segunda-feira , 4 novembro , 2024

Natal Sangrento | A Polêmica do Terror mais Feminista do Cinema

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Com produção da Blumhouse, distribuição da Universal Pictures e uma marca famosa atrelada a seu título, era de se esperar um sucesso garantido para um filme, certo? Não se a obra em questão for este Natal Sangrento. Afinal, você lembra de ter visto o longa em cartaz em nossos cinemas? Pois bem, o terror foi solenemente ignorado em nossas salas de exibição, mas chega agora ao streaming (antes tendo passado pelo VOD) da rede Telecine para poder ser apreciado – ou quem sabe ainda mais odiado (calma, chegaremos lá) – pelos fãs de cinema. Aqui, nesta nova matéria iremos comentar toda a polêmica envolvendo o filme e tentar explicar o motivo deste novo remake ter se tornado uma das obras mais detestadas da história do cinema.

Para começar devemos dizer que o motivo de seu lançamento direto em vídeo, se esquivando das telonas, dá-se unicamente por seu fracasso financeiro nas bilheterias norte-americanas e mundiais. Nada de novo, acontece sempre. Quando um filme não vai bem em certos mercados, raros são os casos de “comprarmos o barulho” de tal obra em nossas terras. Assim, Natal Sangrento, lançado no dia 13 de dezembro de 2019 nos EUA (a tempo para o natal, é claro) até tinha planos de estrear nas telonas de nosso país antes da pandemia, cancelados logo após. Num orçamento de US$5 milhões, o filme rendeu apenas US$10 milhões em sua jornada no circuito nos EUA. Sendo US$4 milhões apenas no fim de semana de estreia – o que demonstra que o boca a boca e a as críticas extremamente negativas foram danificando o gás do filme. O longa arrecadou um total de US$18.5 milhões pelo mundo.

Com a imprensa especializada no agregador Rotten Tomatoes, o filme soma 38% de aprovação. Uma nota baixa, mas longe de ser uma das piores no portal. O pior mesmo é com os fãs e o grande público, onde com uma nota 3.4 no IMDB, Natal Sangrento é considerado um dos piores filmes já feitos se tornando parte da infame e seleta lista “do lixo” dos 100 longas menos apreciados de todos os tempos (que é mutável, claro), marcando em número 74.

Voltemos ao início. Natal Sangrento é na verdade (ou ao menos deveria ser) a segunda refilmagem do clássico do terror Black Christmas (1974), dirigido por Bob Clark, um slasher angustiante que precede ícones famosos do gênero vide Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980). Podemos afirmar que Black Christmas (ou Noite do Terror) ajudou a iniciar o molde do que se tornariam tais filmes, em especial nos anos 1980. Pulando para 2006, numa época em que as refilmagens de clássicos (conhecidos ou não tão famosos assim) de terror estavam a toda, surgiu a primeira “reimaginação” do slasher adorado. Adicionando muito mais gore, ação e rostos conhecidos, Natal Negro (2006) ficava mais jovem e pop, porém, a nova versão falhou em agradar os fãs e críticos, apesar de alguns defensores. De qualquer forma, soou no mínimo estranho quando foi anunciado não uma continuação para o filme de 2006, ou sequer uma continuação tardia para a obra de 1974 (o esperado por alguns fãs do original – no estilo Halloween 2018), mas sim um segundo remake… num período de treze anos!

Ponto positivo: produção da Blumhouse, estúdio que nos deu Corra! (2017), Nós (2019), Halloween (2018) e A Morte te dá Parabéns (2017); e roteiro e direção da jovem Sophia Takal (também atriz), numa obra que prometia adicionar muitos elementos de empoderamento feminino na trama – sendo a primeira mulher a comandar um filme da franquia e de forma geral uma das poucas a dirigir um grande título do gênero. Ponto Negativo: uma produção apressada, anunciada em junho de 2019, pré-produzida, filmada e pós-produzida em cinco meses – na qual cenas tinham apenas um take e onde grande parte da violência, sanguinolência e palavreado precisou ser cortado para obter uma censura branda. A diretora, por outro lado, não se descabelou por causa disso, já que segundo a mesma, a opção era por abranger os mais jovens em especial meninas adolescentes.

No passado, já tivemos bons exemplares de filmes de terror de censura baixa. O maior problema neste quesito no que diz respeito a Natal Sangrento é que podemos sentir onde todos os cortes censurados estão. Eles são tão abruptos, que a sensação de um filme retalhado de forma grosseira não nos deixa. É inegável também que parte (veja bem, eu disse parte) do ódio que o filme recebeu foi por sua agenda extremamente feminista. Natal Sangrento é pra lá de provocativo neste sentido e, apesar desta ser sua melhor e mais forte característica, terminou por enfurecer machistas e misóginos de plantão. Mas este não é o principal problema da obra, e ela está longe, bem longe, de ser perfeita.

Assim como As Caça-Fantasmas (2016) e o novo As Panteras (2019), dois outros filmes que também não são bons, mas que se promoveram por seu viés feminista, Natal Sangrento recebeu imenso backlash (repercussão negativa) antes mesmo de ser lançado. E acredite, os outros dois filmes citados não chegam aos pés deste terror quando o assunto é discurso feminista. O que é simplesmente algo maravilhoso, e por que não deveríamos ter um filme de terror assim? Vi em algum lugar a que é possivelmente a melhor definição da obra: “Esse não é um filme com uma mensagem social atrelada, é uma mensagem social com um filme atrelado”. E o problema disso, neste caso específico, é que se tirarmos a mensagem social (importantíssima) que o longa carrega, não sobra muita coisa para apreciarmos, pois o que resta é mal e porcamente um filme. Os três filmes citados neste parágrafo (incluindo Natal Sangrento) parecem tão afobados e desesperados por um conteúdo representativo que se esquecem de fazer um bom filme para acompanhá-lo. Por outro lado, filmes como Mulher Maravilha (2017) e Capitã Marvel (2019), mirados ao mesmo grande público com viés de entretenimento, fazem um trabalho melhor e mais orgânico de inserir um contexto feminista sem esquecer todo o resto – já que um filme são várias partes se movendo juntas ao mesmo tempo.

De fato, Natal Sangrento talvez tenha mirado na polêmica para surfar na onda do “falem mal, mas falem de mim”, que determinou o sucesso de muitos filmes no passado. O elo com o original existe apenas através do título e o fato de termos jovens mulheres em uma casa de sororidade de uma universidade na noite de natal, todas se tornando alvo de um psicopata e sendo mortas uma a uma. O que a diretora Takal faz aqui é adaptar sua nova trama, tentando encaixá-la nesta premissa. E para isso ela usa alguns temas muito dignos de serem combatidos como pano de fundo, como machismo, a masculinidade tóxica e até mesmo o abuso sexual e estupro. A protagonista do longa, Riley (papel de Imogen Poots – o único rosto conhecido no elenco) é uma jovem que guarda o trauma de ter sido atacada sexualmente em seu histórico. De acordo com o centro de pesquisa sobre violência sexual, uma entre cinco mulheres são estupradas, e 25% de mulheres em campus universitários são estupradas. Números reais e alarmantes. Ou seja, tópico mais que necessário.

Natal Sangrento não é sutil em sua abordagem. O filme não deseja fazer comentários pincelados ao longo de sua projeção como se fossem mensagens subliminares para que ao fim da sessão seja debatido o que assistimos em tela. O resultado é uma martelada constante em nossas cabeças de seus temas, a cada diálogo, a cada exposição de trama e a cada cena. O recado é claro: os homens são os vilões e as mulheres as heroínas. A obra é ambiciosa e ousada. E seu maior atrativo é o teor provocativo. Em seu discurso, o longa dá aula, com a diretora falando com propriedade sobre tópicos que talvez nós homens não entendamos ainda cem por cento. E daí talvez o motivo de tamanha agressividade em empurrá-los em nossa goela abaixo. A melhor forma de aprender é repetindo, revisando e enfatizando um tema. Essa mensagem é tão direta que chega como um gancho de direita em nosso queixo. E no que diz respeito à propriedade de discurso, Natal Sangrento tem mais a dizer do que seus “primos” As Caça-Fantasmas e As Panteras, ambos da Sony.

Antes de adentrarmos o maior pecado do roteiro, que recai no território de spoilers, devemos dizer que Natal Sangrento não é particularmente assustador. Mais uma vez, podemos argumentar as ambições maiores que os realizadores possuíam, que passam por cima do conteúdo de terror. E tudo bem, ainda temos um ou outro momento mais inspirado no quesito. Fora isso, em mais uma demonstração de incompetência máxima, o departamento de marketing do filme simplesmente contou o filme todo no trailer, inclusive revelando o vilão e a reviravolta na trama; se tornando logo parte do acervo para o case do que NÃO fazer ao divulgar um filme. Por outro lado, não que no filme em si mude muito, afinal com algo em torno de meia hora de exibição, o grande segredo é logo revelado sem cerimônia. E novamente, só podemos pensar que todo o resto tenha ficado em segundo plano, em prol de seu discurso. Seja como for, este surge como mais um elemento que afetou a performance do público nas bilheterias e com o público – neste tipo de filme (ou em qualquer um na verdade), a graça está em sermos surpreendidos.

SPOILERS

Agora sim, iremos abordar o maior deslize do roteiro e filme de Sophia Takal. O que ocorre é que a diretora justifica o comportamento masculino. A reviravolta de Natal Sangrento é que quem está cometendo assassinatos são os homens jovens membros de uma fraternidade, comandados pelo líder, o professor vivido por Cary Elwes (tá bem, ele é o rosto mais conhecido do elenco). Dono de um discurso pra lá de machista, vê-los como antagonistas a serem combatidos pelas mulheres – não posso deixar de destacar a feminista mais fervorosa da trama, Kris (Aleyse Shannon) – e eles de fato o são – é uma mensagem clara o suficiente (do tipo “machistas não passarão”). No entanto, a cineasta adiciona um elemento sobrenatural nos 45 do segundo tempo, onde uma gosma preta serve como lavagem cerebral para que os homens se comportem desta forma e comentam os assassinatos. Numa espécie de magia sombria, a gosma é despejada do busto do fundador da universidade, um escravista que matava mulheres desobedientes. Segundo a diretora, a gosma representa a masculinidade tóxica, que pode ser usada para contaminar outros homens.

Por mais que exiba certa criatividade, o fato também exime os personagens de suas ações criminosas e assassinas, por estarem “dominados”. No episódio “Nem todos os Homens” (Not All Men) da nova Além da Imaginação (2019), de Jordan Peele, uma premissa semelhante rende um resultado bem melhor, ao termos confundido o comportamento agressivo e homicida de homens possuídos por um resíduo espacial e o mesmo comportamento de outros homens que sequer tiveram contato com a substância. O desfecho do episódio é perfeito e em sintonia ao apresentado. O de Natal Sangrento é outro ponto sensível, já que após o combate visceral de mulheres x homens (a violência deve ser combatida, mas não deve ser a solução), elas os aprisionam para morrer no prédio em chamas da fraternidade e o filme simplesmente acaba. Sem nenhuma mensagem ou pensamento sobre o que ocorreu ou sobre como resolver o assunto.

Natal Sangrento no fim das contas soa como um filme meio inacabado. Sem dúvidas apressada, a obra parece ter nascido morta, e a pouca vida que teve, terminou se tornando pouquíssimo apreciada (para não dizer nada apreciada) ou simplesmente ignorada. Boa ou ruim, a abordagem sem dúvidas é original e veio para sacudir. Mesmo que não tenha conseguido obter o resultado almejado, não fica em cima do muro mirando no seguro com muitos filmes do gênero fazem. Debaixo de sua superfície podemos encontrar boas ideias e um bom filme, que precisaria ser muito lapidado e aperfeiçoado. Mas ao menos se encontra, em partes, com uma boa intenção.

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Para começar devemos dizer que o motivo de seu lançamento direto em vídeo, se esquivando das telonas, dá-se unicamente por seu fracasso financeiro nas bilheterias norte-americanas e mundiais. Nada de novo, acontece sempre. Quando um filme não vai bem em certos mercados, raros são os casos de “comprarmos o barulho” de tal obra em nossas terras. Assim, Natal Sangrento, lançado no dia 13 de dezembro de 2019 nos EUA (a tempo para o natal, é claro) até tinha planos de estrear nas telonas de nosso país antes da pandemia, cancelados logo após. Num orçamento de US$5 milhões, o filme rendeu apenas US$10 milhões em sua jornada no circuito nos EUA. Sendo US$4 milhões apenas no fim de semana de estreia – o que demonstra que o boca a boca e a as críticas extremamente negativas foram danificando o gás do filme. O longa arrecadou um total de US$18.5 milhões pelo mundo.

Com a imprensa especializada no agregador Rotten Tomatoes, o filme soma 38% de aprovação. Uma nota baixa, mas longe de ser uma das piores no portal. O pior mesmo é com os fãs e o grande público, onde com uma nota 3.4 no IMDB, Natal Sangrento é considerado um dos piores filmes já feitos se tornando parte da infame e seleta lista “do lixo” dos 100 longas menos apreciados de todos os tempos (que é mutável, claro), marcando em número 74.

Voltemos ao início. Natal Sangrento é na verdade (ou ao menos deveria ser) a segunda refilmagem do clássico do terror Black Christmas (1974), dirigido por Bob Clark, um slasher angustiante que precede ícones famosos do gênero vide Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980). Podemos afirmar que Black Christmas (ou Noite do Terror) ajudou a iniciar o molde do que se tornariam tais filmes, em especial nos anos 1980. Pulando para 2006, numa época em que as refilmagens de clássicos (conhecidos ou não tão famosos assim) de terror estavam a toda, surgiu a primeira “reimaginação” do slasher adorado. Adicionando muito mais gore, ação e rostos conhecidos, Natal Negro (2006) ficava mais jovem e pop, porém, a nova versão falhou em agradar os fãs e críticos, apesar de alguns defensores. De qualquer forma, soou no mínimo estranho quando foi anunciado não uma continuação para o filme de 2006, ou sequer uma continuação tardia para a obra de 1974 (o esperado por alguns fãs do original – no estilo Halloween 2018), mas sim um segundo remake… num período de treze anos!

Ponto positivo: produção da Blumhouse, estúdio que nos deu Corra! (2017), Nós (2019), Halloween (2018) e A Morte te dá Parabéns (2017); e roteiro e direção da jovem Sophia Takal (também atriz), numa obra que prometia adicionar muitos elementos de empoderamento feminino na trama – sendo a primeira mulher a comandar um filme da franquia e de forma geral uma das poucas a dirigir um grande título do gênero. Ponto Negativo: uma produção apressada, anunciada em junho de 2019, pré-produzida, filmada e pós-produzida em cinco meses – na qual cenas tinham apenas um take e onde grande parte da violência, sanguinolência e palavreado precisou ser cortado para obter uma censura branda. A diretora, por outro lado, não se descabelou por causa disso, já que segundo a mesma, a opção era por abranger os mais jovens em especial meninas adolescentes.

No passado, já tivemos bons exemplares de filmes de terror de censura baixa. O maior problema neste quesito no que diz respeito a Natal Sangrento é que podemos sentir onde todos os cortes censurados estão. Eles são tão abruptos, que a sensação de um filme retalhado de forma grosseira não nos deixa. É inegável também que parte (veja bem, eu disse parte) do ódio que o filme recebeu foi por sua agenda extremamente feminista. Natal Sangrento é pra lá de provocativo neste sentido e, apesar desta ser sua melhor e mais forte característica, terminou por enfurecer machistas e misóginos de plantão. Mas este não é o principal problema da obra, e ela está longe, bem longe, de ser perfeita.

Assim como As Caça-Fantasmas (2016) e o novo As Panteras (2019), dois outros filmes que também não são bons, mas que se promoveram por seu viés feminista, Natal Sangrento recebeu imenso backlash (repercussão negativa) antes mesmo de ser lançado. E acredite, os outros dois filmes citados não chegam aos pés deste terror quando o assunto é discurso feminista. O que é simplesmente algo maravilhoso, e por que não deveríamos ter um filme de terror assim? Vi em algum lugar a que é possivelmente a melhor definição da obra: “Esse não é um filme com uma mensagem social atrelada, é uma mensagem social com um filme atrelado”. E o problema disso, neste caso específico, é que se tirarmos a mensagem social (importantíssima) que o longa carrega, não sobra muita coisa para apreciarmos, pois o que resta é mal e porcamente um filme. Os três filmes citados neste parágrafo (incluindo Natal Sangrento) parecem tão afobados e desesperados por um conteúdo representativo que se esquecem de fazer um bom filme para acompanhá-lo. Por outro lado, filmes como Mulher Maravilha (2017) e Capitã Marvel (2019), mirados ao mesmo grande público com viés de entretenimento, fazem um trabalho melhor e mais orgânico de inserir um contexto feminista sem esquecer todo o resto – já que um filme são várias partes se movendo juntas ao mesmo tempo.

De fato, Natal Sangrento talvez tenha mirado na polêmica para surfar na onda do “falem mal, mas falem de mim”, que determinou o sucesso de muitos filmes no passado. O elo com o original existe apenas através do título e o fato de termos jovens mulheres em uma casa de sororidade de uma universidade na noite de natal, todas se tornando alvo de um psicopata e sendo mortas uma a uma. O que a diretora Takal faz aqui é adaptar sua nova trama, tentando encaixá-la nesta premissa. E para isso ela usa alguns temas muito dignos de serem combatidos como pano de fundo, como machismo, a masculinidade tóxica e até mesmo o abuso sexual e estupro. A protagonista do longa, Riley (papel de Imogen Poots – o único rosto conhecido no elenco) é uma jovem que guarda o trauma de ter sido atacada sexualmente em seu histórico. De acordo com o centro de pesquisa sobre violência sexual, uma entre cinco mulheres são estupradas, e 25% de mulheres em campus universitários são estupradas. Números reais e alarmantes. Ou seja, tópico mais que necessário.

Natal Sangrento não é sutil em sua abordagem. O filme não deseja fazer comentários pincelados ao longo de sua projeção como se fossem mensagens subliminares para que ao fim da sessão seja debatido o que assistimos em tela. O resultado é uma martelada constante em nossas cabeças de seus temas, a cada diálogo, a cada exposição de trama e a cada cena. O recado é claro: os homens são os vilões e as mulheres as heroínas. A obra é ambiciosa e ousada. E seu maior atrativo é o teor provocativo. Em seu discurso, o longa dá aula, com a diretora falando com propriedade sobre tópicos que talvez nós homens não entendamos ainda cem por cento. E daí talvez o motivo de tamanha agressividade em empurrá-los em nossa goela abaixo. A melhor forma de aprender é repetindo, revisando e enfatizando um tema. Essa mensagem é tão direta que chega como um gancho de direita em nosso queixo. E no que diz respeito à propriedade de discurso, Natal Sangrento tem mais a dizer do que seus “primos” As Caça-Fantasmas e As Panteras, ambos da Sony.

Antes de adentrarmos o maior pecado do roteiro, que recai no território de spoilers, devemos dizer que Natal Sangrento não é particularmente assustador. Mais uma vez, podemos argumentar as ambições maiores que os realizadores possuíam, que passam por cima do conteúdo de terror. E tudo bem, ainda temos um ou outro momento mais inspirado no quesito. Fora isso, em mais uma demonstração de incompetência máxima, o departamento de marketing do filme simplesmente contou o filme todo no trailer, inclusive revelando o vilão e a reviravolta na trama; se tornando logo parte do acervo para o case do que NÃO fazer ao divulgar um filme. Por outro lado, não que no filme em si mude muito, afinal com algo em torno de meia hora de exibição, o grande segredo é logo revelado sem cerimônia. E novamente, só podemos pensar que todo o resto tenha ficado em segundo plano, em prol de seu discurso. Seja como for, este surge como mais um elemento que afetou a performance do público nas bilheterias e com o público – neste tipo de filme (ou em qualquer um na verdade), a graça está em sermos surpreendidos.

SPOILERS

Agora sim, iremos abordar o maior deslize do roteiro e filme de Sophia Takal. O que ocorre é que a diretora justifica o comportamento masculino. A reviravolta de Natal Sangrento é que quem está cometendo assassinatos são os homens jovens membros de uma fraternidade, comandados pelo líder, o professor vivido por Cary Elwes (tá bem, ele é o rosto mais conhecido do elenco). Dono de um discurso pra lá de machista, vê-los como antagonistas a serem combatidos pelas mulheres – não posso deixar de destacar a feminista mais fervorosa da trama, Kris (Aleyse Shannon) – e eles de fato o são – é uma mensagem clara o suficiente (do tipo “machistas não passarão”). No entanto, a cineasta adiciona um elemento sobrenatural nos 45 do segundo tempo, onde uma gosma preta serve como lavagem cerebral para que os homens se comportem desta forma e comentam os assassinatos. Numa espécie de magia sombria, a gosma é despejada do busto do fundador da universidade, um escravista que matava mulheres desobedientes. Segundo a diretora, a gosma representa a masculinidade tóxica, que pode ser usada para contaminar outros homens.

Por mais que exiba certa criatividade, o fato também exime os personagens de suas ações criminosas e assassinas, por estarem “dominados”. No episódio “Nem todos os Homens” (Not All Men) da nova Além da Imaginação (2019), de Jordan Peele, uma premissa semelhante rende um resultado bem melhor, ao termos confundido o comportamento agressivo e homicida de homens possuídos por um resíduo espacial e o mesmo comportamento de outros homens que sequer tiveram contato com a substância. O desfecho do episódio é perfeito e em sintonia ao apresentado. O de Natal Sangrento é outro ponto sensível, já que após o combate visceral de mulheres x homens (a violência deve ser combatida, mas não deve ser a solução), elas os aprisionam para morrer no prédio em chamas da fraternidade e o filme simplesmente acaba. Sem nenhuma mensagem ou pensamento sobre o que ocorreu ou sobre como resolver o assunto.

Natal Sangrento no fim das contas soa como um filme meio inacabado. Sem dúvidas apressada, a obra parece ter nascido morta, e a pouca vida que teve, terminou se tornando pouquíssimo apreciada (para não dizer nada apreciada) ou simplesmente ignorada. Boa ou ruim, a abordagem sem dúvidas é original e veio para sacudir. Mesmo que não tenha conseguido obter o resultado almejado, não fica em cima do muro mirando no seguro com muitos filmes do gênero fazem. Debaixo de sua superfície podemos encontrar boas ideias e um bom filme, que precisaria ser muito lapidado e aperfeiçoado. Mas ao menos se encontra, em partes, com uma boa intenção.

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