quinta-feira , 26 dezembro , 2024

‘Meu Adorável Fantasma’ | Os 40 Anos do Remake Hollywoodiano de ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’

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Dona Flor e Seus Dois Maridos é indiscutivelmente um dos maiores clássicos do cinema brasileiro e um de seus maiores sucessos. Lançado em 1976, o longa é a adaptação para as telonas do livro do icônico romancista baiano Jorge Amado, publicado dez anos antes, em 1966. Mas você sabia que essa verdadeira joia de nossa cultura já foi exportada para a gringa? Pois é, Dona Flor e Seus Dois Maridos foi refilmado lá em Hollywood com o título Meu Adorável Fantasma (Kiss Me Goodbye), com um grande estúdio por trás e verdadeiros astros no elenco. Esse remake completa 40 anos de lançamento em 2022, e aqui iremos descortinar um pouco esta curiosa e obscura produção.

Como dito, Dona Flor e Seus Dois Maridos é um dos filmes mais famosos de nossa filmografia – ainda muito referenciado quando comentamos sobre cinema brasileiro. A obra deu origem a todo tipo de nova adaptação, desde uma minissérie em 1998, passando por um remake moderno no cinema, em 2017, e até mesmo uma peça na Broadway intitulada Saravá – três anos após o filme original. Pelo visto os americanos realmente se apaixonaram pela história de Amado.



Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976) é um dos maiores sucessos do cinema brasileiro.

A trama é o que contadores de histórias chamam de “farsa”, algo fantasioso e rocambolesco. Dona Flor, uma bela morena, é uma mulher batalhadora que caiu nos encantos de Vadinho. Os dois se casam, mas o sujeito está longe de ser o marido perfeito. Farrista, mulherengo e apostador, Vadinho está sempre devendo na praça e precisando de dinheiro da mulher, que o sustenta. A única coisa que os mantém juntos é química perfeita e sexual que a fogosa Flor tem com o marido cafajeste. Quando ela tenta dar um basta na situação, Vadinho é morto pelos cobradores. Um tempo depois, Flor resolve se casar novamente, com seu novo pretendente. O Doutor Teodoro é um farmacêutico, dono de um negócio próspero, muito trabalhador, fiel e honesto. O tipo de homem perfeito. Mas Flor não sente por ele o que sentia por Vadinho. É a concretização da velha máxima da razão contra a emoção.

A mensagem por trás da história é que não controlamos nosso coração e nossos sentimentos, e muitas vezes eles nos empurram para alguém que nossa razão não compreende. Para alguém muitas vezes inadequado para o que pretendemos construir em nossas vidas. Afinal não se pode ter tudo. Depois de casada com Teodoro, a dona Flor começa a presenciar aparições de seu ex, o falecido Vadinho. O fantasma de Vadinho continua a tenta-la e a querer mostra-la que a felicidade plena, ao menos carnal e sentimental, ela só tinha com ele. Podemos interpretar até mesmo de outra forma as aparições do espírito de Vadinho: como sendo do subconsciente de Flor, que ficou tão abalada com a morte do homem que verdadeiramente amava e era apaixonada, apesar de todos os defeitos, que começou a criar em seu imaginário a figura do marido morto.

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A cena mais icônica de ‘Dona Flor’ e uma das mais emblemáticas de nosso cinema, certamente ficou de fora da versão pudica norte-americana.

O filme de 1976, a primeira adaptação para as telas da obra de Amado, apresentou internacionalmente a beleza de Sônia Braga, que viria a se tornar uma de nossas maiores estrelas. Pouco tempo depois, Braga inclusive teve um relacionamento muito noticiado com um dos reis de Hollywood, Robert Redford, na década de 1980 – época em que a carreira da atriz havia deslanchado em terras do tio Sam. Completando o trio de protagonistas, o deboche de José Wilker caiu como uma luva para o malandro Vadinho, e a seriedade da atuação de Mauro Mendonça foi certeira para o “quadrado” Teodoro.

Na minissérie de 1998, o trio Dona Flor, Vadinho e Teodoro ganhava as formas de Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini respectivamente. No remake de 2017, foi a vez de Juliana Paes, Marcelo Faria e Leandro Hassum (em um de seus poucos papeis “sérios” nas telas) darem sua versão de tais personagens impactantes culturalmente. Paes, aliás, se tornou uma especialista não apenas em levar o texto de Jorge Amado para as telas encarnando suas personagens protagonistas, como também em seguir os passos da veterana Sônia Braga. Isso porque além de ter “vestido” a nova versão de Dona Flora, Juliana Paes foi também a “apimentada” Gabriela (Cravo e Canela) numa minissérie de 2012 – livro que Amado lançou em 1958. Gabriela foi levada às telas de TV em 1975 nas formas de Sônia Braga, e depois, em 1983, ganharia os cinemas, novamente nas formas de Braga em um filme com direção do mesmo Bruno Barreto do Dona Flor original.

O trio gringo de ‘Dona Flor’ é formado por Sally Field (no centro), James Caan (à direita) e Jeff Bridges (à esquerda) – todos indicados ou vencedores do Oscar.

O curioso foi a aceitação e a forma como este conto tipicamente com tempero brasileiro conseguiu penetrar em território gringo. Notoriamente sem o nosso “rebolado”, os americanos abraçaram essa história, em partes, erótica. Primeiro, três anos depois do lançamento do filme – que fez sucesso por lá – a história foi transformada em uma peça da Broadway intitulada Saravá. Seis anos depois do longa original foi a vez de Hollywood virar sua atenção para ele e resolver adaptá-lo em uma comédia. Com roteiro de Charlie Peters e direção de veterano renomado Robert Mulligan (O Sol é para Todos e Houve uma vez um Verão), a versão gringa de Dona Flor teve produção e lançamento da 20th Century Fox.

A principal diferença que podemos notar é a diluição maciça de qualquer erotismo no enredo. Enquanto Dona Flor possui o calor da Bahia, atrações carnais, nudez e o corpo a corpo de uma história de pecado, química e tentações; a versão norte-americana é comportada e pudica, passada nos dias frios de Nova York, onde tudo é mais formal. A obra brasileira é um beijo de língua na boca, enquanto esta refilmagem é uma tímida segurada de mãos. Sabe aquela velha história de “perdido na tradução”? Pois bem, culturalmente é bem isso o que ocorre aqui.

A vencedora do Oscar Sally Field é Kay, a versão americana da morena Dona Flor.

A protagonista aqui é Kay, casada com o boêmio artista e coreógrafo Jolly (ou ”alegre”, na tradução). Três anos depois que o sujeito morre, ela é convencida a voltar a morar na antiga casa deles pelo atual noivo, o monótono egiptólogo Rupert. No local, é claro, Kay terá visões muito reais de seu falecido marido. O tempero diluído de Meu Adorável Fantasma em relação a seu original fez do filme apenas mais uma comédia de temática “angelical” que estava em voga em Hollywood no período – seguindo produções como O Céu Pode Esperar (1978), por exemplo.

Para o papel protagonista o diretor Robert Mulligan mirou alto e visava a vencedora do Oscar Sally Field. A atriz era um nome quentíssimo da indústria na época, saída do seriado A Noviça Voadora, Sally Field havia se estabelecido como uma das atrizes mais requisitadas no fim da década de 70 e início de 80. Ajudou ainda mais sua carreira o fato de ter ganhado o Oscar em 1980 pelo drama biográfico sobre a sindicalista empoderada Norma Rae. Assim, no início dos anos 80 todos queriam trabalhar com Field. E sem perder tempo, o cineasta Robert Mulligan ofereceu um salário de US$1 milhão para a atriz, além de prometer seu nome como o primeiro nos créditos – a fim de atrair a estrela ao projeto. E deu certo, logo Sally Field estava a bordo substituindo e criando sua versão norte-americana para a Dona Flor da morena Sônia Braga. Eventualmente Field ganharia um segundo Oscar, mas não por esse filme, e sim por Um Lugar no Coração, dois anos depois.

“Jolly” só no nome. O veterano James Caan teria odiado as filmagens de ‘Meu Adorável Fantasma’, o remake americano de ‘Dona Flor’.

Para o segundo nome de peso no elenco, o malandro Vadinho, ou melhor, o coreógrafo com alma de artista e boêmio Jolly, foi contratado outro ator indicado ao Oscar. James Caan recebeu sua nomeação da Academia em 1973 pelo clássico absoluto O Poderoso Chefão, onde viveu o esquentado Sonny. Depois disso, Caan se tornava um astro nos anos 70 e início de 80. Ao contrário da companheira de tela, James Caan aceitou o papel por metade do valor de seu usual salário. Talvez pela chance de trabalhar com o prestigiado diretor do filme. No entanto, é reportado que o ator viria a se arrepender, e a experiência durante as filmagens do longa teria sido tão ruim que ele ficaria cinco anos sem aceitar nenhum filme até ser convocado novamente pelo colega Francis Ford Coppola para Jardins de Pedra (1987).  Segundo relatos, Caan estava tudo menos “Jolly” (Alegre) nos bastidores.

Fechando o trio principal de protagonistas, um então jovem Jeff Bridges deu vida para Rupert, o novo marido de “Dona Flor”. No mesmo ano, o ator participaria da superprodução da Disney visualmente revolucionária, Tron: Uma Odisseia Eletrônica. Seu papel aqui, no entanto, é basicamente viver um homem seguro e confiável, sem qualquer outro atrativo. Bridges a esta altura igualmente não era estranho à fama e ao prestígio. Tendo estrelado blockbusters como o remake de King Kong (1976) e entrava no projeto com duas indicações ao Oscar debaixo do braço (por A Última Sessão de Cinema e O Último Golpe).

Um dos cartazes em espanhol de ‘Meu Adorável Fantasma’, remake gringo de ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’.

Meu Adorável Fantasma, por incrível que pareça, não se tornou um fracasso financeiro retumbante para o estúdio. Com um orçamento por volta dos US$8 milhões, o filme viu de retorno aos seus cofres algo em torno dos US$15 milhões – se pagando e rendendo algum lucro. As críticas, no entanto, não perdoaram o longa. Seu destino, como sabemos, foi o ostracismo, rapidamente varrido para debaixo do tapete onde permanece até hoje, sem que muitos cinéfilos de respeito sequer saibam de sua existência. Sim, a refilmagem gringa de Dona Flor e Seus Dois Maridos é um filme obscuro até para os escolados.

Lançado nos EUA no fim do ano, em 22 de dezembro de 1982 – bem a tempo para as festividades natalinas – o filme estreou em outros países do mundo apenas em 1983. No ranking das bilheterias Meu Adorável Fantasma não foi bem. Sem outro grande lançamento na data, o filme sequer conseguiu emplacar entre os cinco mais vistos, estreando em nona posição, enfrentando apenas produções que já estavam em cartaz – como Tootsie, O Brinquedo e 48 Horas.

Meu Adorável Fantasma é um dos claros exemplos saídos de uma época pré-globalização de filmes que funcionam bem para certos territórios e culturas e parecem se perder completamente de contexto na tradução para outras localidades. Ou seja, Meu Adorável Fantasma é qualquer coisa, menos Dona Flor e seus Dois Maridos ou Jorge Amado.

 

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‘Meu Adorável Fantasma’ | Os 40 Anos do Remake Hollywoodiano de ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’

Dona Flor e Seus Dois Maridos é indiscutivelmente um dos maiores clássicos do cinema brasileiro e um de seus maiores sucessos. Lançado em 1976, o longa é a adaptação para as telonas do livro do icônico romancista baiano Jorge Amado, publicado dez anos antes, em 1966. Mas você sabia que essa verdadeira joia de nossa cultura já foi exportada para a gringa? Pois é, Dona Flor e Seus Dois Maridos foi refilmado lá em Hollywood com o título Meu Adorável Fantasma (Kiss Me Goodbye), com um grande estúdio por trás e verdadeiros astros no elenco. Esse remake completa 40 anos de lançamento em 2022, e aqui iremos descortinar um pouco esta curiosa e obscura produção.

Como dito, Dona Flor e Seus Dois Maridos é um dos filmes mais famosos de nossa filmografia – ainda muito referenciado quando comentamos sobre cinema brasileiro. A obra deu origem a todo tipo de nova adaptação, desde uma minissérie em 1998, passando por um remake moderno no cinema, em 2017, e até mesmo uma peça na Broadway intitulada Saravá – três anos após o filme original. Pelo visto os americanos realmente se apaixonaram pela história de Amado.

Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976) é um dos maiores sucessos do cinema brasileiro.

A trama é o que contadores de histórias chamam de “farsa”, algo fantasioso e rocambolesco. Dona Flor, uma bela morena, é uma mulher batalhadora que caiu nos encantos de Vadinho. Os dois se casam, mas o sujeito está longe de ser o marido perfeito. Farrista, mulherengo e apostador, Vadinho está sempre devendo na praça e precisando de dinheiro da mulher, que o sustenta. A única coisa que os mantém juntos é química perfeita e sexual que a fogosa Flor tem com o marido cafajeste. Quando ela tenta dar um basta na situação, Vadinho é morto pelos cobradores. Um tempo depois, Flor resolve se casar novamente, com seu novo pretendente. O Doutor Teodoro é um farmacêutico, dono de um negócio próspero, muito trabalhador, fiel e honesto. O tipo de homem perfeito. Mas Flor não sente por ele o que sentia por Vadinho. É a concretização da velha máxima da razão contra a emoção.

A mensagem por trás da história é que não controlamos nosso coração e nossos sentimentos, e muitas vezes eles nos empurram para alguém que nossa razão não compreende. Para alguém muitas vezes inadequado para o que pretendemos construir em nossas vidas. Afinal não se pode ter tudo. Depois de casada com Teodoro, a dona Flor começa a presenciar aparições de seu ex, o falecido Vadinho. O fantasma de Vadinho continua a tenta-la e a querer mostra-la que a felicidade plena, ao menos carnal e sentimental, ela só tinha com ele. Podemos interpretar até mesmo de outra forma as aparições do espírito de Vadinho: como sendo do subconsciente de Flor, que ficou tão abalada com a morte do homem que verdadeiramente amava e era apaixonada, apesar de todos os defeitos, que começou a criar em seu imaginário a figura do marido morto.

A cena mais icônica de ‘Dona Flor’ e uma das mais emblemáticas de nosso cinema, certamente ficou de fora da versão pudica norte-americana.

O filme de 1976, a primeira adaptação para as telas da obra de Amado, apresentou internacionalmente a beleza de Sônia Braga, que viria a se tornar uma de nossas maiores estrelas. Pouco tempo depois, Braga inclusive teve um relacionamento muito noticiado com um dos reis de Hollywood, Robert Redford, na década de 1980 – época em que a carreira da atriz havia deslanchado em terras do tio Sam. Completando o trio de protagonistas, o deboche de José Wilker caiu como uma luva para o malandro Vadinho, e a seriedade da atuação de Mauro Mendonça foi certeira para o “quadrado” Teodoro.

Na minissérie de 1998, o trio Dona Flor, Vadinho e Teodoro ganhava as formas de Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini respectivamente. No remake de 2017, foi a vez de Juliana Paes, Marcelo Faria e Leandro Hassum (em um de seus poucos papeis “sérios” nas telas) darem sua versão de tais personagens impactantes culturalmente. Paes, aliás, se tornou uma especialista não apenas em levar o texto de Jorge Amado para as telas encarnando suas personagens protagonistas, como também em seguir os passos da veterana Sônia Braga. Isso porque além de ter “vestido” a nova versão de Dona Flora, Juliana Paes foi também a “apimentada” Gabriela (Cravo e Canela) numa minissérie de 2012 – livro que Amado lançou em 1958. Gabriela foi levada às telas de TV em 1975 nas formas de Sônia Braga, e depois, em 1983, ganharia os cinemas, novamente nas formas de Braga em um filme com direção do mesmo Bruno Barreto do Dona Flor original.

O trio gringo de ‘Dona Flor’ é formado por Sally Field (no centro), James Caan (à direita) e Jeff Bridges (à esquerda) – todos indicados ou vencedores do Oscar.

O curioso foi a aceitação e a forma como este conto tipicamente com tempero brasileiro conseguiu penetrar em território gringo. Notoriamente sem o nosso “rebolado”, os americanos abraçaram essa história, em partes, erótica. Primeiro, três anos depois do lançamento do filme – que fez sucesso por lá – a história foi transformada em uma peça da Broadway intitulada Saravá. Seis anos depois do longa original foi a vez de Hollywood virar sua atenção para ele e resolver adaptá-lo em uma comédia. Com roteiro de Charlie Peters e direção de veterano renomado Robert Mulligan (O Sol é para Todos e Houve uma vez um Verão), a versão gringa de Dona Flor teve produção e lançamento da 20th Century Fox.

A principal diferença que podemos notar é a diluição maciça de qualquer erotismo no enredo. Enquanto Dona Flor possui o calor da Bahia, atrações carnais, nudez e o corpo a corpo de uma história de pecado, química e tentações; a versão norte-americana é comportada e pudica, passada nos dias frios de Nova York, onde tudo é mais formal. A obra brasileira é um beijo de língua na boca, enquanto esta refilmagem é uma tímida segurada de mãos. Sabe aquela velha história de “perdido na tradução”? Pois bem, culturalmente é bem isso o que ocorre aqui.

A vencedora do Oscar Sally Field é Kay, a versão americana da morena Dona Flor.

A protagonista aqui é Kay, casada com o boêmio artista e coreógrafo Jolly (ou ”alegre”, na tradução). Três anos depois que o sujeito morre, ela é convencida a voltar a morar na antiga casa deles pelo atual noivo, o monótono egiptólogo Rupert. No local, é claro, Kay terá visões muito reais de seu falecido marido. O tempero diluído de Meu Adorável Fantasma em relação a seu original fez do filme apenas mais uma comédia de temática “angelical” que estava em voga em Hollywood no período – seguindo produções como O Céu Pode Esperar (1978), por exemplo.

Para o papel protagonista o diretor Robert Mulligan mirou alto e visava a vencedora do Oscar Sally Field. A atriz era um nome quentíssimo da indústria na época, saída do seriado A Noviça Voadora, Sally Field havia se estabelecido como uma das atrizes mais requisitadas no fim da década de 70 e início de 80. Ajudou ainda mais sua carreira o fato de ter ganhado o Oscar em 1980 pelo drama biográfico sobre a sindicalista empoderada Norma Rae. Assim, no início dos anos 80 todos queriam trabalhar com Field. E sem perder tempo, o cineasta Robert Mulligan ofereceu um salário de US$1 milhão para a atriz, além de prometer seu nome como o primeiro nos créditos – a fim de atrair a estrela ao projeto. E deu certo, logo Sally Field estava a bordo substituindo e criando sua versão norte-americana para a Dona Flor da morena Sônia Braga. Eventualmente Field ganharia um segundo Oscar, mas não por esse filme, e sim por Um Lugar no Coração, dois anos depois.

“Jolly” só no nome. O veterano James Caan teria odiado as filmagens de ‘Meu Adorável Fantasma’, o remake americano de ‘Dona Flor’.

Para o segundo nome de peso no elenco, o malandro Vadinho, ou melhor, o coreógrafo com alma de artista e boêmio Jolly, foi contratado outro ator indicado ao Oscar. James Caan recebeu sua nomeação da Academia em 1973 pelo clássico absoluto O Poderoso Chefão, onde viveu o esquentado Sonny. Depois disso, Caan se tornava um astro nos anos 70 e início de 80. Ao contrário da companheira de tela, James Caan aceitou o papel por metade do valor de seu usual salário. Talvez pela chance de trabalhar com o prestigiado diretor do filme. No entanto, é reportado que o ator viria a se arrepender, e a experiência durante as filmagens do longa teria sido tão ruim que ele ficaria cinco anos sem aceitar nenhum filme até ser convocado novamente pelo colega Francis Ford Coppola para Jardins de Pedra (1987).  Segundo relatos, Caan estava tudo menos “Jolly” (Alegre) nos bastidores.

Fechando o trio principal de protagonistas, um então jovem Jeff Bridges deu vida para Rupert, o novo marido de “Dona Flor”. No mesmo ano, o ator participaria da superprodução da Disney visualmente revolucionária, Tron: Uma Odisseia Eletrônica. Seu papel aqui, no entanto, é basicamente viver um homem seguro e confiável, sem qualquer outro atrativo. Bridges a esta altura igualmente não era estranho à fama e ao prestígio. Tendo estrelado blockbusters como o remake de King Kong (1976) e entrava no projeto com duas indicações ao Oscar debaixo do braço (por A Última Sessão de Cinema e O Último Golpe).

Um dos cartazes em espanhol de ‘Meu Adorável Fantasma’, remake gringo de ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’.

Meu Adorável Fantasma, por incrível que pareça, não se tornou um fracasso financeiro retumbante para o estúdio. Com um orçamento por volta dos US$8 milhões, o filme viu de retorno aos seus cofres algo em torno dos US$15 milhões – se pagando e rendendo algum lucro. As críticas, no entanto, não perdoaram o longa. Seu destino, como sabemos, foi o ostracismo, rapidamente varrido para debaixo do tapete onde permanece até hoje, sem que muitos cinéfilos de respeito sequer saibam de sua existência. Sim, a refilmagem gringa de Dona Flor e Seus Dois Maridos é um filme obscuro até para os escolados.

Lançado nos EUA no fim do ano, em 22 de dezembro de 1982 – bem a tempo para as festividades natalinas – o filme estreou em outros países do mundo apenas em 1983. No ranking das bilheterias Meu Adorável Fantasma não foi bem. Sem outro grande lançamento na data, o filme sequer conseguiu emplacar entre os cinco mais vistos, estreando em nona posição, enfrentando apenas produções que já estavam em cartaz – como Tootsie, O Brinquedo e 48 Horas.

Meu Adorável Fantasma é um dos claros exemplos saídos de uma época pré-globalização de filmes que funcionam bem para certos territórios e culturas e parecem se perder completamente de contexto na tradução para outras localidades. Ou seja, Meu Adorável Fantasma é qualquer coisa, menos Dona Flor e seus Dois Maridos ou Jorge Amado.

 

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