sábado, abril 27, 2024

Malévola | Revisitando uma das primeiras releituras em live-action da Disney

‘A Bela Adormecida’ não apenas é um dos contos mais conhecidos do panteão fabulesco dos séculos XVI e XVII, mas também é uma das animações mais queridas dos estúdios Walt Disney. Além de ter caído no gosto popular e ser assistido até os dias de hoje pelas muitas gerações que passam a apreciar os filmes da companhia, o longa representou uma considerável modernização das técnicas animadas, buscando novas maneiras de eternizar uma narrativa tão apaixonante quanto esta. Qual foi nossa surpresa quando os estúdios resolveram mergulhar ainda mais fundo nessa mitologia e trazer aos fãs uma versão interessante e que prometia ser um dos melhores remakes da Disney: Malévola.

É claro que Malévola talvez seja a maior vilã a já dar as caras no cosmos animado da Casa Mouse. Diferente da Rainha Má, do Capitão Gancho ou até mesmo de Cruella De Vil, a usurpadora do trono do Reino é uma poderosa feiticeira que não aceita não como resposta e está disposta a fazer o possível para alcançar seus objetivos – até mesmo amaldiçoar uma garota de dezesseis anos e todos os habitantes de seu Reino. E mais: Malévola é tão poderosa que até mesmo pode se transformar em dragão, e o prospecto de vê-la se transmutando na gigantesca criatura em live-action certamente deixou grande parte do público com as expectativas lá em cima.

Entretanto, não é exatamente isso o que acontece: Robert Stromberg, responsável pelo design de produção de filmes como Avatar’ e A Bússola de Ouro, parece não conseguir focar em todos os aspectos de sua estreia diretorial nos cinemas, e sim escolher alguns pontos que, sem sombra de dúvida, despontam em meio aos deslizes narrativos e técnicos que apresenta em pouco mais de noventa minutos de duração. E pior, alguns elementos clássicos são esquecidos e jogados para debaixo do tapete, revestidos com uma perspectiva que pode até ser original, mas falha em todos os aspectos quanto a satisfazer os desejos do público.

Em se tratando de histórias de origem, é costumeiro que a trama principal volte um tempo considerável no passado para nos apresentar aos personagens principais. E diferente do que imaginávamos, Malévola (Angelina Jolie) nunca foi má: ela na verdade era uma fada protetora dos Moors, raça de criaturas fantásticas que habitam a Floresta Encantada. Depois de perder seus pais, ela começa a viver por conta própria até cruzar caminhos com o jovem Stefan (interpretado por Sharlto Copley quando mais velho), pelo qual cria uma amizade e depois se apaixona. Entretanto, as ambições de Stefan os colocam em caminhos diferentes: enquanto este deseja conquistar o Reino, aquela cresce para se tornar uma guerreira poderosa, líder dos Moors.

Stromberg, ao menos no primeiro ato, arquiteta uma interessante narrativa tour-de-force que traz Malévola como uma vítima que cultiva um crescente ódio em seu coração, principalmente após Stefan arrancar suas asas como falsa prova de tê-la matado para conquistar a coroa. Ela percebe que não pode confiar em ninguém além de si mesma e, partindo disso e levando em consideração que seu primeiro amor mostrou ser uma pessoa horrível, egoísta e desprezível, ela arquiteta um plano de vingança, rogando uma maldição sobre Aurora (Elle Fanning), filha de Stefan e futura rainha. O feitiço inquebrável irá se concretizar no décimo sexto aniversário da menina e, até aqui, o longa mantém-se fiel ao conto e à animação originais, mesmo deixando a icônica antagonista bem mais complexa e humanizada.

Mergulhando em um desespero completo, Stefan envia sua filha para viver com três fadas, Flora, Fauna e Primavera, sendo criada por elas e protegida por um contrafeitiço também conhecido por todos e eternizado pela maior parte dos contos de fada Disney: o beijo do amor verdadeiro. É claro que esta cena talvez seja uma das mais aguardadas do filme, porém, conforme a história se desenrola, percebemos que essa demonstração de amor na verdade não terá nada a ver com o “príncipe encantado” (Brenton Thwaites), que na verdade aparece por alguns minutos e depois adentra um cômico arco que descontrói a idealização do cavaleiro que salvará a donzela em perigo.

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A partir do começo do segundo ato, a obra infelizmente cai em uma triste monotonia que, apesar dos cuidados artísticos, não consegue nos envolver nem nos encantar. A trama desmembra-se em alguns plots, incluindo a falta de cautela das fadas, que são mais desastradas que qualquer coisa, a crescente loucura que consome a mente de Stefan e a inesperada afeição que Malévola cria por Aurora, chegando até mesmo a enxergá-la como filha, ainda que a despreza no começo. Entretanto, nenhum desses blocos é realizado com exploração máxima de seus potenciais, preferindo permanecer numa zona de conforto que nos leva a esperar algo que nunca se cumpre; em outras palavras, as expectativas do filme não correspondem ao que Stromberg nos entrega, deixando-nos com um angustiante vazio.

Talvez o mais frustrante ocorra conforme o último ato caminha para sua conclusão. Em uma batalha final entre Malévola, que na verdade deseja salvar Aurora, e Stefan e seus cavaleiros, ela na verdade transforma um de seus asseclas no perigoso dragão ao invés de nos mostrar o ápice de seu poder. Isso não apenas quebra a mitologia criada por Charles Perrault, como também indica que a personagem não é tão poderosa quanto parece e prefere residir nas sombras com seu sorriso maligno ao invés de fazer as coisas por conta própria – o que sempre defendeu desde que foi traída por seu amigo e confidente.

De qualquer forma, Malévola’ encontra brilho na incrível performance de Jolie, que sem dúvida alguma é a melhor coisa do filme. Ela resgata em cada simples gesto a compostura e a nobreza da vilã, além de deixar bem claro que sua personalidade aventureira sobre um bruto impacto que a traumatiza e a transforma em um dos seres mais perigosos da Floresta Encantada. E, apoiando essa complexa construção, Stromberg também direciona seus esforços para uma arte aplaudível e que recupera inúmeros elementos do cinema clássico, incluindo estéticas expressionistas (a névoa, por exemplo, é um elemento constante na presença da protagonista) e o uso do onirismo mágico.

Angelina Jolie pode até provar sua versatilidade como atriz, entregando-se a um papel digno do nome que construiu na indústria, mas o filme em si é mais vazio do que parece. Mesmo que algumas cenas mostrem que as intenções do diretor eram as melhores possíveis, não podemos deixar de sentir várias lacunas na obra. Em suma, mesmo quase dez anos depois de seu lançamento original, o filme morre afogado antes que consiga chegar à praia.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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