A vida dá muitas voltas e pode nos levar por caminhos completamente diferentes dos planejados originalmente. Veja o caso com a estrela Jennifer Aniston, veterana que fez sua carreira em cima de comédias e romances no cinema. Claro, antes de se tornar uma estrela do cinema, Aniston ganhou fama e popularidade na TV, graças ao fenômeno ‘Friends’, ainda hoje uma das sitcom mais adoradas de todos os tempos pelos fãs. Em seu currículo, podemos até encontrar alguns pontos fora da curva em dramas e até mesmo um suspense, mas o que muitos podem não saber ou lembrar é que existe um terror na filmografia de Jennifer Aniston, escondido lá atrás, e que marcou seu primeiro trabalho no cinema. Esse filme está completando 30 anos de lançamento em 2023.
Os fãs de cinema mais velhos e os mais antenados sabem que falamos de ‘O Duende’ (Leprechaun), pequeno filme B do gênero terror que se tornou cult e marcou época no início dos anos 90, gerando absurdas sete continuações para a “franquia”. Escrito e dirigido por Mark Jones, a trama apresenta Tory (Jennifer Aniston), que se muda com seu pai J.D. (John Sanderford) para uma propriedade rural. A jovem patricinha mimada logo de cara odeia a nova casa, que parece caindo aos pedaços e necessita de uma reforma. Para o trabalho de deixar o local em melhores condições é contratado Nathan (Ken Olandt), que chega para trabalhar com Ozzie (Mark Holton), um sujeito com intelecto infantil, e o menino Alex (Robert Gorman), seu irmão mais novo.
A casa no mato em ruínas se mostrará o menor dos problemas da patricinha da cidade, quando sem querer eles libertam uma maldição antiga, ao descobrirem que no porão da casa estava aprisionado um duende, uma criatura medonha e maligna, trancafiada pelo antigo proprietário do local. Agora, todos precisarão lutar por suas vidas e tentar impedir o pequeno monstrinho mitológico de uma vez por todas.
A ideia para o filme ‘O Duende’ surgiu do cineasta Mark Jones, que vindo de um passado em programas de TV almejava começar a carreira como diretor de cinema. Jones imaginou que o primeiro passo deveria ser dado com uma produção pequena, independente e de baixo orçamento. Ele imaginou que um filme de terror seria ideal para isso. Assim, sua primeira inspiração foi o cereal Lucky Charms, sucrilho muito tradicional nos EUA, tão famosos quanto o Kellogs no Brasil. Assim como o citado estampa o personagem do tigre Tony, Lucky Charms tem como “mascote” um duende. O diretor ficou surpreso ao se dar conta que a figura do folclore irlandês nunca havia sido usada como antagonista em um filme de terror. Fora isso, também tinha em mente sucessos da época como ‘Criaturas’ (1986) e ‘Brinquedo Assassino’ (1988), que traziam vilões de baixa estatura. Jones desenvolveu o roteiro e o levou até o estúdio Trimark, que havia acabado de inaugurar.
É dito também que Mark Jones havia começado a escrever o roteiro em 1985, e passaria todos estes anos até a estreia do filme em 1993 desenvolvendo a história e a personalidade do vilão. Nesta trajetória, podendo ver o lançamento dos filmes de terror de sucesso citados e se inspirando um pouco mais neles. O conceito original do criador era que o vilão fosse um assassino cruel e visceral, e que o estilo do longa lembrasse a sanguinolência e censura alta de franquias como ‘Sexta-Feira 13’ e ‘A Hora do Pesadelo’. Por outro lado, os produtores da Trimark percebendo o tipo de filme que tinham em mãos, optavam por não levarem muito a sério, com o desejo de inserir mais humor na narrativa, e aproximando o longa de algo como ‘Gremlins’ e ‘Criaturas’.
Então a opção foi feita para que ‘O Duende’ fosse 50% terror e 50% comédia. No entanto, o produto final pende muito mais para o humor, com apenas 20% de seu produto final pertencendo ao terror. O passo seguinte dos realizadores era encontrar um intérprete para o vilão que dá título ao filme. Nessa época, Warwick Davis era o ator anão mais famoso de Hollywood, tendo participado de ‘O Retorno de Jedi’ (1983) e obtido bastante destaque em ‘Willow – Na Terra da Magia’ (1988), outra produção de George Lucas. Sendo um renomado ator britânico, os produtores jamais imaginariam que Davis se interessaria em participar de sua produção de terror B. No entanto, o ator passava por uma fase difícil em sua carreira, em que não trabalhava há 8 meses, e para piorar seu filho bebê havia acabado de falecer.
Warwick Davis leu o roteiro e se interessou pelo projeto. Primeiramente, seria a oportunidade de interpretar seu primeiro vilão da carreira. Segundo, seria uma forma de terapia para ele e a esposa, para tirar sua mente da trágica morte do filho. E terceiro, poderia ser a chance de o ator ter em mãos um icônico vilão do terror, assim como Robert Englund e seu Freddy Krueger ou Tony Todd e seu Candyman. Warwick Davis ganhou carta branca do estúdio para dar sua própria visão de como o personagem deveria ser, e sem dúvidas deu seu tempero para o cômico homicida cult. Mesmo depois de aceitar o papel e durante as filmagens, Davis não tinha total certeza sobre o projeto, e de tempos em tempos se sentia arrependido de ter dito sim. Porém, o sucesso do longa o fez abraçar a obra, e retornar para cinco das sequências, das quais apenas a primeira continuação foi lançada nos cinemas, com as demais debutando direto em vídeo. A presença de Davis só se deu possível no longa graças a uma permissão de George Lucas. Acontece que o ator ainda possuía contrato com o criador de ‘Willow’, e como agradecimento, o nome de Lucas aparece nos créditos de ‘O Duende’.
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Foi justamente o fato de poder trabalhar com Warwick Davis que fez Jennifer Aniston dizer sim para a produção. A verdade é que nesta época, Aniston era uma ilustre desconhecida, de 24 aninhos, que havia apenas participado de séries, incluindo a fracassada tentativa de levar ‘Curtindo a Vida Adoidado’ (1986) para a TV, num programa que durou apenas 13 episódios de sua primeira temporada em 1990, e no qual Aniston viveu Jeannie, a irmã do malandro Ferris, no filme interpretada por Jennifer Grey. É claro que seu sucesso absoluto, que escreveria seu nome nas estrelas, viria no ano seguinte de ‘O Duende’, quando estreava a série cômica ‘Friends’, sitcom ainda muito amada, que durou 10 anos.
O curioso é que Jennifer Aniston por pouco não consegue o papel no terror. E talvez ela hoje desejasse que tivesse sido assim. Acontece que os produtores queriam uma atriz loira para viver a protagonista Tory, e foi o diretor Mark Jones quem lutou para manter Aniston no elenco – sábia decisão da parte dele. Tirando Jennifer Aniston e Warwick Davis, os outros rostos conhecidos do elenco são os de Ken Olandt, que vive o interesse amoroso da moça, e o menino Robert Gorman, que é o irmão caçula do sujeito. Os dois eram figurinhas carimbadas dos anos 80 e 90, com Olandt presente nos cult ‘A Noite das Brincadeiras Mortais’ (1986) e ‘Curso de Verão’ (1987), e Gorman em ‘Viva! A Babá Morreu’ (1991) e ‘Eternamente Jovem’ (1992).
O ‘Duende’ foi filmado entre outubro e dezembro de 1991, mas apenas lançado em janeiro de 1993. No Brasil, chegava no dia 13 de agosto de 1993. Com um orçamento modesto para os padrões de Hollywood, de US$1 milhão, ‘O Duende’ estreou em oitava posição do ranking das maiores bilheterias no segundo fim de semana do ano de 1993. Sem outra estreia significativa na data, o terror não conseguiu superar sucessos do nível de ‘Questão de Honra’, ‘Aladdin’, ‘Perfume de Mulher’, ‘O Guarda-Costas’, ‘Eternamente Jovem’, ‘Esqueceram de Mim 2’ e ‘Chaplin’, as primeiras sete posições – todos filmes lançados ainda em 1992. Mesmo assim, ‘O Duende’ somaria US$2.4 milhões em caixa, já fazendo valer seu orçamento. No fim de sua estadia nas telonas, o filme sairia com US$8.5 milhões, se mostrando um sucesso.
Fenômeno parecido ocorreria com o lançamento de ‘O Duende’ no mercado de vídeo, em abril de 1993. O estúdio vendeu 100 mil cópias em VHS do filme para as locadoras. No ano seguinte, o fenômeno aumentaria, já que como dito, Jennifer Aniston se tornaria uma estrela graças a ‘Friends’ e o interesse pelo terror B só aumentaria. Em sua trajetória de vendas em VHS e DVD, o filme arrecadou mais US$15 milhões – novamente, muito creditado à participação de Aniston. E a atriz quase ficou ainda mais marcada pela franquia, já que iniciou na época negociações com a Trimark para retornar na continuação direta ‘O Retorno do Duende‘, lançado em 1994. Aniston receberia US$25 mil pela sequência, mas no fim das contas optou por recusar e dar ênfase na sitcom da Warner que havia acabado de começar.
Hoje, tantos anos depois, com Jennifer Aniston já uma estrela estabelecida na indústria, tanto na TV quanto no cinema, a atriz renega a obra de terror B. Essa “vergonha” de Aniston em ter participado de ‘O Duende’ criou um mal-estar com o ator Warwick Davis, que levou para o lado pessoal. Curiosamente foi Davis o motivo de Aniston aceitar o papel, e os dois se deram verdadeiramente muito bem durante a produção do longa. Mas com o passar do tempo, e o estrelato de Aniston, Davis considera que o sucesso a subiu a cabeça e que nunca devemos renegar de onde viemos. O ator constantemente a acusa de negar a existência do filme. E inclusive pegou pesado dizendo que a atriz fica mesmo é irritada de se ver antes das cirurgias estéticas, incluindo a plástica no nariz.
Aniston por sua vez, respondeu a algumas acusações de Warwick Davis, dizendo que ‘O Duende’ foi o primeiro sucesso da carreira dela, mas que hoje se envergonha de sua primeira atuação no cinema. Em 2019, a atriz disse que havia reassistido a ‘O Duende’ dez anos antes com o então namorado Justin Theroux, como uma espécie de brincadeira, uma zoação para dar risadas. Mas mesmo assim, admitiu que entrava e saía da sala, sem conseguir sentar para assistir tudo. ‘O Duende’ está disponível na Lionsgate+.