Lançada em 2019, The Boys se tornou uma série fundamental para a expansão e consolidação do Amazon Prime Video no Brasil e no mundo. Na época, a plataforma ainda visava se estabelecer como um dos principais streamings para poder competir com a Netflix, isolada no topo do mercado com suas incontáveis produções originais que recebiam elogios a cada novo lançamento.
E como os super-heróis viviam seus últimos dias de auge, a discussão sobre a infantilização do público e o monopólio desse subgênero cinematográfico estavam em alta. Ou seja, não havia momento melhor para lançar uma série cuja premissa era justamente parodiar a ‘febre’ dos heróis. Mais do que isso, o mundo vivia um momento politicamente muito tenso, rendendo situações que até mesmo a ficção duvida. Era o timing perfeito, e assim a produção furou a bolha, conquistando diferentes públicos e convencendo parte dele a assinar o Prime Video para conferir a série e eventualmente conhecer outros conteúdos – originais ou não – disponíveis no catálogo.
A primeira temporada foi um sucesso absurdo, mas não passou nem perto do barulho feito pela segunda temporada. Pela primeira vez, uma série do Prime Video estava com forte expectativa de uma fanbase forte. E como a produção foi realmente excepcional, essa foi a chave de entrada para Billy Bruto, Capitão Pátria e amigos para o panteão da Cultura Pop mundial. Mais do que isso, a situação política norte-americana voltou a ser explicitamente sacaneada e empresas como a Disney e a Warner, detentoras desse monopólio de heróis nos cinemas e TV, foram feitas de palhaças, principalmente por conta da expansão dos streamings, recheados de produções medianas, e dos lançamentos das incontáveis versões dos diretores, que nada acrescentavam aos filmes.
Então, dada a grande qualidade da anterior, a terceira temporada chegou sob um hype ainda maior que o da segunda. Para melhorar, ainda houve um grande anúncio no elenco: a chegada do queridinho Jensen Ackles, recém-saído de Supernatural, para interpretar o Soldier Boy, a versão corrompida do Capitão América. Infelizmente, foi aí que a série começou a patinar, dando uma certa queda na qualidade. Ainda assim, é uma temporada que dividiu opiniões, bem longe desse início da quarta temporada, que parece estar bem longe do sucesso das anteriores. Segundo o agregador virtual de notas Rotten Tomatoes, a resposta do público a essa nova temporada é a pior de toda a série e a que mais se distancia das avaliações da crítica especializada. Mas o que está por traz dessa onda repentina de hate que a série vem recebendo?
Como tudo nos dias de hoje, até fandom de série está polarizado. Nas redes sociais do mundo, há aqueles que estão amando a quarta temporada por razões políticas, da mesma forma como há quem esteja odiando pelos mesmos motivos. Inclusive, um dos grandes discursos é de que a série esteja sendo criticada amplamente porque adeptos da extrema-direita estão enfim percebendo que The Boys seja crítica a ideais defendidos por eles. E vale destacar que, sim, é um fato que o Capitão Pátria (Anthony Starr) virou um símbolo para membros da direita e da chamada ‘comunidade incel’, por mais que ele seja retratado como um facínora extremamente problemático.
No entanto, atribuir a isso o hate sobre a série parece algo extremamente arrogante e reducionista, até porque The Boys nunca escondeu suas críticas – não apenas à direita, mas também aos adeptos da esquerda. E chega a ser curioso que estejam usando esse papo de que “a política arruinou a série”, sendo que a temporada melhor avaliada seja justamente a segunda, que foi unanimidade entre público e crítica.
E o grande nome da segunda temporada foi a Tempesta (Aya Cash), cuja concepção rendeu críticas a ambos os espectros políticos, transcendendo o próprio universo da série.
Isso porque a personagem era um homem nos quadrinhos, então já houve aquela discussão chata entre os fãs antes da temporada ser lançada, porque houve quem se revoltasse com a troca do gênero da personagem e houve quem apoiasse a mudança, afirmando questão de gênero pouco importa, contanto que ela fosse bem escrita, dirigida e interpretada.
No fim das contas, essa segunda vertente estava com razão, porque a Tempesta foi o grande destaque da temporada, mostrando o pior que os dois lados têm a oferecer. Sua jornada na série foi muito engraçada, porque começou como uma nova super-heroína, que veio ressaltando o Girl Power e o empoderamento, mas terminou com a bonita se revelando literalmente uma nazista. Foi divertido ver como teve parte de uma galera que não conhecia os quadrinhos tentando alçar a Tempesta a ícone feminista, só para ver a vilã enfileirando momentos grotescos e trazendo um discurso mais à direita, como genocídio branco, ódio a imigrantes, até chegar o momento em que ela se assumiu literalmente nazista.
E toda a abordagem dela é divertida justamente por brincar com a dualidade política até chegar ao extremo do extremo, a ponto de até o Capitão Pátria se assustar com o nível de imbecilidade que ela defendia.
Ou seja, atribuir a queda da receptividade do público a uma questão meramente política parece meio arrogante. Até porque, desde o início, a série é produzida por Evan Goldberg e Seth Rogen, cujos espectros políticos passam longe do conservadorismo, tanto que lançaram recentemente uma empresa de ‘cannabis caseira’.
E esse envolvimento da dupla sempre foi amplamente divulgado, principalmente o de Seth Rogen, cujo nome foi estampado nas primeiras temporadas para atrair o público, dada sua grande popularidade pelas comédias escrachadas.
Se não é política, o que é?
Assumindo que a ‘má vontade’ com a nova temporada não seja por questões políticas, o que seria, então, a razão para esse hate na quarta temporada?
Desde a primeira temporada, a grande promessa de The Boys é ver um Capitão Pátria descontrolado. A cada novo sinal de que ele estaria surtando, o público comemorava e engajava nas redes sociais. O problema é que parece que os executivos enxergaram nisso uma oportunidade de estender ao máximo a série. A sensação é de que eles pensaram: “Se ele não surtar, a série não acaba. Vai ter gente assistindo até ele perder a cabeça”. E o próprio showrunner de The Boys, Eric Kripke, parece ter concordado, já que o grande trabalho de sua carreira (Supernatural) também foi excessivamente prolongado e funcionou bem com os fãs.
Só que entram aí dois problemas. O primeiro é que os fãs de The Boys são mais ‘mimados’ que os de Supernatural. A galera não recebeu bem as declarações dadas há algum tempo de que a série poderia ter várias temporadas. O público não recebeu bem essa possibilidade de ter temporadas fillers.
Mas o principal é o segundo problema. A produção não está conseguindo aplicar o conceito de filler aos episódios. A terceira temporada testou essa possibilidade de rodar os personagens sem avançar tanto a trama, o que foi extremamente mal recebido e passou uma impressão de cansaço. A temporada anterior começou em um ponto, teve um arco divertidíssimo do Soldier Boye o Composto V temporário no meio e terminou no exato mesmo ponto em que começou. Se um fã pular a terceira temporada, ele chega na quarta com a principal ameaça no mesmo lenga-lenga de “eu vou surtar, hein? Vou ficar maluquinho e matar a todos!”, sem efetivamente fazer isso. Para complicar ainda mais, até mesmo as diferentes representações da loucura do Pátria estão ficando repetitivas.
Fidelidade
Há quem diga quem um dos motivos para essa ‘decepção’ dessa temporada é o afastamento da originalidade das histórias em quadrinhos. E isso aponta o tamanho do desgaste pelo qual a série está passando.
É consenso dentre os leitores de histórias em quadrinhos que a franquia The Boys é terrível nas HQs. O conceito é excelente, mas a execução é complicadíssima, porque parece que as páginas foram usadas para desafogar a vontade dos artistas em desenhas estupros, abusos e violência. Todas as vezes que eles sonharam em desenhar o Superman esmagando um crânio com o cotovelo foram descontadas nas páginas de The Boys.
Sem contar a quantidade de estupros que acontecem mais vezes do que o Billy troca de camisa. Sério, é um abuso sexual a cada três páginas. Diante dessa bizarrice, a trama acaba ficando em segundo plano. Então, sempre foi praticamente um fato de que a série era melhor que as HQs. Porém, diante do desgaste dos fãs com o show, há algumas pessoas – muitas que sequer leram os quadrinhos – que começaram a apelar para o argumento de que “o quadrinho é melhor”. E isso, se tratando de uma produção inspirada em HQ’s – é o sinal máximo de que as coisas estão dando errado. Para não ser injusto, a única coisa que os gibis fizeram melhor que o streaming foi retratar os Supers de forma tão psicótica, escatológica e moralmente nojenta que não deixou qualquer brecha para interpretações de que talvez algum deles seja herói. Ali é todo mundo podre e ponto final. Já na série, provavelmente pelo carisma dos atores, há quem simpatize com eles.
Desgaste
Por fim, acredito que um grande problema que tenha sido ignorado pelos produtores e executivos é que a série vem perdendo sua essência. Quer dizer, o sangue, a violência explícita e as piadas com pênis continuam lá, mas isso aí era apenas o ‘glacê do bolo’. Era uma embalagem não-tão-bonita para um presente muito legal, que era a sátira aos heróis. Da terceira temporada até aqui, The Boys vem se tornando tudo aquilo que jurou criticar e sacanear.
É claro que isso rende momentos incríveis, como a luta entre Billy Bruto (Karl Urban), Soldier Boy e Capitão Pátria no final da terceira temporada. Mas, olhando friamente para a situação, é apenas mais uma luta de CGI, repleta de destruições e flares. De que adianta zombar dos diretores de filmes com heróis nas primeiras temporadas para depois fazer episódios que parecem ter sido dirigidos por ele?
Em meio a toda essa polêmica, falta aos fãs entenderem também que esse é apenas o início da quarta temporada. Já houve séries que só foram encontrar seu rumo da metade da temporada para frente. Então, pode ser que essa nota aumente caso a produção tenha feita uma temporada que se reconecte com o cerne do show e fuja da mesmice que tomou conta nos últimos anos.