O vencedor do prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes desse ano, Heli é uma produção mexicana que retrata a dura e cruel realidade do submundo do tráfico de drogas no país. Extremamente violento e gráfico em algumas de suas cenas, Heli chega ao Festival do Rio 2013, como uma das obras mais chamativas do evento. Dirigido pelo jovem espanhol Amat Escalante, de 34 anos, o filme aborda a vida de uma família humilde mexicana, vivendo numa área desértica de uma pequena cidade, afastada dos grandes centros. Heli, o protagonista, é vivido pelo ator Armando Espitia. Ele é um jovem honesto, que vive sob o mesmo teto do pai, da esposa, de seu bebê e da pequena irmã.
Durante a coletiva de imprensa em Cannes, o cineasta foi acusado de retratar sem autoridade uma realidade que é bem distante da sua. Em contrapartida, Escalante respondeu ter grande conhecimento de fatos, mesmo sem os ter vivenciado. O realismo é sentido na tela, sem que precisemos procurar muito para classificar os eventos apresentados no filme como verídicos, ou ao menos muito próximos de uma grande possibilidade. Heli possui algumas das cenas explícitas jamais vistas em qualquer outra produção violenta e gráfica.
A menina Andrea Vergara, parece ainda uma menininha em seus 11 anos de idade (aproximados, imagino), e talvez esse seja mesmo o propósito do diretor. Sua personagem Estela, é irmã do protagonista Heli, e namora com um rapaz mais velho, em seus 17 anos de idade. Percebemos o cuidado do cineasta em cenas mais sexualmente intensas envolvendo a menina, que possui realmente uma aparência infantil. Em alguns momentos de “amasso” dentro do carro, vemos os atores apenas se abraçado e virando as cabeças, dando o efeito do beijo.
A pequena Estela faz inclusive planos de fugir com Alberto, seu namorado. A trama dá a grande guinada, quando o jovem namorado, que treinava para se tornar um policial, em cenas dignas de Tropa de Elite, encontra acidentalmente uma grande quantidade de drogas numa casa abandona. O rapaz a leva para a casa de sua namorada, e a esconde na caixa d´água. Ao consertar um problema, Heli encontra a droga, e vai confrontar a irmã. Sem tempo para mais nada, homens invadem a sua casa, sequestram ele e sua irmã, e matam seu pai, ao reagir à balas.
Ao chegar ao cativeiro, Heli percebe que os sujeitos já haviam chegado ao namorado de sua irmã, que também se encontra no local. E aí começa o pesadelo para o correto protagonista, que irá sofrer pelo erro dos outros. Algumas das cenas de torturas não são para os de estômagos fracos, e mesmo os mais fortes irão se contorcer, não pela sugestão do que ocorre, mas sim pelo fato de que Escalante nos mostra tudo de forma detalhada. São cenas que nos deixam questionando como foram realizadas, pelo grafismo da coisa.
Com o tempo, Heli é solto, e ao lado da polícia realiza uma busca a sua irmã desaparecida. Heli é um filme cru e estarrecedor, que sem papas na língua chega para incomodar. A obra também traça diversos outros paralelos e significados implícitos, como a associação dos prazeres da vingança, violência e o sexo. Heli, o protagonista, se tornou impotente após o nascimento de seu pequeno bebê. E toda vez que pensa em ter intimidades com sua jovem esposa, papel da bela Linda González, é impossibilitado de concluir o ato. Após a reviravolta em sua vida, o protagonista sente-se novamente capaz e estimulado.
Apenas Deus Perdoa marca a nova parceria da dupla Nicholas Winding Refn e Ryan Gosling, diretor e ator do ultra Cult Drive, respectivamente. Durante o Festival de Cannes de 2011, quando o cineasta Lars von Trier foi considerado persona non grata após os comentários sobre Hitler, Refn fez questão de se declarar contra seu conterrâneo (os dois são dinamarqueses). Pois bem, o mundo dá voltas, e dois anos depois é Refn quem recebe um tratamento morno, e vaias, de parte da imprensa após a exibição de sua nova obra.
Tudo porque o novo filme estrelado por Ryan Gosling foi acusado de ser muito pretensioso. A verdade é que em Apenas Deus Perdoa, o diretor Refn realmente parece muito consciente de seu estilo, como se brincasse de se autoparodiar. E se muita gente reclamou que Drive era excessivamente lento, espere para ver o que foi confeccionado aqui em matéria de longas pausas dramáticas onde ninguém diz uma palavra, ou ao menos realiza um movimento. São muitas encaradas significativas. Mas nem por isso Apenas Deus Perdoa é um filme chato ou monótono. É apenas artístico demais.
Logo na primeira cena somos apresentados à fúria descontrolada de Billy, personagem de Tom Burke, o irmão do protagonista de Gosling. No filme, os dois cuidam de negócios escusos, gerenciando lutas ilegais em Bangcoc, Tailândia. De forma irracional, o sujeito sai pela cidade, invadindo bordéis e direcionando sua brutalidade às prostitutas. Como esperado o acontecimento não acaba de uma boa maneira, com o cruel antagonista matando uma jovem. Detido no local pela polícia, o destino do sujeito é trágico, e ele acaba morto pelo pai da mulher que assassinou.
É justamente o fato que desencadeia a trama de Apenas Deus Perdoa, com a chega da mãe dos irmãos ao local. A vampiresca Crystal, papel de uma das melhores atrizes da atualidade, a britânica por nascimento mas francesa por opção, Kristin Scott Thomas. A fantástica atriz está ótima no filme, exibindo uma beleza irretocável no auge de seus 53 anos de idade. Beleza essa que só é comparada ao instinto visceral e nem um pouco materno de sua personagem. Todo o charme e elegância que imaginamos ao lembrar da atriz se esvai propositalmente aqui, essa é uma grande metamorfose.
Numa das cenas de destaque da obra, Thomas é vil e obscena ao triturar com as palavras seu próprio filho (Gosling). Essa não poderia ser uma persona mais distante da própria personalidade da classuda atriz. A mulher deseja pura e simplesmente uma fria vingança contra os responsáveis pela morte de seu filho, e acredita que o caçula Julian, papel de Gosling, deveria realizar tal façanha em memória ao seu irmão. Tudo se direciona para Chang, o chefe de polícia local, papel de Vithaya Pansringarm. Ele é um sujeito honesto e muito metódico, que rege sua cidade com mão de ferro.
Agora, essas duas forças irão colidir quando a polícia e os criminosos se enfrentarem. Apenas Deus Perdoa tem uma trama simples e um tanto linear. No entanto, Refn querendo mais uma vez se mostrar um cineasta de qualidade, explora cada detalhe, de forma uma artística extrema. E o faz ao ponto de incomodar, exagerando na direção de arte, fotografia, e em basicamente todos os outros quesitos da obra. Esse é seu filme mais chamativo. O mais importante, porém, o filme carece, a humanidade. Apesar de seu grande estilo, Drive era acima de tudo uma obra que ganhava por seus relacionamentos humanos, principalmente entre Gosling e Carey Mulligan.
Em Apenas Deus Perdoa parecemos ter apenas esboços de personagens, seus designs sem uma humanidade verdadeira. Esse é um filme extremamente violento também, que extrapola em momentos gráficos e explícitos. São muitas sequências de surrealismo também, resultados de sonhos e pensamentos, pontos sempre negativos em toda obra. Mesmo Apenas Deus Perdoa sendo a obra mais convencida da carreira do talentoso Refn, ela não deixa de ser interessante, para dizer no mínimo. Mesmo com todos os defeitos apresentados, uma obra autoral que expõe os pensamentos e desejos de um verdadeiro artista é sempre melhor do que empacotados que só expõem a ganância de engravatados de estúdios tentando lucrar mais.
Um dos projetos mais subversivos do ano, Spring Breakers: Garotas Perigosas tem como mote um conceito que por si só já é muito interessante, pegar quatro jovens inocentes, e transformar totalmente sua imagem. Para isso, o polêmico cineasta americano Harmony Korine, de 40 anos, escalou ex-atrizes mirins da Disney, como Vanessa Hudgens (High School Musical), Selena Gomez (Os Feiticeiros de Waverly Place), Ashley Benson (Pretty Little Liars) e sua própria esposa, Rachel Korine, e as colocou de biquíni durante toda a projeção, realizando atos inesperados.
O cineasta Harmony Korine começou a carreira como roteirista do elogiado Kids (1995), aos 22 anos de idade. De lá pra cá o diretor se manteve no circuito de produções de arte, longe do cinema mainstream americano, e entregou obras controversas como Vida Sem Destino (1997), Mister Lonely (2007) – cujos personagens principais eram Michael Jackson, Marilyn Monroe, Charles Chaplin e o Papa, vividos respectivamente por Diego Luna, Samantha Morton, Denis Lavant e James Fox; e Trash Humpers (2009). Em sua fase de experimentação com entorpecentes, o diretor foi expulso do programa de David Letterman, por mexer na bolsa de Meryl Streep no camarim.
No mesmo programa, James Franco o defendeu, e a atriz Selena Gomez disse que só participou desse filme inflamatório porque sua mãe é uma verdadeira fã do diretor. Na trama, Candy (Hudgens, 24 anos), Brit (Benson, 23 anos), Cotty (Korine, 27 anos) e Faith (Gomez, 20 anos) são amigas universitárias, que durante as chamadas férias da primavera, se desesperam e literalmente resolvem fazer qualquer coisa para conseguir dinheiro e embarcar nessa viagem de pura celebração e êxtase. Para quem não conhece no que consiste o chamado Spring Break, existem diversos vídeos online. Resumidamente: festas alucinadas acompanhadas de bebida, drogas e sexo.
Após serem presas, as quatro infratoras acreditam que seu sonho de curtição plena chegou ao fim de forma estarrecedora. Porém, entra em cena o melhor personagem, Alien, vivido de forma metódica por James Franco. Com trancinhas no cabelo, cheio de tatuagens (que incluem seu rosto e pescoço) e com metal nos dentes, é reportado que Franco, um talentoso ator, permaneceu em seu personagem durante os intervalos de gravações assustando as meninas, em especial a mais nova da turma, Gomez. O sujeito é um pretenso “gangsta”, um pequeno traficante querendo subir ao mundo do crime, que usa Scarface como sua referência máxima (assim como muitos pretensos criminosos).
Ao longo o sonho dessas meninas passa a se transformar em pesadelo, quando começam a se embrenhar por um território muito perigoso, sob a influência de seu benfeitor. A personagem de Gomez, vinda de uma vida religiosa, é a primeira a combater a presença de Alien, e o que ele trará para suas vidas. Ao longo algumas vão caindo, para outras se enrijecerem e sobrepujarem. Um conto cautelar, a história de Spring Breakers serve como prevenção para meninas que gostam de viver de forma acelerada. O estilo vídeoclíptico da obra de Korine combina muito bem belas imagens, ótimas atuações e uma trilha sonora pesada.
Sucesso nos Estados Unidos (onde foi um dos filmes mais lucrativos do ano, levando em conta a proporção de salas de exibição), e em festivais, Spring Breakers é um grande flerte com o perigo, e talvez a obra criminosa mais divertida e tentadora de todos os tempos. Franco mergulha de cabeça nos trejeitos de Alien, mostrando ser ao mesmo tempo sedutor e assustador, enquanto as meninas são pedidas para darem o maior passo de suas carreiras, e se saem igualmente muito bem. As ninfetas tentadoras e criminosas de Korine definitivamente não são para todos os gostos. Mas alguns serão pegos como reféns delas.
Dores de Amores é uma adaptação da peça escrita por Léo Lama, que fez enorme sucesso nos palcos do Rio entre 1989 e 1994, quando foi encenada por Malu Mader e Taumaturgo Ferreira. Na versão para o cinema, Fabíula e Milhem vivem o jovem casal em crise que busca uma solução inusitada para os seus problemas.
Curiosidades:
» Primeiro longa-metragem dirigido por Raphael Vieira.
É muito difícil saber que tipo de comédia nacional irá emplacar no gosto do grande público. A tarefa se torna difícil para os avaliadores porque no fundo todas parecem fazer uso de um humor bem similar, tornando quase impossível sua dissociação. A verdade é que as mais inocentes, e recomendadas para a família toda, vide Até que a Sorte nos Separe e Minha Mãe é uma Peça, tendem a levar mais gente aos cinemas. Já obras um pouco mais ácidas, e voltadas para assuntos mais recomendados para adultos, como O Concurso, acabam ficando mais restritos.
Talvez Mato Sem Cachorro sofra um pouco dessa síndrome, já que além do tema central aqui ser o relacionamento entre um casal, o filme faz uso em sua maioria de um humor incorreto, muito palavreado de baixo calão, e cenas que os correspondem. O protagonista Deco (Bruno Gagliasso, em seu primeiro papel no cinema) é um sujeito mais do que encostado, que divide o apartamento com o primo, vivido pelo humorista Danilo Gentili. Durante uma emergência, na qual levava o primo para o hospital, Deco quase atropela um cãozinho. O animal sofre de uma rara doença conhecida como narcolepsia canina.
A doença é definida como: toda vez que o animal fica muito excitado por qualquer que seja o motivo, ele cai num sono pesado, como um desmaio. Esse é o gancho para milhares de piadas iguais, todas fazendo uso da situação peculiar do cachorro. No mesmo dia em que quase é linchado devido ao incidente, o personagem principal conhece Zoé, vivida pela talentosa Leandra Leal (Bonitinha, Mas Ordinária). Os dois se apaixonam por algum motivo inenarrável, tendo em vista que o personagem Deco de Gagliasso é tão sem vida e introspectivo, que logo de cara começamos a torcer contra ele.
O sujeito não possui numa qualidade atraente que o redima, e mesmo seus gestos altruístas e boas ações parecem acidentes. O sujeito é empurrado a tais situações, nunca por vontade própria. Mesmo em personagens introspectivos é preciso existir ao menos uma qualidade redentora, para torná-lo minimamente interessante. Deco não possui uma sequer. Não possui desejos ou ambições, e passa os dias deitado no sofá. Seu maior feito foi ter colocado na internet um vídeo da cantora Sandy, bêbada numa Lei Seca (boa sacada que brinca com a persona de santinha da jovem celebridade).
As personalidades do casal principal não poderiam ser mais opostas. A personagem deLeal é uma jovem mulher cheia de vida e aspirações, trabalha num programa de rádio, e realmente ama animais. Apesar de ser um filme, existe algo muito errado em querermos que esses dois fiquem juntos. Se estivéssemos de fato vivendo de perto tal situação, não existe ninguém que não aconselharia Zoé a fugir o mais rápido possível. Mas no cinema o amor vence tudo, até a real felicidade de uma personagem para quem deveríamos torcer.
Sinceramente não acredito que pessoas que recriminaram O Concurso possam dar seu aval para esse Mato Sem Cachorro. Talvez apenas os românticos inveterados, pois no quesito humor, as duas produções não são minimamente desiguais. Aqui encontramos piadas com anões (assim como no filme citado), nudez masculina, e até masturbação em cachorros, tudo com o intuito de arrancar gargalhadas. Junte a isso montagens de cachorros fugindo num parque, com seu passeador (o citado anão) os perseguindo, sequência que aproxima o filme de qualquer uma dessas exibições da Sessão da Tarde, de filmes sobre animais.
Mato Sem Cachorro não é um desastre de trem completo. Obviamente sua proposta é jogar no seguro e atingir o maior número de pessoas possíveis. Danilo Gentili tem carisma o suficiente para roubar a maioria de suas cenas, talvez só precisasse de um material melhor e mais afiado. Leandra Leal consegue levantar a moral de qualquer obra em que esteja. Suas cenas são sempre recheadas de muita classe, até mesmo quando todo o resto não corresponde. A atriz consegue trazer seriedade e como já vimos na TV, fazer qualquer tipo de personagem. Ela é uma grande profissional. E Gagliasso mergulha de cabeça, como um ator metódico, se transforma e some em Deco. E o problema, para o filme, é justamente o protagonista.
Viagem Sem Volta é o primeiro de dois filmes que o jovem ator americano Michael Cera fez no Chile, ao lado do diretor Sebastián Silva, a chegar ao Brasil. O segundo filme da dupla em terras latino-americanas é a comédia Crystal Fairy e o Cacto Mágico, aventura entorpecida que será exibida no Festival do Rio 2013. Já o thriller psicológico Viagem Sem Volta recebeu por aqui um lançamento direto em vídeo. Exibido em Festivais no início do ano, como Sundance e Cannes, a produção teve um lançamento restrito nos EUA.
Na trama, cinco amigos vão passar uma temporada na casa de campo no Chile de dois deles, os irmãos Augustín e Bárbara, interpretados respectivamente por Augustín Silva e pela colombiana indicada ao Oscar, Catalina Sandino Moreno (Maria Cheia de Graça). Por ser a mais velha do grupo, Bárbara, a personagem de Moreno, não participa muito da ação, ficando apenas com a parte da adulta responsável. Para isso o roteiro a tem muito em casa, lendo, ou fazendo qualquer outra atividade que a impossibilite de estar dentro dos principais acontecimentos da trama.
Augustín é namorado de Sara, papel da subestimada Emily Browning (Beleza Adormecida). Ela leva consigo a única integrante da turma que ninguém conhecia, Alicia, papel da inglesinha Juno Temple (Killer Joe – Matador de Aluguel). Fechando o quinteto, temos o amalucado Brink, papel de Michael Cera (da série Arrested Development), na performance mais estranha e bizarra de toda a sua carreira. Aliás, tais adjetivos servem muito bem para definir Viagem Sem Volta, uma obra que mistura o terror psicológico de clássicos de Roman Polanski, como Repulsa ao Sexo e O Inquilino, com filmes de jovens.
Esse é um filme no qual o suspense é latente durante toda a projeção, embora nunca saibamos de onde virá. E isso é um grande feito, conseguir arrancar tensão e inquietude sem ter verdadeiramente uma ameaça ou antagonista, apenas a própria mente humana. Ao final da exibição, grande parte do público poderá achar que essa é uma obra vazia, e a acusação será a de que não apresentou realmente nada durante sua projeção. Ledo engano. Viagem Sem Volta ganha muitos pontos por apresentar o monstro mais assustador de todos, os relacionamentos humanos.
O interessante aqui é que o diretor Silva, autor do roteiro também, apresenta sob todas as perspectivas e ângulos, a loucura. Ele transforma todos os personagens em vítimas e antagonistas ao mesmo tempo, e isso sem apresentar grandes motivos, apenas em coisas pequenas e situações corriqueiras. Situações que sempre acabam mal quando não ocorre o entrosamento necessário entre duas pessoas. A problemática Alicia (Temple) é deixada sozinha com a turma, mesmo seu único elo sendo Sara (Browning), que precisa se ausentar temporariamente.
Daí, devido a uma série de mal entendidos, e o comportamento inadequado (principalmente do personagem de Cera), a loirinha começa a surtar e pouco a pouco entrar em variados níveis de seu inferno pessoal. Pense na sociopatia de personagens como os de Catherine Deneuve e do próprio Polanski, em seus filmes citados anteriormente, e teremos definido grande parte do comportamento de Temple aqui. Mesmo com a chegada de sua grande amiga, que retorna ao grupo, as coisas não parecem melhorar. Junte a mistura uma espécie de hipnose, verídica ou não, da menina.
Mesmo sem ser perfeito, aliás, bem longe disso (sendo o principal defeito a chance de explorar devidamente todos os seus personagens – com Browning e Moreno totalmente sem função aqui), Viagem Sem Volta é um interessante estudo psicológico e sociológico, que funciona como um coquetel molotov esperando para explodir. O filme nos deixa sem saber aonde ficar e por quem torcer, já que os delírios são constantes. O desfecho é surpreendente e impactante. Mesmo deixando um grande gosto amargo na boca do público.
Ainda que belo, filme é sabotado por sua estrutura didática e artificial.
A nova adaptação cinematográfica da cultuada trilogia literária O Tempo e o Vento, escrita por Érico Veríssimo, teve deveras uma produção à altura e recebeu, de certo modo, grande cuidado por parte do diretor Jayme Monjardim. Foram quase sete anos de reformulação no roteiro, tendo ele vinte e sete versões diferentes, até chegar nesta final, que é assinada por Letícia Wierzchovski e Tabajara Ruas, ambos gaúchos. Além, claro, de um considerável investimento financeiro, com direito a rodar o filme inteiramente usando câmeras 4K. Logo, esperávamos que este épico, inteiramente brasileiro, desse significado literal ao gênero – o que, em alguns aspectos, aconteceu, já em outros pontuais, nem tanto.
Tendo apenas no currículo, no que se refere a cinema, o pavoroso Olga, Monjardim traz consigo, novamente, a responsabilidade de transpor para a sétima arte, o que é considerado por muitos como o romance definitivo do estado do Rio Grande do Sul, e uma das mais importantes obras de arte do Brasil. Já que, brilhantemente, usando como plano de fundo um dos momentos históricos mais marcantes da história brasileira, a ocupação do Continente de São Pedro até o fim do Estado Novo, incluindo a Revolução Farroupilha, o escritor, através da saga das famílias Terra e Cambará, e de um romance que traz consigo uma gama de gerações, consegue prender o leitor com uma trama sólida e envolvente, mas, ao mesmo tempo, contextualizar o tema abordado, de forma muito orgânica.
Se Jayme conseguiu alcançar com êxito tal objetivo? Acredito que não. Até mesmo porque, condensar, de certa maneira, três livros complexos (O Continente, com mesclas de O Retrato e O Arquipélago) em um longa de pouco mais de duas horas não era uma tarefa fácil pra ninguém. E, conhecendo um pouco da carreira do cineasta e dramaturgo paulista, era de se imaginar que ele tendesse para a linguagem mais novelada e dramática, do ponto vista narrativo. O que acabou não sendo uma escolha tão acertada. Já que a fita perdeu parte do seu apelo cinematográfico e ganhou um tom de minissérie “de época”, produzida pela Rede Globo – algo semelhante a títulos como Guerra de Canudos e A Casa das Sete Mulheres.
Com uma rápida introdução escrita, para situar o espectador, o filme, imediatamente, nos põe em meio aos conflitos referidos, e traz à figura da velha Bibiana (Fernanda Montenegro), matriarca da família Terra-Cambará, que junto com os seus parentes, ver-se cercada pelos Amaral. Bastante debilitada, praticamente em seu leito de morte, ela recebe (idealiza) a visita do seu falecido esposo, o capitão Rodrigo (Thiago Lacerda). Com ele ao seu lado, Bibiana relembra e conta como foi construída a história de amor dos dois, além da gênese de sua própria família. Um artificio narrativo óbvio, mas frágil, já que os diálogos soam todos expositivos e minimalistas. Causando assim um didatismo estrutural incomodo e artificial. E não colocaria nenhuma parcela de culpa em cima dos atores, ambos desempenharam bem seus papéis.
Detentor de um aspecto visual luxuoso e uma estética sofistica, a obra impressiona no que se refere à reconstrução de cenário e na atmosfera ambicionada. O trabalho do experiente e sempre excelente cinematografo Affonso Beato (Tudo Sobre Minha Mãe), é realmente um deleite para os olhos. O exemplo claro de um momento marcante, está na belíssima cena inicial, da silhueta do capitão Rodrigo, sendo digna de comparar-se a clássica tomada de Scarlett O´Hara, em E o vento levou…, pelo seu enquadramento e escolha de lentes. A fotografia é fundamental para situar o espectador nos distintos períodos e andamentos abordos, e impetra eficientemente suas alusões.
Assim também, a direção de arte é cuidadosa e detalhista, por conseguir recriar as cidades gaúchas e todas as regiões montanhosas, de forma crível e concreta. Além do próprio figurino que, mesmo soando cafona e antiquado, é fiel aos que lá existiram. Enfim, temos pouco a falar sobre a parte técnica que, excepcionalmente, é sabotada por escolhas equivocadas do diretor.
E, mesmo não sendo um grande filme e constituindo-se bem inferior a obra original, no que se refere à dimensão da mídia, este O Tempo e o Vento poderá agradar alguns que estão habituados, e tem afeição, aos moldes televisivos e, claro, despertar também o interesse de outros em ir atrás do trabalho de Veríssimo, e assim conhecer grandes contos do escritor e da nossa rica literatura nacional.
Ficção científica é poderosa quando concilia fantasia com crítica da realidade. Mas, não está imune às trivialidades. Pela proposta, “Elysium” era uma das grandes promessas da temporada. E havia a expectativa por seu diretor e roteirista, Neil Blomkamp, do ótimo “Distrito 9”.
No ano de 2154, a Terra devastada tornou-se uma grande favela, na qual vive a maioria miserável da população. Os mais ricos habitam a estação espacial Elysium (referência aos Campos Elísios da mitologia greco-romana), desfrutando das benesses da tecnologia, como máquinas que curam qualquer doença. Max (Matt Damon), ex-presidiário, trabalha em uma das fábricas androides. Depois de um acidente no trabalho, ele precisa ir à Elysium para se curar, ou morrerá em 5 dias. Também quer ajudar a filha de Frey (Alice Braga), sua amiga de infância. Em troca de um serviço de risco, Max receberá a ajuda de Spider (Wagner Moura) para chegar à estação espacial.
O filme tem poucas qualidades e muitos problemas de concepção de roteiro. Entre as qualidades está o uso dos efeitos especial – o mínimo para um orçamento de 115 milhões de dólares. A concepção de Elysium impressiona e remete à estação de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Apesar de irregular, há boas sequencias de ação, especial na parte final. A direção não teme a violência, chegando ao gore. Considerando que as produções atuais não mostram o sangue, há méritos na escolha de Blomkamp – não se trata de sadismo do crítico, apenas é algo que transmite mais humanidade para a ação, algo perseguido pela direção.
Das atuações, três valem destaque. Sharlto Copley, protagonista de “Distrito 9”, faz o mercenário Kruger, em uma atuação forte. O brazuca Wagner Moura está muito bem como Spider, um coiote que faz o transporte clandestino da terra para Elysium, mas nada que se compare com outros papéis. Alice Braga tem atuação regular, mas isso decorre mais de sua personagem do que de seu talento – muito superior. E aqui começam os problemas…
As personagens são tão planos quanto as de uma novela da Glória Peres. Não há profundidade. Temos tipos. Só faltavam os atores segurarem plaquinhas indicando suas funções. Spider é o mercenário com consciência social. Frey é a médica sofrida que deseja curar sua filha. Max é um miserável que deseja sair da miséria. Delacourt (Jodie Foster) é a política gélida e desalmada e John Carlyle (William Fichtner) o porco capitalista. Apenas o mercenário Kruger tem mais densidade. Esses estereótipos só não implodem o filme por causa da qualidade do elenco.
Tanta uniformidade serve para a criação de uma narrativa esquemática e obvia, previsível para alguém que tenha assistido meia dúzia de filmes de ação ou ficção. O trailer já permite imaginar seu desenvolvimento. O roteiro abre licenças na própria mitologia e aceita furos para facilitar o quesito evolução. A mais gritante é a facilidade com que a nave de Wagner Moura chega à Elysium. E se o filme tem a qualidade de ser enxuto, também pode soar monótono, exceto pela parte final. E aqui uso o critério da plateia: na minha sessão, não notei grande empolgação.
Em entrevista, o diretor-roteirista declarou: “Todo mundo que não tem essa riqueza a quer e vai tentar tê-la, e o Primeiro Mundo provavelmente irá tentar se aferrar e ela, e a coisa vai ficar mais sombria”, e continuou: “O que você, como membro da plateia, acha que deve ser feito?” Bom, já que ele perguntou…
Discordo da simplicidade da visão política do filme. Ele aponta três grandes problemas: desigualdades socioeconômicas, imigração e problemas ambientais. Ufa! Enfrentar tudo isso com personagens tão planos… coragem! Os culpados são os de sempre: os países ricos, as limitações à imigração, as elites, a maneira predatória com que o mundo gira e o capitalismo de maneira geral. Há uma emulação do discurso a laOccupy Wall Street. Max é um decalque dos 99% da população mundial. Em Elysium, habitam o 1%, a classe dominante que, na busca do lucro, fodeu com o meio-ambiente. A solução é implodir o sistema e criar o mundo perfeito. Sem ironias, se você concorda com algum desses elementos, é provável que o filme lhe agrade.
No fundo, a crítica é generalista, quase infantil. Isto já começa com a dificuldade de traçar o conceito da estação Elysium. Seria outro país ou um bairro nobre? Temos uma única sociedade ou várias? Normalmente, essa ambiguidade bem-vinda. Aqui, torna-se um incômodo. A crítica mais parece um grito de “contra tudo que aí está”. Será que Blomkamp estaria querendo surfar na onda de protestos?
Como falamos de um blockbuseter, não ia comentar a filosofia do filme. Mas, como quase inexistem críticas que toquem no tema – a maioria solta elogios genéricos – e uma das funções da crítica é gerar debates, vale colocar alguns contrapontos.
Se o alvo é o capitalismo, a economia de marcado, “rádio blá”, sinceramente… Nenhum outro sistema econômico foi tão eficiente. Criou problemas? Sim, mas resolveu muitos outros. Além do mais, não foi criado em laboratório, nasceu da dinâmica social. Realmente não acredito que Blomkamp tenha sido tão estreito em sua crítica.
Como falamos, “Elysium” tem vários alvos. Em homenagem a Wagner Moura, chamemos esse problema de “sistema”. Mais uma simplificação grosseira: derrubando tudo, o bem venceria. Em outras palavras: se o sistema fosse derrubado, as bênçãos dos céus criariam um paraíso terrestre (ao menos na área de saúde…).
Segue-se a ideia de que o homem é bom e a sociedade o corrompe. Não compro essa tese. Os arranjos sociais são imperfeitos e problemáticos porque somos pessoas defeituosas, egoístas, mesquinhas, baixas, pecadoras. O bem e o mal convivem em cada um de nós. Como podemos construir o paraíso se o inferno está em nós? A sociedade é uma construção imperfeita operada por pessoas guiadas por medos e paixões. É como pensar que nossos problemas se resolveriam acabando com Brasília! Desculpa, mas enquanto não abandonarmos a máxima “farinha pouca meu pirão primeiro”, não sairemos do atoleiro.
Os arranjos humanos mais eficientes foram aqueles que buscaram minimizar os males dos nossos defeitos, não os que queriam criar uma sociedade perfeita. Não temos o direito à perfeição, apenas de escolhermos o menos pior, mas, distraídos venceremos! O que “Elysium” faz é expor uma visão utópico. E a dificuldade de criar utopias nas artes é não ultrapassar a fronteira sutil entre o profundo e edificante e a visão infantil e brega da vida.
Não quero bancar o dono da verdade. Estamos sempre correndo o risco da contradição. Como disse, faço apenas um contraponto, entre outras razões, pelo histórico do diretor. Blomkamp criou uma alegoria poderosa em “Distrito 9”. Mesmo explicito em sua metáfora, o filme desenhou a complexidade do apartheid, de como as pessoas podem ser baixas, de como a ganância de empresas pode não ter limites e como governos podem, sim, servir aos privilegiados. Ao mesmo tempo, não deixou de expor que temos a capacidade de nos humanizarmos. Nessa comparação, “Elysium” é decepcionante, com profundidade de “Salve Jorge”. Mas, ainda aposto no diretor.
Sinopse: Em ‘RED – Aposentados e Perigosos‘, Frank (Willis), Joe (Freeman), Marvin (Malkovich) e Victoria (Mirren) costumavam ser os maiores agentes da CIA – mas os segredos que eles guardam apenas serviu para torná-los os maiores alvos da agência. Agora, acusados de assassinato, eles devem usar toda a sua experiente astúcia e o trabalho de equipe para manterem-se vivos e um passo à frente de uma nova geração de agentes treinados.
Para interromper a operação da agência de inteligência, a aposentada equipe embarca em uma missão impossível para invadir a sede da CIA, onde descobrirão uma das maiores conspirações e encobrimentos da história do governo.
Curiosidades:
» Baseado na cultuada Graphic Novel da DC Comics, RED – Aposentados e Perigosos, de Warren Ellis e Cully Hamner.
Trailer:
As Bem Armadas é a comédia de maior sucesso de 2013 nos Estados Unidos. Arrecadando quase $160 milhões, somente por lá, o filme traz a parceria entre Sandra Bullock (Tão Forte e Tão Perto) e a comediante número 1 da América do Norte na atualidade, Melissa McCarthy (Uma Ladra Sem Limites). No filme, Bullock vive Sarah Ashburn, uma agente do FBI certinha. McCarthy é Shannon Mullins, detetive da polícia, desleixada, grosseira e com uma lixeira no lugar da boca.
As duas são o contraponto perfeito. Então por que não juntá-las num filme? As Bem Armadas é mais um buddy cop movie que chega em 2013. Aqui, as parcerias calham de serem mulheres. A trama principal realmente não importa, e o filme não se dá muito ao trabalho de desenvolver bons vilões. Tudo porque o que conta é a química entre as protagonistas, esse é um filme sobre elas, e os envolvidos realmente não desejam tirar o foco disso.
O surpreendente é que a coisa funciona. É claro que esse é um filme rotineiro e formulaico, que passa por todos os clichês do gênero, sendo o central o das parceiras que se odeiam para ao final se considerarem irmãs. Essa é uma produção regida pela fórmula, mas que encontra nas suas entrelinhas a salvação. Diferente de A Família, outra comédia formulaica que estreia amanhã, esse filme se esforça em criar situações inusitadas e cenas estranhas e bizarras, que conseguem chamar a atenção.
Em uma determinada cena, Bullock e McCarthy precisam colocar uma escuta no celular de um criminoso, dentro de uma boate. A cena é bem orquestrada, e após a transformação de Bullock (mostrando que está em excelente forma no auge de seus 49 anos), a loucura se instala com as duas na pista de dança ao lado de diversos figurantes, fazendo uso de gestos cronometrados e movimentos ensaiados. A cena é rápida, mas digna dos melhores pastelões.
Os diálogos também são bons. Escrito pela jovem Katie Dippold (que já tem encomendada a continuação anunciada do filme), o roteiro é rápido e dinâmico. Mesmo sem acertar em todas as tentativas, ele é esperto o suficiente para continuar seguindo em frente, e realizando novas tentativas. O texto joga tudo o que pode na tela, para ver o que consegue acertar. Os melhores momentos, no entanto, fazem parte do aparente improviso de McCarthy.
Esse é o melhor trabalho, e filme, da comediante Melissa McCarthy, o que inclui Missão Madrinha de Casamento, do mesmo Paul Feig, que a descobriu no superestimado filme citado. Feig se tornou um especialista em comédias escrachadas com mulheres. Seus filmes mostram que o sexo feminino pode ser tão sujo e incorreto quanto o masculino. Embora nenhum dos dois filmes sejam obras-primas, o esforço de Feig é louvável em oferecer personagens substanciais, e desde já icônicos, a suas atrizes.