Flamengo e Vasco, esquerda e direita na política, Ruth e Raquel? Para as crianças e para todos que acham difícil arrumar namorada, a maior rivalidade do mundo se resume a Marvel vs DC. As duas maiores editoras de quadrinhos de super-heróis de todos os tempos, que por décadas alimentaram uma rivalidade “saudável”, galgaram e finalmente conquistaram o status que sempre sonharam. Hoje, atingem multidões antes nunca imaginadas, graças aos universos cinematográficos confeccionados por seus devidos estúdios produtores. Bem, ou quase.
É verdade que a Marvel sempre quis estar, ao menos no cinema, onde a rival estava. No essencial Marvel Comics – A História Secreta, de Sean Howe, o escritor relata que as editoras almejavam transcender de apenas produtoras de quadrinhos. O sucesso foi grande e seus personagens eram populares, então, a coisa natural a fazer seria ganhar o mundo com desenhos matinais, animações, séries de TV e claro, produções cinematográficas de respeito.
Depois de uma Via Crúcis nas décadas de 1980 e 1990, os personagens da Marvel começaram a valer ouro no início da década passada. Fox, Sony e Universal eram alguns dos estúdios que botavam as criações da casa para render fortunas nas bilheterias e mostravam para o mundo como a coisa poderia ser feita. Em 2008, ainda sob o selo da Paramount, Homem de Ferro foi o primeiro filme oficial da Marvel Studios. O resto é história. Já a DC, sacudiu de forma sem precedentes o mundo do cinema por duas vezes, nos fins das décadas de 1970 e 1980.
Numa época na qual filmes baseados em personagens de quadrinhos eram vistos como apostas arriscadíssimas, já que, então, quadrinhos era coisa de criança e filmes, de adultos. A mescla, como dito, era sem precedentes. Mas foi em 1978 que o maior super-herói da cultura popular alçava voo em Superman – O Filme, de Richard Donner, e como seu slogan apresentava, o público acreditou que um homem poderia realmente voar. Essa foi a primeira superprodução do gênero no cinema e contava com ninguém menos do que Marlon Brando, o grande astro da década, impulsionando a obra com sua presença. Tudo era da mais alta sofisticação, atores, efeitos, roteiro, o filme tratava o assunto e tal universo com bastante seriedade e respeito.
No final da década seguinte, foi a vez de Tim Burton fazer o mesmo pelo segundo maior herói, Batman. Em 1989, a Warner (estúdio retentor dos direitos de tais personagens) apostava mais uma vez no subgênero, entregando uma das produções mais caras da época e que se tornaria uma verdadeira febre, ditando tendência do que seriam tais filmes dali para frente. E mais uma vez apostando em nomes de prestígio, vide Jack Nicholson (um dos parrudos de Hollywood), para vender e dar respaldo ao produto.
A DC possui um acervo florido e bem suculento de personagens, no entanto, no cinema tudo o que era utilizado da casa eram suas pratas, Superman e Batman. Uma tentativa malfadada aqui, com Aço (1997) e outra acolá, com Mulher-Gato (2004), garantiam mais risos do que sucesso. Quando o ponto era marcado, variando o nível de aceitação, o material utilizado pertencia ao segundo, ou terceiro, escalão, vide Constantine (2005), V de Vingança (2006) e Watchmen – O filme (2009).
Finalmente chegamos ao estado atual das produções da DC / Warner, onde um sucesso absoluto, como os do passado, parece cada vez mais distante. Batman Vs. Superman e Esquadrão Suicida, os dois grandes lançamentos da casa em 2016, chegaram aos cinemas (este segundo estreando neste fim de semana) com a aspiração de construir um universo cinematográfico, costurando histórias e interligando personagens, assim como ocorre em sua contraparte de papel. Sem dúvidas este é um trabalho bem mais difícil do que somente se concentrar em um filme, contando apenas uma história. E talvez esse seja o problema atual, não só do subgênero, mas do cinema entretenimento de Hollywood hoje.
Antes, estabelecia-se um filme, e se ele desse certo, pensava-se em sua continuação. Hoje, a estridência por franquias é atômica, faz-se cinema não para o agora, mas para o amanhã. Tudo precisa estar engatilhado, deixando pontas soltas a serem resolvidas mais tarde. É claro que dois filmes significa mais dinheiro, três é melhor ainda. Mas que tal se concentrar em apenas um primeiro? Que tal parar de prometer dez carros magníficos ao cliente, sem ele ter feito o teste drive do primeiro antes? Que tal parar de se desesperar com a grama verde do vizinho e começar a plantar com calma?
Especialistas nacionais e internacionais vão além, apontando dedos para culpados, e nomeando o diretor Zack Snyder como o núcleo da não aceitação dos produtos da casa. Snyder é um cineasta eficiente, mas fica claro que não está dando certo como representante de tal universo no cinema. A Marvel não coloca, por exemplo, toda a responsabilidade de seus produtos em uma só pessoa. Por seus filmes já passaram diversos cineastas de qualidade. Mesmo os talentosos, quando não dão certo, são substituídos. Assim, Jon Favreau foi o responsável por estabelecer o universo cinematográfico da Marvel com Homem de Ferro (2008). Homem de Ferro 2 (2010) não obteve a mesma resposta e, ao invés de insistir com o diretor, o estúdio trouxe Shane Black para Homem de Ferro 3 (2013) e Joss Whedon para Vingadores (2012). Whedon ficou saturado ao fim de Vingadores 2 (2015) e Black também não obteve boa resposta com seu filme, assim entraram em cena os irmãos Russo e James Gun, os novos meninos de ouro da casa. Ryan Coogler, Taika Waititi e Jon Watts serão os próximos testados dentro da empresa.
Realmente não é justo colocar a culpa em Snyder. E tampouco é justo confiar somente a ele a responsabilidade de estabelecer no cinema um universo de mais de cinco décadas. O diretor esteve no comando de O Homem de Aço (2013), Batman Vs. Superman e serviu como produtor para Esquadrão Suicida. Além disso, Snyder será o produtor de Mulher Maravilha (2017), Flash (2018), Aquaman (2018), de dois filmes da casa ainda não divulgados (um de 2018 e outro de 2019), e o diretor de Liga da Justiça (2017). Quem quer essa responsabilidade? Sem apontar dedos, é hora dos produtores seguirem em frente e colocarem Snyder no banco de reserva. Diabos, eu iria querer isso se fosse ele. O resultado é tudo que importa, afinal estúdios de cinema são empresas e se os números não baterem, se a meta não for atingida, é necessário fazer mudanças, estudos e reestruturar. A franquia dos Transformers é massacrada filme após filme por críticos e grande parte do público, mas os números estão lá, caso contrário não haveria continuidade. BVS não atingiu a cifra planejada pelo estúdio, embora tenha ficado bem longe de ser um fracasso. Esquadrão ainda não teve a chance de uma carreira nas bilheterias, mas a julgar pela resposta de grande parte dos especialistas e do público, a coisa não está parecendo nada boa.
Uma petição online com mais de 17 mil assinaturas de fãs, pede a saída de Snyder dos filmes da casa, e em maio deste ano, a Warner colocou o chefão da DC, Geoff Johns, encarregado de comandar os projetos ligados a tal universo cinematográfico. Além disso, Patty Jenkins (Monster), Phil Lord e Christopher Miller (Anjos da Lei e Uma Aventura Lego), James Wan (Invocação do Mal) e Ben Affleck são as mentes criativas envolvidas nos próximos projetos do estúdio, o que deve injetar sangue e ideias novas. São os primeiros passos para uma guinada rumo ao que os fãs, cinéfilos, críticos e o grande público dos cinemas em geral querem, ver filmes de puro entretenimento com a qualidade que a empresa merece.