sexta-feira , 22 novembro , 2024

Opinião | Garras para o alto: sobre o legado de ARTPOP

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Há algo inegavelmente emblemático quando pensamos em Lady Gaga.

Começando sua carreira ainda em 2008, o alter-ego de Stefani Joanne Angelina Germanotta ganhou vida com o estrondoso The Fame, seu álbum de estreia que não apenas quebrou inúmeros recordes, mas colocou uma jovem cantora e compositora de apenas 22 anos no centro dos holofotes com uma percepção estilística e fonográfica que divergia do costumeiro pop a que estávamos acostumados. Pouco mais de um ano mais tarde, Gaga mergulharia em sua era imperial, com o bombástico pontapé de The Fame Monster’ (e singles como “Alejandro”, “Bad Romance” e “Telephone”) e se estendendo até o começo de 2013 com os frutos colhidos de Born This Way (um dos melhores álbuns de todos os tempos).



Mas o que acontece depois que atingimos o topo? Bom, normalmente, a resposta para essa pergunta é a queda. E, com o lançamento de ARTPOP em novembro, sete anos atrás, não apenas a mídia, como também os fãs cairiam matando em cima de uma artista que ousava fugir dos comodismos e pensar “fora da caixinha”, estendendo sua arte para territórios ainda não explorados e que iriam de encontro ao que já havia nos apresentado. É claro que o infame terceiro compilado de originais de Lady Gaga passa longe de ser desconhecido ou de ter caído nas ruínas de suas tentativas de revitalização – aliás, são poucas as pessoas que nem ao menos ouviram falar em seu nome. Quase uma década mais tarde (e basicamente toda vez que completa-se mais um ciclo), ARTPOP volta para a boca do povo como se nunca tivesse saído.

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A explicação é bem simples, honestamente: o álbum é considerado, com equívoco gritante, uma mancha na carreira da performer – seja por ter sido massacrado pela crítica especializada à época de seu lançamento, seja por não ter feito o sucesso comercial que prometia (vendendo quase cinco vezes menos que a obra predecessora, apesar de atingir o primeiro lugar dos charts da Billboard). Condenada por seu conteúdo explícito, por sua constante apologia às drogas e ao conhecimento do próprio corpo – e até mesmo por um lirismo metafórico e apaixonado demais que tornava os versos “incompreensíveis” -, o CD foi injustamente abandonado para ser reconhecido anos depois, com um extenso legado que mostra suas caras até os dias de hoje (ainda mais considerando o forte retorno de músicos ao EDM e ao synth-pop oitentista em 2020, como Dua Lipa e The Weeknd).

Lady Gaga está morta” com seu “decepcionante álbum” eram as manchetes que ganhavam os sites do mundo inteiro em 2013 – talvez porque grande parte dos críticos não imaginava que Gaga iria tão longe para buscar uma identidade única. Afinal, ela já havia sofrido ridículas acusações de plágio com Born This Way e até mesmo um boicote da igreja pelo uso desenfreado da mitologia católica em “Alejandro” e “Judas” (este último propositalmente sendo lançado numa sexta-feira santa). Esperar o óbvio da artista mais interessante e audaciosa do século era esperar que cobras criassem asas – e ARTPOP veio para provar sua genialidade, colocando-a como uma criadora, uma realizadora instigante à frente de seu tempo e que seria reverenciada mais tarde como uma revitalizadora dos clássicos estilos entre 1970 e 1990.

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Gaga sempre foi bastante criticada pela mídia – e talvez suas respostas atravessadas e sua consciência social, que a transformou, também, no maior ícone LGBTQ+ da atualidade, permitiram que jornalistas e personalidades a julgassem pelas roupas extravagantes, pela pungência de versos musicais e pelas impactantes narrativas sonoras que promoviam o “abraçar do ser”. Em 2013, ela foi além: continuou investindo em hinos de autoaceitação e de empoderamento através de temas considerados tabus por uma sociedade excessivamente conservadora que não admitia mulheres falando abertamente sobre seus desejos e fetiches. “Quando eu deito na cama, me masturbo e penso em você” (When I lay in bed, I touch myself and think of you) é a frase que resume tudo o que Gaga se deu ao luxo de dizer, sofrendo represália ou não: a sensualidade embriagada de “Sexxx Dreams”, a visceralidade íntima de “Aura” e o poder narcótico de “Dope” são reflexos de uma artista que encontrou a verdade e se reencontrou com a própria voz.

De qualquer forma, ARTPOP enfrentou problemas ao longo do caminho – e tais obstáculos contribuíram para que o álbum e a era em si não fossem tratadas com a cautela que mereciam. De um lado, houve um boicote artístico da produtora; de outro, uma colaboração questionável com R. Kelly, “Do What U Want” (não em termos de concepção ou resultado, mas sim depois das alegações de abuso contra o rapper que obrigaram Gaga a remover da obra a faixa). Isso sem mencionar as inúmeras promessas nunca cumpridas pela artista, incluindo uma necessária continuação com faixas descartas e que incrementariam essa jornada sinestésica de modo incrível e irretocável (“Brooklyn Nights” permanece como uma das favoritas dos fãs e até mesmo é apresentada pela artista em certos shows).

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A iteração musical ganhou status cult e abarcou uma legião de fãs que outrora destruíram o trabalho de alguém que apenas buscava um lado novo de sua apaixonante personalidade. Diferente de investidas anteriores, Gaga mergulhou de cabeça na desconstrução da imagem solidificada na década anterior, assim como Andy Warhol e Sun Ra (que servem de referência para a arquitetura estética em questão). O positivismo crítico de “Applause” e a rendição à cultura mainstream com “Donatella” e “Fashion!”, embebidos em um pastiche que faz menção a si mesma e àqueles que influenciaram sua carreira, ganham uma dimensão para além do visto em primeiro plano – e que se destrincham para outras tracks, como a futurista “Venus” e a onírica faixa titular.

A performer pode ter criado expectativas monstruosas ao postar em seu Twitter que o álbum do milênio estava chegando – mas não a culpo: os ouvintes esperavam uma coisa totalmente diferente do que foi lançado e, caindo numa frustração premeditada, talvez não tenham entendido o conceito por trás do cru método de “Swine” e de “Mary Jane Holland”. O álbum é uma revolução, queiram ou não: Lady Gaga chegou ao fim de um ciclo e abriu as portas para um multifacetado futuro que, conforme ela mesmo anuncia, “poderia ser qualquer coisa”.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Mas o que acontece depois que atingimos o topo? Bom, normalmente, a resposta para essa pergunta é a queda. E, com o lançamento de ARTPOP em novembro, sete anos atrás, não apenas a mídia, como também os fãs cairiam matando em cima de uma artista que ousava fugir dos comodismos e pensar “fora da caixinha”, estendendo sua arte para territórios ainda não explorados e que iriam de encontro ao que já havia nos apresentado. É claro que o infame terceiro compilado de originais de Lady Gaga passa longe de ser desconhecido ou de ter caído nas ruínas de suas tentativas de revitalização – aliás, são poucas as pessoas que nem ao menos ouviram falar em seu nome. Quase uma década mais tarde (e basicamente toda vez que completa-se mais um ciclo), ARTPOP volta para a boca do povo como se nunca tivesse saído.

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A explicação é bem simples, honestamente: o álbum é considerado, com equívoco gritante, uma mancha na carreira da performer – seja por ter sido massacrado pela crítica especializada à época de seu lançamento, seja por não ter feito o sucesso comercial que prometia (vendendo quase cinco vezes menos que a obra predecessora, apesar de atingir o primeiro lugar dos charts da Billboard). Condenada por seu conteúdo explícito, por sua constante apologia às drogas e ao conhecimento do próprio corpo – e até mesmo por um lirismo metafórico e apaixonado demais que tornava os versos “incompreensíveis” -, o CD foi injustamente abandonado para ser reconhecido anos depois, com um extenso legado que mostra suas caras até os dias de hoje (ainda mais considerando o forte retorno de músicos ao EDM e ao synth-pop oitentista em 2020, como Dua Lipa e The Weeknd).

Lady Gaga está morta” com seu “decepcionante álbum” eram as manchetes que ganhavam os sites do mundo inteiro em 2013 – talvez porque grande parte dos críticos não imaginava que Gaga iria tão longe para buscar uma identidade única. Afinal, ela já havia sofrido ridículas acusações de plágio com Born This Way e até mesmo um boicote da igreja pelo uso desenfreado da mitologia católica em “Alejandro” e “Judas” (este último propositalmente sendo lançado numa sexta-feira santa). Esperar o óbvio da artista mais interessante e audaciosa do século era esperar que cobras criassem asas – e ARTPOP veio para provar sua genialidade, colocando-a como uma criadora, uma realizadora instigante à frente de seu tempo e que seria reverenciada mais tarde como uma revitalizadora dos clássicos estilos entre 1970 e 1990.

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Gaga sempre foi bastante criticada pela mídia – e talvez suas respostas atravessadas e sua consciência social, que a transformou, também, no maior ícone LGBTQ+ da atualidade, permitiram que jornalistas e personalidades a julgassem pelas roupas extravagantes, pela pungência de versos musicais e pelas impactantes narrativas sonoras que promoviam o “abraçar do ser”. Em 2013, ela foi além: continuou investindo em hinos de autoaceitação e de empoderamento através de temas considerados tabus por uma sociedade excessivamente conservadora que não admitia mulheres falando abertamente sobre seus desejos e fetiches. “Quando eu deito na cama, me masturbo e penso em você” (When I lay in bed, I touch myself and think of you) é a frase que resume tudo o que Gaga se deu ao luxo de dizer, sofrendo represália ou não: a sensualidade embriagada de “Sexxx Dreams”, a visceralidade íntima de “Aura” e o poder narcótico de “Dope” são reflexos de uma artista que encontrou a verdade e se reencontrou com a própria voz.

De qualquer forma, ARTPOP enfrentou problemas ao longo do caminho – e tais obstáculos contribuíram para que o álbum e a era em si não fossem tratadas com a cautela que mereciam. De um lado, houve um boicote artístico da produtora; de outro, uma colaboração questionável com R. Kelly, “Do What U Want” (não em termos de concepção ou resultado, mas sim depois das alegações de abuso contra o rapper que obrigaram Gaga a remover da obra a faixa). Isso sem mencionar as inúmeras promessas nunca cumpridas pela artista, incluindo uma necessária continuação com faixas descartas e que incrementariam essa jornada sinestésica de modo incrível e irretocável (“Brooklyn Nights” permanece como uma das favoritas dos fãs e até mesmo é apresentada pela artista em certos shows).

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A iteração musical ganhou status cult e abarcou uma legião de fãs que outrora destruíram o trabalho de alguém que apenas buscava um lado novo de sua apaixonante personalidade. Diferente de investidas anteriores, Gaga mergulhou de cabeça na desconstrução da imagem solidificada na década anterior, assim como Andy Warhol e Sun Ra (que servem de referência para a arquitetura estética em questão). O positivismo crítico de “Applause” e a rendição à cultura mainstream com “Donatella” e “Fashion!”, embebidos em um pastiche que faz menção a si mesma e àqueles que influenciaram sua carreira, ganham uma dimensão para além do visto em primeiro plano – e que se destrincham para outras tracks, como a futurista “Venus” e a onírica faixa titular.

A performer pode ter criado expectativas monstruosas ao postar em seu Twitter que o álbum do milênio estava chegando – mas não a culpo: os ouvintes esperavam uma coisa totalmente diferente do que foi lançado e, caindo numa frustração premeditada, talvez não tenham entendido o conceito por trás do cru método de “Swine” e de “Mary Jane Holland”. O álbum é uma revolução, queiram ou não: Lady Gaga chegou ao fim de um ciclo e abriu as portas para um multifacetado futuro que, conforme ela mesmo anuncia, “poderia ser qualquer coisa”.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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