Clássica animação introduziu o vilão no universo techno-punk do Batman do Futuro
Texto contém spoilers
“Não era um concurso de popularidade. Ele era um monstro”
Em tempos recentes o filme Batman Triunfante, uma sequência para Batman & Robin que também seria comandada por Joel Schumacher, mas que nunca foi sequer iniciada, voltou à atenção do público pela revelação de algumas peças que iriam compor seu enredo. Dentre elas a volta do Coringa de Jack Nicholson por meio de uma alucinação que o Batman teria ao ser exposto ao gás do medo do Espantalho.
Porém, essa não é a primeira vez que o Palhaço Príncipe do Crime passou por uma situação de voltar do além, muito menos em um longa metragem. Por volta de 1999, a DC Comics (bem como a Warner Bros Animation) já podia se considerar uma referência no mercado de animações. Batman: A Série Animada havia redefinido a forma como personagens de quadrinhos poderiam ser transpostos para a televisão, ainda por cima em um horário reservado para os desenhos, em 1992.
A série produzida por Bruce Timm, Alan Burnett, Eric Radomski e Paul Dini havia feito sua fama como a melhor adaptação do Batman fora dos quadrinhos por justamente ter uma estética inspirada no cinema noir das décadas de 30, 40 e 50, uma Gotham City formada a partir do estilo arquitetônico de art déco e pelo enredo em muitos dos episódios (ainda que não em todos) escrito de maneira bastante profunda para o que havia no mercado de animação até então; seja abordando a violência urbana ou as psiques de Bruce Wayne e seus vilões.
O sucesso da série garantiu uma sequência intitulada As Novas Aventuras do Batman em 1997 e que mantinha a mesma equipe da produção anterior. Apesar de apresentar um estilo de traço para os personagens que diferia do que fora feito até então, a série garantiu a continuidade das boas avaliações do trabalho que Bruce Timm estava mostrando com o herói até então. Dois anos depois a Warner Bros. Animation deu sinal verde para uma nova empreitada.
Ambientada no ano de 2019, Batman do Futuro apresenta uma Gotham City cyberpunk (inspirada em Blade Runner, Akira e Ghost in the Shell) onde o avanço tecnológico se misturou à criminalidade que já é natural ao local. Dando sequência à mesma realidade das animações anteriores, Bruce Wayne começa a enfrentar as limitações da idade e percebe que não poderá continuar a ser o Batman por muito mais tempo. Em uma trama com um cenário muito similar ao clássico Retorno do Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, Gotham é mostrada como uma terra perigosa e que dificilmente foi mudada pelos anos de vigilantismo de Bruce.
Eventualmente ele decide passar a capa e o capuz para o jovem Terry McGinnis, que perdera o pai pelas mãos da chamada gangue do Coringa (sem qualquer envolvimento com o vilão). Por se passar no futuro do universo DC a animação ganhou liberdade para dar fechamento a muitos arcos de personagens famosos. Aliados como Jim Gordon, Alfred e Harvey Bullock há muito já morreram. Outros como Barbara Gordon, Dick Grayson e Tim Drake já estão velhos e aposentados.
Os inimigos também receberam seus encerramentos. Bane, Ra’s Al Ghul, Sr. Frio, Pinguim, Duas-Caras de alguma forma acabaram saindo de cena e dando espaço para novos inimigos. Entretanto, um dentre todos nunca recebeu a devida justificativa para seu desaparecimento e o mistério só aumentava quando o velho Bruce evitava de tocar no assunto.
“É isso mesmo Bruce. Eu sei de tudo!”
A resposta para que fim levou o Coringa veio em 2000, quando Batman do Futuro ainda estava sendo transmitido. A chance de fazer esse longa animado veio após o cancelamento de Batman: Arkham, filme esse que daria sequência à também animação Batman & Mr. Freeze: SubZero. O roteiro do novo projeto foi entregue a Paul Dini (principal roteirista das séries anteriores e criador da Arlequina) e a trama geral foi elaborada pelo mesmo junto com Bruce Timm e Glen Murakami.
O elenco de dublagem também contou com a volta de vozes tradicionais do idioma original. Kevin Conroy que já dublava Batman\Bruce Wayne desde 1992 e Mark Hamill como o Coringa lideraram o elenco. Arleen Sorkin retomou como a voz da infame Dra. Harley Quinzel bem como Tara Strong voltou a dar vida à Barbara Gordon.
A trama coloca Terry tentando decifrar uma série de roubos que estão sendo perpetrados por uma gangue, sendo que cada membro possui um visual que remete a um personagem do passado de Bruce (Espantalho, Arlequina e até a hiena da criminosa). Eventualmente o líder da gangue se revela como sendo o próprio Coringa, sem ter sofrido qualquer mudança de idade e com um visual inspirado em Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes, o que gera uma reação visível de medo em Bruce.
Eventualmente, Terry descobre o que aconteceu no último confronto do Batman com o palhaço. Junto à Arlequina, o Coringa havia capturado o então Robin Tim Drake e por meio de tortura (a direção de Curt Geda torna esse processo bastante explícito em certos momentos) o menino prodígio é convertido em um Coringa jr; uma situação que possui fortes semelhanças com o arco dos quadrinhos Morte na Família, que apresentou a tortura e morte de Jason Todd.
É revelado também que durante o procedimento, Tim contou ao Coringa tudo sobre quem é o Batman e quando chegou o momento em que o herói estava incapacitado, o vilão forçou Tim a matá-lo. A criança, porém, mata o Coringa em uma nova cena de violência explícita e demonstra durante uma cena muito emotiva a profundidade do trauma a que foi submetido. Voltando ao presente e com Bruce incapacitado após um ataque do nêmesis, cabe a Terry descobrir quem é a pessoa se passando pelo psicopata.
“Ah que droga, eu vou rir de qualquer jeito mesmo”
Retorno do Coringa ficou famoso também por suas duas versões. Acontece que muitos elementos presentes no roteiro e outros em cena (estes evocando não só violência explícita mas também piadas de conotação sexual, suspense psicológico) seguiam a liberdade que os produtores haviam tido por anos na televisão. No entanto, o trágico massacre na escola de Columbine em abril de 1999, mudou muito a percepção geral acerca da violência em filmes e jogos (em especial Doom).
O filme então teve que ser reeditado para contemplar um público mais amplo e essa foi a primeira versão liberada para a TV e home vídeo em dezembro de 2000. Dentre as modificações estavam a exclusão de quaisquer presença de sangue, a retirada de momentos em que o Coringa eletrocutava Tim Drake durante a lavagem cerebral, apenas sugestão em diálogos sobre o tema de “morte” e a mais notável: a total mudança de como o Coringa morreu. Originalmente ele levando um tiro do já convertido Tim Drake, mas eventualmente isso terminaria mudado para um eletrocussão acidental provocada pelo próprio vilão.
Foi só em abril de 2002 que a “versão sem cortes” foi lançada, não mudando praticamente nada da história mas trazendo de volta elementos mais violentos que haviam ficado de fora. O Retorno do Coringa é celebrado como um dos melhores longas animados baseados em quadrinhos e por vezes competindo com A Máscara do Fantasma pelo posto de melhor adaptação do Batman. Graças a sua trama madura o suficiente para mostrar não só violência mas sentimentos como medo e sofrimento, o longa conseguiu resistir aos desafios do tempo e reservar seu lugar na história.