Dizem que o tempo é relativo, mas nem mesmo as teorias de Albert Einstein te preparam para perceber que O Espetacular Homem-Aranha foi lançado há uma década. Tido por muitos como um dos piores filmes do herói, o longa ficou realmente datado, mas acabou ganhando uma nova leva de fãs, que decidiram dar uma nova chance depois de seu resgate em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021). E apesar de não ser uma obra de arte, o primeiro capítulo da saga ‘Espetacular’ passa longe de ser a tragédia que alguns pintam.
Um dos principais motivos para a má vontade que o filme teve em sua recepção inicial claramente foi por culpa da falta de timing da Sony. Como todos sabem, cinco anos antes, a franquia Homem-Aranha, estrelada por Tobey Maguire e dirigida por Sam Raimi, conquistava a maior bilheteria da saga e os fãs estavam ansiosos pelo prometido quarto capítulo, que nunca ocorreu. Inicialmente programado para estrear em 2011, o filme foi cancelado porque a Sony decidiu reiniciar a franquiar com Andrew Garfield como Peter Parker e Marc Webb na direção.
É claro que encerrar uma franquia tão amada quanto a trilogia Raimi já traz um “ranço” por parte dos fãs para qualquer coisa que venha depois. Para piorar, a mudança foi muito próxima. Se tudo ocorresse como os fãs queriam, a saga de Maguire chegaria ao fim um ano antes do lançamento. Então, ao programar a estreia de Andrew para uma data tão recente foi como se a Sony atravessasse o “luto” dos fãs, que já foram para as sessões de má vontade. Além do mais, era realmente muito cedo para um novo filme de origem.
E isso acabou sendo um tiro no pé da própria Sony. Ao optar por trazer um novo filme de origem de forma tão recente, o estúdio buscou diversas formas de recontar essa história clássica de como Peter Parker se tornou o Homem-Aranha sem soar repetitiva. E nesse ponto, Sam Raimi e a equipe de roteiristas tiveram um apoio muito grande quando receberam a missão de contar a origem do herói, que Webb e seus amigos não tiveram: o Universo Ultimate. Na época, a Marvel inaugurou um universo alternativo que também recontava os primeiros passos de seus heróis, que influenciou e foi diretamente influenciado pelos filmes. Resultado: tanto os quadrinhos quanto os filmes foram muito bem aceitos pelo público jovem.
Dez anos depois, quando O Espetacular Homem-Aranha chegou aos cinemas, o Peter do Universo Ultimate estava prestes a morrer para dar lugar a Miles Morales, que trazia uma nova origem para o Aranha. Ou seja, Marc Webb não contaria com esse apoio simultâneo que Raimi teve. Então, para tentar não soar repetitivo, já que o público se lembrava da origem do Parker dos filmes anteriores, a equipe criativa investiu em misturar elementos do Universo 616 e outros do Universo Ultimate, que não foram usados por Raimi, para tentar trazer algo de novo para essa origem.
Fugindo um pouco dos fatores externos que influenciaram a má recepção do filme pelos fãs, é preciso reconhecer como essa necessidade de se distanciar da trilogia anterior trouxe decisões criativas ruins. A principal delas é todo o núcleo que envolve “a origem secreta do Homem-Aranha”, que gira em torno de Richard e Mary Parker.
Isso se baseia em um arco não muito celebrado dos quadrinhos que mostrava os pais de Peter como agentes da CIA, levando a dupla a uma missão com o Wolverine. Já no universo Ultimate, os pais de Peter eram cientistas que morrem em um atentado aéreo. Então, a equipe criativa misturou os dois e trouxe Richard e Mary Parker como cientistas envolvidos em uma missão secreta, que supostamente morreram em um acidente aéreo. Porém, antes disso, eles tiveram tempo de desenvolver um trabalho de engenharia genética que desenvolveu aranhas com DNA modificado inspiradas nos genes do próprio filho. Ou seja, o filme decidiu transformar Peter Parker em um “predestinado”, já que a picada da aranha só deu poderes a ele porque os bichos foram desenvolvidos com base no genoma dele.
Essa opção tira um dos maiores fatores de identificação do herói que é: “o Homem-Aranha poderia ser qualquer um”. Qualquer jovem na exposição poderia ter sido picado pela aranha, mas são as escolhas e a responsabilidade que todos podem ter que fazem dele um herói.
Por outro lado, a obsessão da Sony por se distanciar da trilogia anterior trouxe elementos muito característicos para essa franquia, que acabaram não sendo tão comentados, mas que foram realmente muito bons, como as câmeras em primeira pessoa. Por conta da tecnologia da época, as cenas do Aranha de Maguire se balançando pela cidade eram mais “engessadas”. Com a melhoria no CGI e com a grande equipe de profissionais desse setor da Sony, O Espetacular Homem-Aranha tem algumas das melhores cenas de “web swing” do herói por Nova York.
E como já dito anteriormente, as cenas em primeira pessoa foram um acerto gigantesco. Apesar delas já existirem no filme dos anos 70, as do filme de 2012 são muito orgânicas, dando a sensação do público estar realmente pulando de prédio em prédio com o Cabeça de Teia. No filme seguinte, por pior que seja, essas cenas ficaram ainda melhores, permitindo que o herói se balançasse com as teias com todos aqueles movimentos tipicamente dos quadrinhos.
Outro acerto maravilhoso foi a escalação de Emma Stone para interpretar o interesse amoroso de Peter Parker, Gwen Stacy. Depois da Mary Jane mais passiva da trilogia anterior, servindo sempre como a “Mocinha em Perigo”, deram a Gwen muito mais atitude, mostrando ela como uma jovem cientista com muitos sonhos e um futuro brilhante (caso o Peter tivesse segurado ela, é claro). Em momento algum ela se deixa abater e sempre corre atrás do que quer.
Com isso, a personagem acaba sendo importante até mesmo nas cenas de luta, já que é ela quem produz e leva a fórmula para deter o lagarto. E a química dela com o Peter era a melhor coisa da franquia. Fora das telas, Emma e Andrew começaram a namorar, formando um casal cujo término mexe com alguns fãs até hoje. Ou seja, a química da dupla vista em tela é 100% real. Formar um interesse amoroso com tanta personalidade e relevância não é algo tão comum de se ver nos filmes com super-heróis, e O Espetacular Homem-Aranha faz isso com maestria.
Sobre essa química, muito passa também pela direção de Marc Webb, que chegou ao filme credenciado por seu trabalho em 500 Dias Com Ela. Ao trazer esse jeitão de romance adolescente para o longa, Webb estimulou essa dinâmica de casal para eles.
E já que estamos falando de elenco, não tem como não separar um tópico exclusivamente para falar de Andrew Garfield, que é, para muitos, o melhor Homem-Aranha. Mesmo que o filme não tenha sido muito bem recebido, a escalação de Garfield foi unanimidade. Fanático pelo personagem desde a infância, Andrew revelou ao mundo que seria o herói na San Diego Comic Con, saindo da plateia com uma fantasia de camelô do Aranha, criando um dos grandes momentos históricos do evento.
Seu amor pelo personagem transborda quando ele está em tela. E é bem interessante como ele encarna bem o adolescente da década passada, trazendo a mescla de timidez com atividades que não são tão associadas aos “excluídos”, como andar de skate, mostrando a contradição da juventude mesmo. Apesar desse lance do “Peter Skatista” ter sido motivo de crítica, quem foi adolescente nessa época sabe muito bem como eram as zoações na escola e como tudo era motivo de implicância e zoação. E isso acabou refletindo na personalidade de Peter, permitindo que esse jeitão mais piadista do herói dos quadrinhos viesse de forma natural para as telas.
Enfim, ele acabou recebendo as energias negativas que a franquia trouxe, principalmente pelo segundo filme, que é indefensável, mesmo sendo sempre elogiado por sua atuação e entrega. Tanto que quando a saga foi cancelada, ele deu diversas entrevistas se dizendo muito magoado por não ter conseguido honrar seu grande herói. O lado bom é que ele pôde receber novamente o carinho dos fãs em 2021 e teve seu trabalho reconhecido no AranhaVerso do MCU.
Se o herói foi um destaque positivo, o mesmo não se pode dizer sobre o vilão. Tudo acerca do Lagarto foi fraco. Sua abordagem não chegou a ser interessante, muito pela própria ideia pouco estimulante dos pais de Peter, assim como seu visual, que não lembra um lagarto. Na época, artes conceituais mostravam um jeitão reptiliano para o vilão, mas o design final optou por essa cara mais “humanoide”, permitindo mais expressões faciais para o antagonista.
Mas convenhamos, a maioria das cenas dele foram no escuro ou com movimentação rápida. O público prestou atenção em tudo, menos nas expressões do Lagarto. Talvez um visual mais animalesco tivesse ajudado a dar uma sensação de maior ameaça.
Porém, foi por conta do Lagarto que tivemos uma das melhores cenas, senão a melhor, do saudoso Stan Lee em um filme dos heróis Marvel. Seu cameo como zelador foi tão icônico, tão marcante, que ele acabou virando um personagem fixo na série animada que foi lançada junto ao filme.
Por fim, o uniforme feito em casa também sofreu muitas críticas na época, mas hoje já é mais bem recebido por parte dos fãs. E acaba que esse traje sintetiza bem o que é O Espetacular Homem-Aranha. Ele tenta se distanciar do clássico, mas sem perder a essência do herói. Que mesmo tendo recebido críticas excessivas, tem o seu valor e marcou a vida de muitas pessoas. Pode não ser o melhor já feito, mas nem por isso é essa tragédia toda que alguns pintam.
Com dez anos completados, O Espetacular Homem-Aranha é o retrato da juventude de uma geração diferente, que foi bem representada em um filme que não é tão espetacular, mas que está na história como um retrato bem adequado do Homem-Aranha daquela geração em especial. Ele tenta trazer novos elementos, se perde um pouco no caminho, flerta com a ficção científica, mas termina com um saldo positivo por conta de seu elenco e do carisma de seus personagens.
O Espetacular Homem-Aranha está disponível na Netflix, no HBO Max e no Disney+.