Uma das produções mais lendárias de Hollywood que jamais viu a luz do dia
Recentemente foi anunciado que o atual detentor do Oscar de melhor ator, Joaquin Phoenix, se unirá ao elenco de Kitbag; vindouro drama de época dirigido por Ridley Scott sobre o histórico monarca francês Napoleão Bonaparte. O roteiro, assinado por David Scarpa, promete ser um verdadeiro épico sobre a ascensão de Napoleão; partindo de um início discreto até o ápice de seu poder ao se auto coroar regente. Outro fator importante para o filme promete ser a personagem de sua esposa, Josefina de Beauharnais, e como seu relacionamento volátil moldou o protagonista.
No entanto, a tentativa de Scott em retratar Napoleão nos cinemas não é a primeira; houveram duas outras. Ou quase isso. A primeira foi em 1927 quando o cineasta francês, Abel Gance, lançou a primeira parte do que seria uma hexalogia sobre o imperador. O objetivo era mostrar a jornada de toda a sua vida, começando com o primeiro filme focando em sua fase como estudante, seu papel como Capitão de artilharia no cerco à Toulon em 1793 e na campanha na Itália durante a Guerra da Primeira Coligação; isso é visível no apuro estético do filme e do uso de técnicas inéditas de filmagem, como câmera de mão e closes demorados.
Infelizmente o sonho de Gance jamais se realizou. A produção do primeiro filme assumiu um custo inevitavelmente alto demais para a época, além de ter pego o início da febre dos filmes falados. Isso foi especialmente difícil pois a obra foi originalmente lançada como um filme mudo e a rápida aceitação do público à nova tecnologia empurrou mais e mais Napoleão para a obscuridade. Mesmo com o diretor lançado novas versões diferentes do longa no decorrer de anos seguintes, isso não foi o suficiente para dar novo fôlego à saga.
A segunda tentativa foi em 1969, ou assim teria sido. O diretor Stanley Kubrick estava no topo da indústria durante esse período; com sucessos históricos e amplamente aceitos por público e crítica como 2001- Uma Odisseia no Espaço, Dr. Fantástico, Spartacus e Lolita ele havia conquistado um posto bem específico em Hollywood onde qualquer projeto vindo dele seria aceito por qualquer estúdio ou, no mínimo, avaliado com bastante atenção.
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Vindo da sua bem sucedida empreitada no campo da ficção científica, Kubrick começou a elaborar um novo projeto com foco no antigo comandante e imperador francês. Sua justificativa sobre o seu próximo protagonista, conforme escrito por Nicholas Barber no artigo Was Napoleon the greatest film never made?, foi “um desses homens raros que movem a história e moldam o destino de seu tempo e das gerações futuras”.
Logo no princípio do trabalho criativo, quando a equipe precisou reunir dados históricos para compor o roteiro, Kubrick enviou seu produtor executivo de longa data, Jon Harlan, para Zurique a fim de coletar dados sobre a trajetória de Napoleão. No artigo mencionado anteriormente, Nicholas Barber transcreve algumas declarações de Harlan sobre a famosa atenção minuciosa do diretor aos pequenos detalhes que também se fez presente nessa busca inicial.
“Eu estava em Zurique entre 1968 e 1969 (disse Harlan, agora com 82 anos) procurando por material relevante, livros e desenhos, simplesmente tudo que eu pudesse encontrar do período da Revolução Francesa até o Congresso de Viena em 1815… Nenhum detalhe era tão pequeno para fascinar Kubrick. Fosse a cor do solo de um campo de batalha ou o prego de uma ferradura de cavalo.”
O projeto prometia ser um épico histórico, com um roteiro inicial que ultrapassava as 140 páginas e priorizava as diferentes batalhas na vida de seu protagonista (algo que o diretor faria com Barry Lyndon alguns anos mais tarde) e, acima de tudo, adaptando o quão intenso foi o relacionamento entre Napoleão e a esposa Josefina. A atriz Audrey Hepburn, inclusive, era a favorita do diretor para o papel.
Durante uma entrevista concedida a Joseph Gelmis em 1969, Kubrick foi questionado sobre o motivo de ter escolhido este para ser seu próximo filme. “ …Para começar, ele me fascina. Sua vida tem sido descrita como um épico poema de ação… em um senso muito concreto, nosso próprio mundo é resultado de Napoleão, assim como o mapa da Europa no pós-guerra é resultado da Segunda Guerra Mundial. E, obviamente, nunca houve um filme fidedigno a ele. Também, acho que todas as questões que lhe preocupam são estranhamente contemporâneas: as responsabilidades, o abuso de poder… guerra, militarismo, etc”.
Kubrick ainda detalha certos aspectos que ele planejava conceder à produção que poderiam ser considerados nada mais que opulentos. Para simular os exércitos das famosas campanhas militares de Napoleão ele planejava contar com no máximo 40.000 de infantaria e 1.000 da cavalaria emprestados pelo exército romeno. O diretor defendia que o projeto era viável economicamente, visto que o uniforme da figuração utilizaria materiais de baixo custo e não haveria construção de locações, apenas a utilização dos locais reais.
Porém, nem mesmo o nome que o cineasta havia construído até então foi o suficiente para cooptar o apoio do estúdio MGM. Com a outrora parceria de sucesso deixada para trás (depois do sucesso com 2001) ele tentou vender o projeto para a United Artists. Acontece que por volta de 1970, o diretor Sergei Bondarchuk lançou Waterloo, seu próprio épico sobre a batalha de Waterloo comandada por Napoleão.
O filme foi considerado um desastre financeiro, lucrando pouco mais de US$ 152 milhões (numa conversão para valores atuais) e amedrontando qualquer produtor que ouvisse a proposta relacionada a qualquer filme sobre a figura francesa. Comumente a visão de Stanley Kubrick é intitulada como o maior filme jamais feito e muitos dos que estavam envolvidos na pré-produção concordam que o diretor pôs uma atenção diferenciada nesse projeto.
O roteiro pode ser lido na internet e é possível que a visão de Ridley Scott tenha similaridades e até se inspire; servindo como um gosto do que poderia ter sido o épico jamais nascido de Stanley Kubrick.
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