Publicada em 1962, a Amazing Fantasy #15 mudou para sempre a Marvel Comics e a indústria dos quadrinhos
“…Peter Parker estava longe de ser o maioral do campus…”
Na metade da era de prata dos quadrinhos (período entre 1956 e 1970, quando a respeitabilidade da indústria atingiu outro patamar), mais precisamente em 1962, era lançada a décima quinta edição da revista mensal Amazing Fantasy. Essa linha editorial da Marvel Comics tinha como objetivo criar histórias melhor trabalhadas e com forte inspiração no gênero de ficção científica para o público, até então ela era conhecida como Amazing Adult Fantasy e à sua frente estava a dupla Stan Lee e Steve Ditko.
Com um cancelamento iminente a dupla recebeu carta branca, em agosto de 1962, para publicar uma última história que eles quisessem. Para isso eles pensaram na ideia de um vigilante mascarado com poderes de aranha que já havia sido descartado anteriormente pelo editor Martin Goodman. A narrativa desse novo personagem traria a inovação de não ser apenas uma história de um super-herói combatendo o crime mas também de ser a história de um jovem passando por problemas do cotidiano, como relações amorosas, busca por trabalho e equilibrar vida escolar com a de vigilante.
Isso tudo com um adolescente recebendo o papel de protagonista e não mais o de um ajudante (como tinha se tornado comum desde a criação do Robin – Dick Grayson em 1940). Ainda que a ideia de vida escolar mesclada com a de herói fosse algo novo, a concepção de quadrinho abordando o mundo sob a ótica de um jovem já era usada desde 1939 nas histórias de Archie Andrews e seus amigos publicados pela MLJ Comics.
Ainda assim o sucesso de Amazing Fantasy #15 foi imediato e o público queria consumir mais histórias sobre Peter Parker e seu alter ego heroico, Homem-Aranha. Isso garantiu uma sobrevida à linha e eventualmente, com o personagem estabelecido como um sucesso, gerou uma readaptação para focar exclusivamente em histórias do “teioso”. Não mais Amazing Fantasy, mas sim Amazing Spider-Man.
Foi em 1963 que a série começou, trazendo a dupla Lee\Ditko no roteiro e ilustração respectivamente. As primeiras histórias traziam um tom bastante juvenil e descompromissado, com um narrador surgindo eventualmente para ambientar o leitor dos acontecimentos, com Peter passando por situações inusitadas (como a histórica luta de boxe com seu eterno bullie Flash Thompson) ou com vilões bastante caricatos. Ao mesmo tempo, as histórias chamavam atenção por momentos de grandes dilemas morais de fácil identificação.
Mais de uma vez, principalmente quando entra para a faculdade, Peter se vê dividido entre a vontade de sair para se divertir com seus colegas e a necessidade de cuidar da tia. Esse dilema pessoal foi a base para Amazing Spider-Man #31, que se tornou não só uma das histórias mais amadas da fase Lee\Ditko como também foi um dos primeiros divisores de água para muitos personagens da mitologia do herói – tais como tia May (que se mostrava incomodada por ver Peter tão dedicado a ela devido a seus problemas de saúde em detrimento de se divertir), Gwen Stacy (que já mostrava os primeiros sinais de atração para com Peter) e até o próprio Peter Parker, dando sinais claros de estafa ao tentar equilibrar a vida de vigilante, aluno e responsável pela tia.
O sucesso inegável dos quadrinhos gerou a primeira série animada do herói em 1967, chamada Spider-Man. Hoje mais conhecida pelos memes criados a partir da sua limitada animação, foi para ela que a música tema do personagem, “Spider-Man Theme”, foi composta e décadas mais tarde refeita pela banda Ramones.
“Você matou a mulher que eu amo!”
A década de 70 foi bastante importante para o Homem-Aranha. Nos quadrinhos, em 1973 foram publicados os volumes 121 e 122 de Amazing Spider-Man sob o título de A Noite que Gwen Stacey Morreu. O assassinato da namorada do protagonista pelas mãos de seu maior inimigo, o Duende Verde, foi um marco histórico dos quadrinhos e muitos o classificam como o fim da então era de prata e início da era de bronze.
Em 1977 veio a primeira versão live-action do aracnídeo com o seriado The Amazing Spider-Man que, apesar de bem recebido, durou apenas 13 episódios entre 1977 e 1979. Nos anos seguintes, filmes sobre o personagem chegariam à TV com os títulos Spider-Man: Strikes Back e Spider-Man: The Dragon’s Challenge. Todos eles protagonizados por Nicholas Hammond da série de TV.
Uma versão japonesa do cabeça de teia produzida pela Toei foi ao ar em 1978. Batizada unicamente de Spider-Man essa versão foi realizada aos moldes do gênero tokusatsu (nome dado ao gênero de obras live-action que utilizam efeitos especiais em suas produções como Godzilla e Kamen Rider) e apesar de apresentar certa semelhança estética do uniforme com os quadrinhos elas terminavam por aí. O protagonista agora era Takuya Yamashiro e suas habilidades vinham de braceletes alienígenas, que lhe permitiam lançar teias e transformar uma nave alienígena em um robô gigante.
Por volta de 1994 veio aquela que foi a porta de entrada para toda uma nova geração de fãs: Spider-Man: Animated Series. Pegando carona nos sucessos de Batman: Animated Series e X-Men: Animated Series, a série animada foi por muito tempo o segundo programa de uma propriedade da Marvel Comics com a vida mais longa, perdendo apenas para X-Men, durando 65 episódios. Sua música de abertura foi performada por Joe Perry, guitarrista da banda Aerosmith.
A série animada também foi responsável por apresentar o antagonista Venom para o grande público através dos episódios duplos (distribuídos em VHS separadamente) intitulado A Saga de Venom. Um universo Marvel também fora estabelecido ao longo do seriado, seja através de pontas de personagens como Demolidor, Capitão América, Homem de Ferro e outros ou como referências.
“Quem sou eu? Quer mesmo saber?”
Mesmo com a presença consolidada nos quadrinhos e televisão faltava um terreno que o Homem-Aranha ainda não havia obtido sucesso: o cinema. Antes de 2002 algumas ideias para projetos haviam sido propostas, com a versão de James Cameron tendo Leonardo DiCaprio no papel principal, mas nenhuma vendo a luz do dia. No início dos anos 2000, o diretor Sam Raimi (dos filmes Uma noite Alucinante) assumiu o projeto que teria em Tobey Maguire seu protagonista.
O sucesso de Homem-Aranha foi muito além de sua conquista individual. O filme fez parte do gênero de super-heróis que aos poucos se renovava desde o fim da década de 80. Nesse sentido, a primeira adaptação do teioso se juntou a X-Men: o Filme, de 2000, e Blade: o Caçador de Vampiros, de 1998, na vanguarda do novo modo de se produzir adaptações de quadrinhos, geralmente atuando em um terreno que não dava margem para as extravagâncias do gênero. Tais produções ganharam contornos negativos no pós-fase Schumacher dos filmes do Batman, mas ainda não eram tão sérios e sombrios quanto a abordagem de Christopher Nolan para o Morcego.
Apesar da versão de Raimi trazer liberdades de adaptação em relação aos quadrinhos, como a teia produzida pelo herói ser orgânica e não originária de cápsulas, ou a total ausência de Gwen Stacy, elas não foram tão rechaçadas pelo público como em outras adaptações. Outros elementos, como a interpretação surtada de Willem Dafoe para Norman Osborn e a escalação precisa de J.K Simons para J.J.Jameson são muito queridos por fãs até hoje.
O sucesso também gerou mais duas sequências; Homem-Aranha 2 foi e é tratado como um dos grandes filmes do gênero em todos os tempos devido a sua abordagem bastante madura sobre o que torna Peter Parker um herói (baseando-se em Amazing Spider-Man #50 ou também chamada de Spider-Man No More), tornando o filmes por vezes muito mais um drama do que algo oriundo de quadrinhos. O Dr. Octopus de Alfred Molina também recebe bastante elogio por fugir da visão de cientista louco dos quadrinhos e entregar um criminoso com propósito.
Homem-Aranha 3 porém não repetiu o sucesso dos dois anteriores, tendo falhado em apresentar vilões carismáticos ou profundos como foram anteriormente e sendo bastante criticado pelo tom cômico concedido a um filme que, em tese, adaptou uma saga importante, como parte de Guerras Secretas e Amazing Spider-Man #299 (primeira aparição do Venom). O fracasso junto ao público forçou a Sony, detentora dos direitos de imagem do personagem, a elaborar um reboot na forma de uma nova franquia.
Dessa forma nasceu a franquia “O Espetacular Homem-Aranha”, composta por dois filmes e dirigida por Marc Webb (500 dias com ela). Dessa vez a abordagem seguiria uma linha mais próxima do universo Ultimate dos quadrinhos (uma espécie de reboot nas histórias da Marvel no início dos anos 2000) e daria mais espaço para o romance entre Peter Parker e Gwen Stacey. Ambos os filmes receberam bastante crítica por apresentar uma versão atualizada e um tanto descolada demais de Peter. O segundo filme, em particular, não soube trabalhar com tantos personagens em tela, cometendo erros iguais aos de Homem-Aranha 3.
Porém, essas obras foram responsáveis por reanimar o interesse do grande público pela Gwen Stacy (que já vinha voltando a ter atenção desde a animação O Espetacular Homem-Aranha de 2008) e eventualmente a personagem ganhou suas próprias mensais Spider-Gwen e The Unbelievable Gwenpool. Atualmente o personagem possui uma presença estabelecida no Universo Cinematográfico da Marvel, tendo tido dois filmes solo e participação em dois filmes dos Vingadores. Diferente das outras abordagens, na atual versão um olhar verdadeiramente adolescente foi escolhido para estabelecer a figura de Peter Parker.
Fato é que após mais de cinquenta anos, o Homem-Aranha ainda é uma das figuras mais amadas dos quadrinhos e o grande protagonista da Marvel Comics. Foi o personagem que trouxe a figura dos super-heróis para mais perto da realidade do leitor e que melhor dialogou com a juventude ao longo das décadas. De suas histórias também nasceram outros tantos personagens inesquecíveis e importantes como Miles Morales, Wilson Fisk, Mary Jane, Justiceiro e etc., além de ter formado o gosto pela leitura e a imaginação de gerações. Não importa quando, o amigão sempre estará pela vizinhança.