui no Rio, indo, no máximo, até Petrópolis ou Teresópolis. Essa parte arquitetônica e financeira é muito difícil, então costumamos ter problemas. Já teve locação que tava acertada com a gente. Aí, no dia anterior à filmagem, caiu a locação. Estamos sempre na imprevisibilidade desse tipo, mas na questão de curiosos, ainda não tivemos muito problema com isso, não. Já aconteceu de estarmos gravando a cena da Lílian e do Tiago na cozinha – a cena da D.R., como a gente costuma chamar. E aí, de repente, começa um barulho altíssimo de furadeira no prédio do lado. E lá fomos nós falar com o moço. A gente começou a gritar pela janela e conseguimos resolver assim. Logo em seguida, uma vizinha colocou música super alta, e lá fomos nós de novo. Então assim, a gente tá sujeito a essas coisas. E a gente tem que saber como falar, explicar que tá fazendo uma gravação ali. Mas, ao mesmo tempo, isso é muito engraçado. E como a gente tem tudo registrado no making of, acaba sendo difícil e engraçado, e dá pra ter uma ideia melhor vendo os vídeos no canal. É muita história pra contar hahahahaha.
– E como foi a repercussão da série?
Eu fico muito feliz com a repercussão da série porque virou assunto não só no universo dos fãs de Harry Potter, mas também repercutiu no mundo dos criadores do audiovisual, principalmente aqui no Rio. Eles sabem como a gente sofre pra fazer o projeto e isso me deixa muito feliz. Através do projeto, a gente conseguiu frequentar o YouTube Space, conhecer outros criadores, divulgar o nosso trabalho. Mas assim, entre o fandom de Harry Potter, a gente tá bem estabelecido. Muitas pessoas conhecem e seguem a série, a gente tem muitos fã-clubes, nossos atores têm muitos fã-clubes, é uma coisa que a gente nunca imaginou que fosse acontecer, sabe? Os atores foram reconhecidos na rua por fãs! Isso é muito louco e gratificante, porque é isso que a gente pode ter com essa série. A gente não consegue ganhar dinheiro pra gente porque a obra não é nossa, então a gente acaba ganhando em reconhecimento do nosso trabalho e repercussão disso. Eu fico feliz que isso aconteça. E como eu sou ambiciosa, quero sempre que nossos números cresçam, mas sei que os fã-filmes estrangeiros sempre vão ter mais visualizações que os nossos porque a gente tá no Brasil, a gente tá falando em português, não inglês, então a gente sabe que é mais difícil de atingir mais pessoas. Mas a gente já teve visualizações em vários países. Tipo, a Bella Russo, que é uma das nossas atrizes, foi viajar para o Japão e encontrou uma fã lá que tinha visto a série. Temos muitos fãs de Portugal, que são bem fãs e acompanham a gente. E isso é muito incrível, porque tem essa limitação da língua, mas as legendas que a gente coloca, em inglês e espanhol, ajudam nesse ponto.
E acho que a prova dessa repercussão é que a gente foi indicada a dois prêmios do Rio WebFest de 2019, de melhor abertura e créditos, e melhor série infanto-juvenil, e ser indicado logo na primeira vez que a gente se inscreveu no festival foi muito incrível. Esse ano, a gente foi indicado em SETE categorias e espero que a gente consiga levar um dos prêmios pra casa, porque a qualidade do episódio dois cresceu bastante em relação ao primeiro e a nossa meta é seguir melhorando cada vez mais.
– Vocês produzem a webserie de maneira independente. Quais as dificuldades de criar conteúdo audiovisual no Brasil?
Eu até rio porque são tantas as dificuldades de trabalhar com audiovisual no Brasil. Porque se já é difícil fazer audiovisual financiado no Brasil, imagine fazer audiovisual independente baseado em um universo no qual você não tem os direitos sobre a obra, que se passa nos anos 1970, que precisa de efeitos especiais, que se passa na Inglaterra, mas é filmada no Brasil… Bem, a dificuldade triplica, fica muito mais difícil do que já é. A gente sabe que a cultura no nosso país não é valorizada, a gente não tem qualquer tipo de patrocínio, só alguns apoiadores que emprestam equipamentos, então fazer a série “só” com o apoio dos fãs, é complicado. Uma série tão grande, porque é megalomaníaca mesmo, que tem gasto com arte e figurino, porque a gente tem que remeter ao que as pessoas têm no imaginário sobre Harry Potter, e sem patrocínio? É muito difícil mesmo, então, geralmente, a gente tem que se virar nos 30, ser bem cara de pau, pedir as coisas, ser muito insistente para conseguir as locações, explicar que a equipe é reduzida e que os equipamentos não são muito espaçosos para convencer as pessoas. Então, a gente costuma ir com a câmera, um tripé e o equipamento de som. Então a gente tenta pensar em outras formas para conseguir dinheiro, para não depender “só” das doações. Por exemplo, a gente tem a nossa lojinha, com produtos oficiais da série, em que a pessoa pode ajudar a série adquirindo um produto. A gente faz sorteios. Durante a pandemia, a gente faz chamadas de vídeo exclusivas do elenco e quem pagar acima de tal valor pode participar. Então assim, a gente precisa ser muito criativo e conseguir se adaptar ao que a gente tem. Tem vezes que a gente pensa em uma cena, mas acaba recebendo um “não” da produção, e a gente muda, porque, né? Às vezes a gente muda, às vezes, não, porque a cena precisa ser naquela locação e a gente corre atrás para se adaptar. É muito na base do perrengue mesmo. Mas isso acaba sendo muito bom porque a gente aprende a se adaptar. E quando o profissional aprende a se adaptar ao momento, ele cresce. Porque o profissional do audiovisual está sujeito a essa imprevisibilidade tanto num projeto independente quanto num projeto com verba.
– O episódio 2 está bombando. Vocês têm planos de fazer novas temporadas?
Enquanto a primeira temporada é mais voltada para Hogwarts, talvez até por isso seja tão complicada de fazer, a segunda temporada não está com o roteiro 100% pronto. Nossa ideia era terminar onde Harry Potter começa, mas a gente tá trabalhando nessa segunda temporada aos poucos. Porque a gente percebeu que esse projeto não pode ser pensado em longo prazo. As coisas mudam, e a gente tem que sempre pensar no que dá para fazer no momento. Nossa meta agora é terminar o episódio 3. Não sabemos quando vamos voltar a gravar o episódio por conta da pandemia, que ainda não acabou, e a gente acha que, por termos muitas gravações em lugares fechados, seria arriscado voltar a gravar agora. Então, provavelmente só vamos voltar a gravar no ano que vem, deixando o episódio 3 para 2021. Depois dele, vamos avaliar a questão do roteiro, ver o que nós vamos fazer, se vamos reduzir a trama… Mas assim, a ideia de fazer a segunda temporada, que deve mostrar mais da guerra, existe, sim. Só precisamos de dinheiro, porque não dá para viver só de sonhos. A gente depende do dinheiro das doações, só que ele é muito incerto. A gente tá recebendo esse dinheiro agora, mas mês que vem ninguém sabe. Então não dá pra prometer uma nova temporada justamente por isso. É complicado.
– Até onde você acha que a série pode chegar? Você acredita em fazer outros spin-offs no mesmo universo?
Então, aparecendo um patrocinador, que banque a gente, a gente chega a uma segunda, terceira temporada. Porque a gente sabe o que quer contar e sabe até onde quer ir, mas sem dinheiro é complicado. Se você quiser ver mais episódios de Marotos, ajude divulgando o projeto, fazendo as doações, indicando patrocinadores mesmo que sejam pequenos… É um projeto que precisa da ajuda dos fãs. Porém, acabando Marotos, eu não pretendo mais fazer spin-offs, não. Porque você fazer um conteúdo sobre o qual você não tem os direitos e não pode receber por isso é gratificante por trabalhar em um universo que você ama, mas é complicado não poder receber por isso. Somos profissionais e somos muito gratos a tudo que o projeto nos traz, só que acredito que após Marotos, será hora de eu buscar outros projetos.
– Por fim, qual mensagem você passaria para alguém que esteja na dúvida de seguir pelo mundo do audiovisual?
As pessoas têm um conceito muito deturpado de trabalhar com audiovisual. Tem aqueles que acham que é só balbúrdia e tem os que acham que é só o glamour e as entrevistas. Mas é uma profissão que, como qualquer outra, te exige muito estudo, te exige que você esteja sempre se especializando e renovando, porque o mercado é duro e te exige muito esforço. Como são muitas áreas de atuação, você precisa saber muito sobre elas. E como precisa de investimento, você acaba aprendendo muita coisa na prática. A faculdade é importante, mas talvez não seja necessária. Se você fizer um curso especializado, talvez seja melhor. Se você quiser trabalhar com sets, procure um lugar que te proporcione trabalhar com isso na prática, que você passe pelos perrengues e sinta na pele como é. A parte de como vender um filme, o que fazer com seu projeto depois de pensar no roteiro, como viabilizar seu projeto… Eu sinto que isso não foi passado tão bem pela faculdade e são partes essenciais para quem quer viver do audiovisual, sabe? São coisas que você acaba pegando na prática. Faça networking, seja paciente e busque crescer. Se você quiser entrar no mundo do audiovisual, entre sabendo das dificuldades que ele te proporciona. Mas assim, é algo muito gratificante. Para mim, estar em um set é uma sensação incrível! Estar produzindo arte com outras pessoas… Ah, é sempre bom lembrar que é um mundo de trabalho coletivo, então você precisa saber trabalhar com pessoas. Mas no final, todo o trabalho, o choro, os perrengues valem a pena. O foco tem que ser fazer arte e não se prender a querer fama. E se você sente que é com isso que você quer trabalhar, se joga! Vai de cabeça, corre atrás, busque indicações… Vai com tudo!