Não é de hoje que filmes não apreciados em sua época de lançamento vivem para se tornar verdadeiros cult nos anos seguintes. O Demolidor se enquadra bastante em tal quesito. Lançado em 3 de outubro de 1993 nos EUA, chegando ao Brasil em 4 de fevereiro de 1994, o longa arrecadou uma bilheteria de US$58 milhões em seu país de origem, o que apenas equivaleu seu valor de produção, porém, é reportado seu sucesso financeiro no resto do mundo. O fato quase tirou do papel uma sequência que seria lançada ainda na época, ainda nos anos 90. Ele nunca aconteceu, mas o astro Sylvester Stallone vem aguçando a curiosidade de seus fãs com menções a uma possível sequência tardia.
Na trama, Stallone vive o policial linha dura John Spartan, um sujeito que usa de métodos nada ortodoxos para combater o crime. Ou seja, basicamente qualquer personagem do ator. A novidade aqui é que o colocam para enfrentar um antagonista à altura, nas formas de Wesley Snipes (igualmente surfando na crista da onda no período), o terrorista Simon Phoenix. Durante um confronto entre os dois muitos inocentes morrem, e como punição ambos são condenados a uma nova forma de prisão: a criogenia. Os dois despertam no futuro, no ano de 2032 e se deparam com uma realidade bem diferente do que conheciam.
O Demolidor além de um filme de ação e ficção científica de tirar o fôlego, ainda funciona muito na base da crítica social, com sua visão do futuro bem satírica. O filme completa 28 anos em 2021 e, além dos demais atrativos serviu para introduzir grande parte do público ao charme e carisma de Sandra Bullock em um de seus primeiros papeis de destaque, um ano antes de sua revelação em Velocidade Máxima. Em suas previsões donas de certa acidez, O Demolidor acertou muita coisa que veríamos como realidade em nosso dia a dia, já no “futuro” de 2021. E quem precisa dos Simpsons como videntes, certo? Pensando nisso, esta nova matéria apresenta alguns dos mais curiosos elementos que o longa anteviu. Confira.
Futuro Politicamente Correto
Os anos 80 foram maravilhosos, mas foram também a década mais politicamente incorreta que podemos imaginar. Parte desta cultura se estendeu para os anos 1990, onde prevalecia a lei do mais forte e o “macho alfa” era determinado por suas vitórias em brigas físicas e constantes conquistas românticas do sexo oposto, por exemplo. Justamente por isso, é curioso notarmos como O Demolidor previu para onde nossa sociedade iria caminhar: para uma época que seria o inverso total disso – com muitas privações e uma vivência visando a bondade, união e nosso aperfeiçoamento humano. Para muitos, o chamado “como o mundo está chato”.
No futuro de O Demolidor, muitos (ou quase todos) dos comportamentos perfeitamente normais do passado foram totalmente banidos – o que é muito do que vemos atualmente. Alguns são extremamente necessários, é claro. Desta forma, no filme os palavrões foram banidos, carne vermelha, cigarro e tudo o que faz mal para nossa saúde também foi abolido. A revista Playboy e o sexo carnal também não possuem mais lugar nesta realidade. Entre outras coisas. Ah sim, a violência foi erradicada, assim as únicas armas existentes estão em museus e a polícia lida com trabalhos mais burocráticos e menos enfáticos fisicamente.
Os Canceladores e os Cancelados
O Demolidor apresenta um futuro onde tudo “de errado” foi cancelado. Alguns podem argumentar também, tudo de melhor e mais divertido. Seja como for, atualmente o movimento dos cancelamentos visa atacar e banir tudo com o que não concordam, realizando uma verdadeira caça às bruxas. Do outro lado, muitos não estão de acordo com o certo exagero ocasional em se defender uma causa, passando dos limites e se comportando de uma forma ainda pior do que o que foi “cancelado”. No filme, existe toda uma comunidade vivendo às margens da sociedade, se escondendo nos subterrâneos e esgotos, perseguidos pelas autoridades por não concordarem com o estilo de vida “limpinho” que surgiu. Liderados pelo personagem Edgar Friendly (Denis Leary), eles curtem comer hamburguês, tomar uma cerveja, ver revista de mulher pelada e tudo o que der na telha. Eles são os anti-canceladores, os que apontam para o “mimimi” sem levar muito a sério o exagero.
Sexo Virtual
Em 1993, quando O Demolidor foi lançado, sequer existia a internet. Bem, não desta forma como a temos hoje. Tudo bem que este veículo de ação não foi o primeiro do cinema a apresentar o conceito do sexo virtual, mas sem dúvidas é um dos mais famosos e memoráveis. Em outra previsão acertada do longa, o sexo virtual é uma realidade comum do cotidiano deste futuro. No filme ele ocorre devido à proibição do sexo real e carnal, coisa que esperamos nunca sair de moda na vida real. De qualquer forma, talvez nem mesmo o filme pudesse imaginar a cultura que vivemos (e que cada vez aumenta e se torna mais forte) dos sites e aplicativos de Sugar Daddies e Sugar Babies, além de jovens que se promovem virtualmente de forma sexual em troca de dinheiro e presentes caros.
Interatividade Homem e Máquina
No filme, o futuro é altamente comandado por máquinas. Gravações tecnológicas regem nosso dia a dia e nos dizem o que fazer e para onde ir. Além de auxiliar o serviço dos policiais, a cada esquina é possível interagir com um equipamento altamente funcional capaz de tirar qualquer dúvida e resolver questões. Existe uma máquina até mesmo para multar os que infringem a lei falando palavrões. Isso sem falar das populares reuniões em chamadas de vídeo (que vieram bem a calhar durante a pandemia). Tudo bem que nossa realidade foi ainda mais longe, permitindo que qualquer cidadão tenha uma dessas máquinas à mão o tempo inteiro e que ditemos nossas vidas através delas.
Schwarzenegger na Política
Falta de Papel Higiênico
Assim que a pandemia do Covid-19 começou, uma das maiores preocupações de todos era que ficássemos sem papel higiênico. A corrida aos mercados e lojas era constante, enquanto os mesmos se viam escassos de seu abastecimento. Muitos garantiam o seu comprando uma enorme quantidade, o que terminava deixando parte da população desprovida do item. Em O Demolidor, seja pelo fator ecológico ou qualquer outro motivo, a sociedade deixou de utilizar papel após a ida ao banheiro. Numa das piadas mais divertidas e icônicas do longa, Stallone descobre que no lugar do rolo higiênico, no futuro utiliza-se três conchas marinhas de metal para se limpar. Como são usadas, não me pergunte.
Vegetarianismo
Num mundo ditado pelo politicamente correto é claro que o vegetarianismo se tornaria parte essencial do comportamento humano. Esta prática alimentar, é claro, sempre existiu, mas cada vez mais temos uma tendência consciente quanto a isso. A informação é cada vez mais abundante e com o passar dos anos as pessoas caminham para uma vivência mais saudável e sustentável, eliminando (ou ao menos diminuindo) hábitos nocivos ao nosso organismo. Em O Demolidor, a carne vermelha é simplesmente proibida e se você quiser adquirir um bom e velho hambúrguer, precisa ir aos subterrâneos e comprar um “rat-burguer”. Sim, feito com carne de rato . Outra piada é que os melhores restaurantes do futuro serão as redes de fast food transformadas em alta cozinha – os chamados menus gourmetizados que temos, por exemplo, na atual febre de food trucks. Ah sim, o filme também previu a união de algumas cadeias de lanchonetes muito famosas.
Distanciamento social
Geração “leite com pera”
É necessário adquirir anticorpos a fim de erradicar as mazelas. No entanto, as gerações atuais parecem preferir evitar o problema, esquivando pela tangente, e desta forma ficando completamente desprotegida e desamparada no mundo real. Afinal, nem só de cancelamentos virtuais são resolvidos os problemas do dia a dia, o que pode requerer ações mais diretas e imediatas. Ao criarem seu próprio mundo, com suas próprias regras, uma geração inteira pode vir a ficar alheia a como as coisas realmente funcionam. No filme, a violência e os problemas costumeiros foram completamente erradicados da realidade no futuro. Mas o que acontece quando o passado volta à tona e a polícia se encontra despreparada para enfrentar a truculência? O recado no final das contas é: inocência demais pode fazer mais mal do que bem, se não estivermos ao menos cientes das malícias que nos cercam.