Antes de começar esse texto, é bom esclarecer que não sou contra o politicamente correto, principalmente porque ele, quando bem utilizado, pode trazer mudanças importantes para a nossa evolução como seres humanos e como fãs. O problema, porém, é que os grandes estúdios parecem não ter a menor ideia de como lidar com esse “movimento” e acaba não apenas prejudicando não apenas a imagem das produções em si, mas também a própria imagem do estúdio, já que a “alternativa” mais fácil que eles encontram é sem a mesma: censura.
A grande polêmica da semana foi um artigo do The New York Times sobre Pepe Le Gambá, um dos personagens secundários clássicos do universo dos Looney Tunes. Segundo o autor do artigo, o fedegoso gambazinho é responsável por reforçar a cultura do estupro, normalizando o assédio sexual e coisas do tipo. Para quem não se lembra, Pepe é um gambá criado pela Warner em 1945. Suas principais características são feder e ser doentiamente apaixonado por uma gatinha das mesmas cores que ele, fazendo com que seus episódios girassem em torno dele perseguindo e assediando ela incessantemente. O assunto não é exatamente uma novidade no que diz respeito ao personagem. Ele já foi alvo de críticas, estudos e shows de humor ironizando seu comportamento abusivo.
Tentar negar esse assédio cometido por ele é fechar os olhos para a realidade. Basta colocar o nome do gambá nas abas de busca. Os resultados serão todos dele agarrando a coitada da gatinha, que sempre estampa um olhar de assustada no rosto. No entanto, alguns pontos devem ser ressaltados. Como disse anteriormente, o personagem foi criado em 1945 pelo lendário Chuck Jones. Na época, os desenhos animados eram exibidos nos cinemas em sessões especiais ou como curtas para serem passados antes dos filmes. Pepe surge como uma paródia dos clássicos românticos franceses, que traziam homens extremamente apaixonados e acabaram associando o romance à França. Ou seja, ele surge como uma sátira aos franceses – não à toa o Pepe ostenta aquele sotaque francês caricato e, bem, é um gambá… Contribuindo para as piadas de que os franceses não tomam banho, por isso fazem perfumes excelentes -, e acabou tomando uma proporção maior, a ponto de ganhar uma animação própria. Isso não ajudou a defendê-lo, né? Ainda bem, porque a intenção desse texto não é defender o personagem.
Pois bem, dos anos 1990 para frente, quando assuntos como assédio e cultura do estupro começaram a ser mais falados, levados a sério pela sociedade, a Warner começou a tirar o Pepe de suas produções, dando cada vez menos espaço para ele, percebendo que era um personagem que não tinha mais espaço nas produções recentes. Basta reparar que ele aparece por menos de 30 segundos em Space Jam: O Jogo do Século (1996), e foi utilizado em pouquíssimos episódios dos Looney Tunes desde então. Não acho que tenha sido incorreto, porque deixaram o passado preservado, mas sem censurar um personagem. Apenas acharam que ele não se encaixava mais no nosso contexto e decidiram não usá-lo mais. Tudo normal. O problema é que esse artigo do New York Times repercutiu tanto que o estúdio anunciou que uma cena do personagem foi removida do vindouro Space Jam: Um Novo Legado, que estreia ainda esse ano. Estrelado por LeBron James, o filme é um tipo de sequência e reboot da franquia, e segue muito aguardado pelos fãs.
Na cena, Pepe Le Gambá tentaria pegar a modelo brasileira Gracie Santo, que ficaria muito revoltada com a situação e daria um esporro no gambá, afirmando que aquilo era errado. Ele também seria repreendido pelo próprio LeBron, reafirmando o quanto seu comportamento era errado. Isso só mostra que a Warner se deixou levar pelo politicamente correto de uma forma completamente errônea. Acredito que a intenção das denúncias acerca da animação seja para que o assédio possa acabar o quanto antes. E se tem algo que a história nos ensina é que não é apagando o passado que mudaremos o futuro. Não é fingindo que algo errado não aconteceu que vamos evoluir. Não dá. A cena em questão era fantástica porque pegava uma situação, um personagem controverso e o utilizava como forma de educação.
O estúdio teve a oportunidade de educar o público infantil, repassando e reforçando uma ideia anti-assédio, mas preferiu censurar o personagem para “não polemizar”? Isso não existe. Além de desperdiçar um momento fantástico e com potencial de ficar eternizado na história do cinema, o estúdio reforçou uma cultura vazia de cancelamento, que preza mais por apontar dedos do que efetivamente tentar mudar o problema para algo que ajude na causa defendida pelo politicamente correto. Fora isso, a modelo e atriz brasileira teve sua aparição cortada do filme. Ainda não sabemos se ela terá outras cenas, mas é óbvio que ela não gostou disso. Em entrevista ao Deadline, um representante da modelo comentou o caso: “Isso era tão importante para a Greice, estar nesse filme. Mesmo que o Pepe seja um personagem de desenho, se alguém fosse dar um tapa em um assediador sexual como ele, Greice gostaria que pudesse ser ela. Agora a cena foi cortada e ela não tem esse poder de influenciar o mundo através das gerações mais jovens que estarão assistindo a ‘Space Jam 2’, para deixar garotas jovens e garotos jovens saber que o comportamento do Pepe é inaceitável“.
Junto a essa exclusão da Warner, o Disney+ americano anunciou nesta semana que vai remover os filmes controversos do estúdio do catálogo infantil do streaming. Veja bem, não são filmes adultos ou com classificações etárias acima de “livre”. Não, são filmes como Dumbo, Aristogatas, Mogli: O Menino Lobo e Peter Pan, que contam com personagens que fazem representações racistas de outras etnias, como os chineses e os indianos. Já comentei sobre isso anteriormente no site, então não há necessidade de me alongar no assunto. Porém, é aquela história, o serviço tinha inserido cards informando ao público sobre as polêmicas ali retratadas e como isso não podia mais ser aceito na sociedade. Isso foi elogiável. Agora, depois de um tempo, eles voltam atrás e decidem por remover os filmes do catálogo. Animações que poderiam ser usadas pelos pais para explicar aos pequenos como racismo e xenofobia são errados acabam sendo apagadas do streaming porque é mais fácil para eles evitar a polêmica. São essas atitudes que mostram como os grandes estúdios de Hollywood estão sendo afetados negativamente pelo politicamente correto, mas não por culpa do “politicamente correto”, e sim pela total falta de interpretação e bom senso dos próprios estúdios.
Eles não precisam tomar o tal “politicamente correto” como um inimigo, mas sim como um aliado que poderá ajudá-los a evoluir e promover assuntos como respeito e inclusão na nossa sociedade por meio de suas obras.