Gary Ross é um nome relativamente competente quando pensamos na gigantesca indústria cinematográfica hollywoodiana. Apesar de não ter trabalhado em ampla escala na cadeira de direção, Ross foi responsável pela primeira iteração da franquia ‘Jogos Vorazes’ e também pelo roteiro da dramédia ‘Pleanstville – A Vida em Preto e Branco’, uma das narrativas mais envolventes que o público já teve o prazer de assistir. Dois anos após seu último projeto, ele retornou para encabeçar uma nova história que teria inúmeros problemas para ser delineada – incluindo o fato de funcionar como um remake-sequência de uma das trilogias mais conhecidas: ‘Onze Homens e um Segredo’.
Primeiramente, devemos lembrar que o longa assinado por Steven Soderbergh em 2001 já funcionava como uma releitura do “clássico” estrelado por Frank Sinatra na década de 60. Sua versatilidade para as telonas insurgiu de forma aplaudível, visto que transformou uma insossa trama em algo agradável, inteligente e dinâmico e que rendeu duas sequências sem o mesmo brilho. Logo, como Ross poderia basear-se na mesma premissa e num microcosmos parecido sem perder o glamour, a originalidade e principalmente a sua própria identidade fílmica? É quase óbvio pensar nestas questões quando olhamos para os trailers e os anúncios de ‘Oito Mulheres e um Segredo’ – mas felizmente o diretor conseguiu entregar-se a uma peça audiovisual bem interessante e satisfatória em quase todos os seus quesitos.
A nova investida na franquia traz no centro das atenções a carismática e sagaz Deborah “Debbie” Ocean (Sandra Bullock), irmã do conhecido golpista Danny (George Clooney, cujo personagem sofre uma aparente tragédia, mas permanece na memória de todos). Assim como o irmão, Debbie havia sido presa por participar de um esquema de falsificação de vendas de obras de arte, permanecendo cinco anos na cadeia até ser liberta em condicional por bom comportamento – seu primeiro monólogo já traça um paralelo com Danny pelas mentiras de “buscar um emprego, conseguir amigos e não se meter mais em confusão”. E o mais engraçado neste breve prólogo é que ela nem mesmo espera cinco minutos para colocar os pés para fora do presídio para colocar seu mais novo plano em prática.
Seguindo os padrões da trilogia original, a nossa anti-heroína precisa de um time de experts para prosseguir com cada um dos passos – e a primeira integrante emerge na sempre bem-vinda figura de Cate Blanchett como Lou, melhor amiga e parceira de Debbie. As duas reencontram-se da forma mais cômica possível – por todas as razões contraditórias que possa imaginar (à frente do túmulo do irmão) – e então partem para discriminar os detalhes necessários para que consigam roubar um precioso artefato: o Toussaint, colar de cinquenta quilates de diamante avaliado em mais de 150 milhões de dólares que imediatamente toma conta da perspectiva da golpista. Entretanto, ao invés de seguir os passos de Danny e invadir o precioso cofre da Cartier, ela resolve mergulhar no fabuloso mundo das celebridades e invadir o baile anual do Met Gala e furtá-lo durante o evento.
O elenco do filme é algo a ser admirado principalmente pelo retorno de alguns nomes que haviam caído no esquecimento – fosse pela falta de versatilidade em cena ou pelo simples afastamento. Helena Bonham Carter e Anne Hathaway retornam para mais uma parceria como a estilista de moda Rose Weil e a atriz socialite Daphne Kluger, respectivamente. As duas protagonizam inúmeras cenas juntas – e os diálogos até servem como certas farpas que dialogam com os conflitos desenrolados na vida real (um ótimo jeito de voltar a firmar amizades, diga-se de passagem). Regadas à comédia pura e à completa irreverência tragicômica, as duas personas têm seus arcos delineados o máximo possível sem que roubem a atenção do pano de fundo de principal e das outras coadjuvante. Hathaway, enfaticamente, volta para um dos melhores papéis de sua carreira e mostra-se capaz de entregar-se tanto ao drama quanto à comicidade em um estalar de dedos.
Toda a história é pensada nos mínimos detalhes – e ainda que se desenrole de modo mais tímido e monótono no primeiro ato, salva o potencial que carrega para momentos futuros; e sim, mesmo com os convencionalismos narrativos do gênero em questão, o roteiro assinado pelo diretor em conjunto a Olivia Milch, baseia-se em impossibilidades dialógicas que, para o cosmos pertencente às personagens, funciona na mais aversa das situações. Ora, Sarah Paulson dá vida à dona de casa e ex-vigarista Tammy e consegue arranjar um emprego na gigantesca revista Vogue apenas para ter acesso ao arranjo de convidados do Met Gala – em que outro lugar isso seria possível?
É claro que a perfeição está longe de ser alcançada, e mesmo um incrível elenco como este não consegue ofuscar todos os deslizes. Funcionando bem em suas respectivas bolhas – e com exceção de Blanchett e Bullock que criam centelhas em vários momentos da trama -, o time conhecido como Ocean’s Eight não tem a mesma química vista na trilogia original. Entretanto, não podemos negar que sua participação e o desenvolvimento de seus personagens vai muito além do apresentado em ‘Onze Homens’, e nenhuma parece desaparecer de propósito. E não podemos negar que Ross presta uma homenagem a Soderbergh ao emular suas perspectivas e construções imagéticas, desde os close-ups mandatórios até a diligente e enérgica montagem que tem como função manter o espectador apreensivo e atento a cada passo dado – entretanto, os cortes bruscos chegam a incomodar em determinado momento e acabam por afastar nossa atenção indiretamente.
‘Oito Mulheres e um Segredo’ é um spin-off divertidíssimo que funciona em sua maior parte. Mantendo relações com os filmes predecessores e fazendo algumas inserções hilárias para endossar a mais nova narrativa, Ross ganhou vários pontos ao realizar uma façanha que parecia impossível. E sim, é bem provável que Debbie Ocean retorne – afinal, o número oito não deve ter sido escolhido por acaso, não é mesmo?