O Prime Video lançou neste último dia 15 de setembro a aguardada série ‘Turismo Selvagem’.
Baseada no romance ‘Wilderness’, de B.E. Jones, a trama acompanha Olivia (Jenna Coleman) e Will Taylor (Oliver Jackson-Cohen), um casal britânico que se muda para Nova York e vê suas vidas virarem de cabeça para baixo quando Olivia descobre que seu marido a está traindo com uma mulher que trabalha com ele. Acreditando nas desculpas de seu esposo e que ele está disposto a mudar, Olivia embarca com ele em uma jornada pelo Meio Oeste dos Estados Unidos apenas para mascarar sua ciência de que Will, na verdade, continua em uma onda de mentiras que a estão levando ao limite de sua paciência e de sua sanidade.
A narrativa se estabelece como um competente suspense com ótimas intenções, mas que parece se perder em um número gigantesco de subtramas e uma decepção consigo própria. Em outras palavras, todas as incursões arquitetadas pela showrunner Marnie Dickens parecem meio cozidas e meio cruas, esquecendo-se, por vezes, da necessária ambientação para que os objetivos sejam alcançados.
Olivia é a peça-chave de toda essa complexa trama: ao descobrir que Will transou com uma de suas colegas de trabalho, Cara (Ashley Benson), e que inclusive planejava deixá-la para fugir com ela enquanto estavam em viagem. É a partir daí que o enredo principal se desenrola: Olivia, em um ímpeto de fúria, vai atrás de Will e de Cara e, acreditando ser o marido, a empurra de um barranco e, eventualmente, ocasiona sua morte. Mergulhada em uma crescente catástrofe que pode colocar seu futuro a perder, ela percebe que, dia após dia, é modelada para se tornar uma “bonequinha” perfeita que deve se submeter às vontades do marido e, carregando traumas da separação dos pais, da mãe que mora na Inglaterra.
É um fato dizer que Coleman é a verdadeira estrela do show, nos presenteando com uma performance avassaladora que navega pelo surto, pela histeria, pela culpa, pelo desejo de vingança e, por fim, pela passividade agressiva – um dos pontos de maior acerto da produção. Todavia, é inegável como a falta de cuidado com o ritmo e com a condução narrativa desperdiça o infinito potencial desse cosmos para investidas que não fazem sentido e que caminham para um finale ocasional e impalpável. De fato, se Dickens tivesse se aproveitado um pouco mais da liberdade criativa audiovisual e, talvez, desviado de alguns pontos do romance, ela poderia ter antecipado pontas soltas e, com sorte, construído uma conclusão mais satisfatória.
Um dos elementos que parecem abandonados em prol das fórmulas do gênero é a própria psique humana: Olivia passou a vida inteira acreditando que não encontraria o amor por ser o ponto de ebulição do divórcio de seus progenitores – afinal, ela encontrou seu pai transando com outra mulher e acreditou estar fazendo o correto ao contar para a mãe. A partir daí, ela foi infundida em um vórtice inquebrável de manipulações emocionais que descreditavam o que ela achava correto e, por essa razão, começou a se submeter a vontades que não eram suas – incluindo as de Will: ele a convenceu a deixar sua vida na Inglaterra para se mudarem aos Estados Unidos e, como se não bastasse, a convenceu de que o “erro” cometido foi momentâneo (quando, na verdade, não era).
É possível traçar um paralelo entre a construção de Olivia com a de Nora Helmer na peça ‘Casa de Bonecas’, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Ambas as histórias são afloradas através de uma ideologia feminista tardia: Nora e Olivia, a princípio subjugadas e controladas das mais diversas maneiras por forças de maior impacto, percebem que precisam fugir desse ciclo vicioso se quiserem ter a chance de sobreviver. Nora foi submissa ao pai e, agora, a seu marido, Torvald; Olivia, por sua vez, à mãe e ao esposo. Injustamente culpadas pela torrente de desgraças que se sucedem, elas são engolfadas em um paternalismo condescendente que nos causa ânsia e raiva a todo momento. Não obstante o paralelo entre as duas, a personagem interpretada por Coleman não tem o mesmo frescor por não ser bem aproveitada dentro do arco em que é colocada, tangenciando uma insanidade sem sentido que só volta a ter firmeza nos momentos finais.
‘Turismo Selvagem’, no final das contas, é uma diversão garantida e conta com sólidas atuações; porém, não podemos deixar de nos sentir frustrados com a falta de apego à principal característica do show – uma denúncia travestida de suspense acerca do gaslighting e do senso de histeria que move a protagonista (cuja resolução, mesmo não tão bem pensada assim, é a única possível após a bola de neve de deslizes que se forma nos capítulos anteriores).