Bastidores confusos, roteiros que mudavam de rumo a cada instante e um desenvolvimento problemático definem Pânico 3, o filho rebelde da franquia que amamos, mas precisamos reconhecer alguns pontos dramáticos complicados. Há, no entanto, olhando em retrospectiva, um tom mais debochado e uma linha que o torna uma produção de entretenimento muito especial não apenas aos interessados na perspectiva slasher, mas aos fãs de cinema metalinguístico de maneira geral. Na linha das análises dos seus antecessores, agora chegou a vez de destacar alguns pontos cruciais para a compreensão deste terceiro episódio prometido como o último de uma trilogia, presenteada com uma quarta narrativa em 2011, filme que funcionou como sequência direta, mas também com “cara” de reboot.
Analisamos a metalinguagem crítica de Pânico. Destacamos a violência como debate das celeumas sociais em Pânico 2. Agora, chegou o nosso momento de análise pormenorizada de Pânico 3. Acompanhe cada quadro e veja alguns dos principais momentos de Pânico 3, que completa 24 anos hoje. Preparados? Vamos nessa.
Em sua abertura, Pânico 3 traz o famoso letreiro de Hollywood, numa referência direta ao local por onde a narrativa se desenvolve. O clima do filme é estabelecido logo nessa entrada, com o assassinato de Cotton Weaver (Liev Schreiber), personagem que ajudou Gale e Sidney no desfecho de Pânico 2, sendo agora um apresentador de TV famoso. Ghostface, em sua jornada atual, deseja saber o paradeiro calmo e pacato da final girl da franquia, afastada numa região da Califórnia. Ao aniquilar Cotton, o novo criminoso pretende atrair Sidney de seu refúgio, numa jornada de horror e morte que marcou o desfecho do projeto de trilogia que ganhou um novo filme apenas em 2011 e tem data marcada para a sua nova empreitada em 2022.
Depois do habitual trecho de abertura, Pânico 3 nos mostra Sidney em seu lar de reclusão. É uma casa distante, fria, toda codificada por aparelhos de segurança, alegoria física para o estado de espírito da personagem, traumatizada depois dos incidentes nos filmes anteriores. Mais adiante, os investigadores vão atrás de Gale Weathers para saber sobre uma imagem deixada na cena do crime envolvendo Cotton Weaver. Ela identifica como sendo Maureen Prescott, a mãe de Sidney, além de ficar surpresa com o assassinato de Cotton, chamariz para causar medo e pavor nos envolvidos em Facada, trama que transforma em narrativa ficcional, os assassinatos em Woodsboro. Cria-se, assim, um padrão em cada morte do filme. Junto ao corpo, uma foto antiga da falecida mãe da protagonista. É a mensagem cifrada para resolução no desfecho.
Com o assassinato de Cotton, outros membros do elenco ficam desesperados. Ninguém quer ser a próxima vítima de um possível padrão. Na primeira imagem, o diretor e alguns membros do time de produtores discutem os rumos da narrativa ficcional metalinguística, isto é, o filme dentro do filme. Observe que Roger Corman, o mestre dos filmes de terror B, faz uma ponta com a sua gravata azul, no centro. No quadro seguinte, um dos personagens discute com os demais, a situação do elemento afro-americano nos filmes do segmento, alegando que ele provavelmente é uma das próximas vítimas. Essa é uma discussão iniciada e muito bem desenvolvida em Pânico 2, no diálogo dos personagens de Omar Epps e Jada Pinket-Smith, mortos na famosa cena de abertura, numa sala de cinema lotada.
A metalinguagem não se estabelece apenas com a exibição de trechos prontos do filme dentro do filme em Pânico 3. Aqui, temos a apresentação dos bastidores de filmagem, com os atores sendo eles mesmos e sendo também personagens autorreferenciais, sempre a dialogar com outras produções do gênero para manter o diálogo crítico e assertivo que é marco da franquia. Aqui, Gale Weathers visita os bastidores do próximo filme Facada e encontra a sua representação cinematográfica. Ela é interpretada por uma atriz kitsch, com um figurino inspirado em um de seus trajes na produção de 1996. Nesta cena, acompanhamos a reconstrução do local onde o massacre final do primeiro filme se estabeleceu. É neste mesmo momento que Gale reencontra Dewey, sobrevivente de mais um ataque, desta vez, na eletrizante cena do estúdio de som em Pânico 2. Ele retorna com protagonismo no terceiro episódio da franquia.
Mesmo sendo parte de um suposto passado traumático na vida de todos os personagens, Maureen Prescott é uma presença fantasmagórica que paira em todos os filmes da franquia. Pela primeira vez no universo de Pânico, um pesadelo é inserido na narrativa. Seria uma homenagem do diretor ao seu clássico A Hora do Pesadelo? Nesta passagem, Sidney adormece e tem um indesejado pesadelo com a sua mãe. É uma cena forte, bem orquestrada, administrada com iluminação, névoa, bons cortes e a presença da trilha sonora eficiente de Marco Beltrami. O porta retrato é apresentado brevemente e nos mostra que apesar do ciclo de tragédias na qual é catalisadora, Maureen se mantém como parte da memória de sua filha que de certa forma, compreende a não culpabilidade da mãe no espiral de horror promovido deste Pânico.
Jenny é uma das atrizes que interpretam um papel de destaque em Facada. Excêntrica, ela entrega momentos de bastante humor em Pânico 3. Na primeira cena acima, a personagem debate com o diretor do filme. Eles ensaiam uma parte do roteiro e ao descobrir que novas passagens foram adicionadas e parte do texto foi modificado, ela fica bastante chateada. Além disso, ela acha que morrer nua numa cena de chuveiro é algo clichê e redutor demais. Há, ainda, um adicional de sarcasmo: Jenny questiona que a cena é muito clichê, pois já foi feito em Um Corpo Que Cai, sendo que na verdade, a sua menção deveria ser ao clássico Psicose. Depois de descobrir que a pessoa na ligação é o antagonista responsável pelos crimes envolvendo parte do elenco da produção, Jenny morre numa sala cheia de figurinos de Ghostface, uma ótima cena que termina rápido, mas cumpre a sua função ao dar ritmo ao filme.
Sidney recebe a primeira ligação de Ghostface. Quem será? Descobriremos depois que o assassino descobriu o seu contato pelo celular de Dewey, pois o número encontrava-se na agenda. Esse é o chamariz para a protagonista se juntar novamente aos amigos para não ter que passar por todas as crises novamente, sem o apoio de outras pessoas. No quadro seguinte, parte do elenco de Facada batalha pela vida em mais uma tentativa de assassinato do antagonista. Gale e Dewey estão juntos, conseguem sobreviver, numa passagem cheia de momentos autorreferenciais. Após a famosa cena de explosão, mais uma foto de Maureen Prescott é deixada no local após a tentativa que não aniquilou todos como planejado, mas acabou ceifando a vida de um dos atores de Facada, filme de uma franquia já condenada por ter tanta dor e angústia em seus bastidores.
Após receber a primeira ligação de Ghostface, Sidney Prescott segue para Los Angeles e reencontra Dewey e Gale. Eles se juntam para tentar desvendar os mistérios por detrás dos novos crimes e até recebem a ajuda de um vídeo levado pela irmã de Randy, morto no filme anterior. Ele, em sua jornada metalinguística até o último suspiro de vida, flerta com outras produções do cinema e dá pistas sobre o modo de operação do novo assassino. Essa foi uma das alternativas dos realizadores para trazer Randy de volta para o filme, mesmo que numa breve passagem gravada em seu interesse pela ajuda na posteridade.
A breve participação de Carrie Fisher é outro momento de metalinguagem interessante, pois a intérprete da Princesa Lea em Star Wars conversa com Gale e Jennifer num abafado setor de arquivos do estúdio e, numa abordagem irônica, diz que quase se tornou a intérprete da princesa do clássico com Darth Vader, mas que infelizmente perdeu o papel para a moça que dormiu com George Lucas. O famoso “teste do sofá”, termo conhecido aqui para quem se relaciona em prol de alguma escalada profissional, é citado nesta cena de Pânico 3, espécie de antecipação não programada para o que seriam os desdobramentos do #metoo posteriormente. A saga de Maureen Prescott antes da vida pacata em Woodsboro é uma representação marcante desta celeuma que segundo as lendas, corre solta dentro de circuitos poderosos de produção. No quadro seguinte, Sidney encara o espelho e percebe como está trêmula diante dos atuais acontecimentos que ela sequer imagina a conexão mais básica.
Uma das melhores perseguições de Pânico 3. Sidney enfrenta o seu fantasma na réplica da casa que retoma os acontecimentos finais de Woodsboro em Pânico. No cenário, ela precisa lidar com os seus traumas e batalhar para sobreviver, ensaio para o desfecho cheio de momentos eletrizantes de horror. A personagem refaz algumas cenas dos primeiros filmes, aqui eficientes enquanto momentos de nostalgia e metalinguagem ideais para nos permitir a maior conexão com o desenvolvimento da narrativa. Como adereço de seu figurino, a enlutada Sidney ainda mantém o colar dado por Derek, em Pânico 2, uma referência aos que passaram por sua vida, mas foram eliminados no espiral de horror conduzido por Ghostface.
Antes da festa na casa de Milton, momento que se define como o ato final de Pânico 3, dois atores do elenco de Facada são questionados sobre seus comportamentos suspeitos em cena. Enquanto a moça que roubou uma das máscaras do setor de figurinos informa que desejava uma lembrança do processo de produção que ameaça a carreira de todos, o jovem negro pede que o policial pare de encará-lo, pois naquela situação, ele é inocente e não fez nada. A crítica ao negro na sociedade estadunidense está constantemente presente nos diálogos do personagem, consciente da condição de seu povo num mundo cotidianamente racista. No quadro seguinte, Gale e Dewey encontram o dispositivo de voz utilizado pelo assassino para recriar as vozes dos principais personagens da história. É o próximo passo para o desfecho, antes da chegada de Sidney para enfrentar o responsável pelos crimes e compreender as respostas que estão por detrás de tantos mistérios.
Uma das estratégias de Wes Craven na orientação para seu diretor de fotografia: captar mais de um movimento/ação dentro do mesmo quadro. Aqui, Gale é atacada por Ghostface enquanto Dewey segue para a buscar respostas para algumas questões imediatas que surgem na pacata festa na casa de Milton, o produtor de Facada. Logo mais, depois de algumas passagens intensas, Roman revela ser o assassino e os acertos de contas se iniciam: ele é irmão da protagonista, jovem que há eras, procurou a mãe que o renegou em sua visita. Rejeitado, ele se diz o mentor de todo o processo de mortos e feridos nos filmes da franquia. A sua raiva catalisou as ações de Billy e Stu em Pânico, consequentemente projetados na vingança da mãe de Billy no segundo, num ciclo que se encerra neste terceiro e ganha novo capítulo em 2011, com Pânico 4 e um novo assassino, cheio de novos motivos e propostas.
Roman faz uma exposição didática dos seus propósitos. Apresenta vídeos de sua mãe com os vários amantes, narra a história de Maureen Prescott para a filha que desconhecia o passado sofrido da matriarca que tentou a carreira de atriz, passou por diversas situações tóxicas de abuso e aparentemente era uma mulher sofrida, infeliz com a sua trajetória em Woodsboro. Na imagem acima, ela está com Cotton Weaver, morto no começo do filme.
No desfecho, Sidney pode respirar liberdade. Pelo menos até Pânico 4, filme que ninguém esperava que fosse acontecer. O fechamento desta primeira trilogia nos mostra a personagem a olhar alegoricamente para a porta e deixa-la sem trancar, numa referência simples, mas significativa, do seu atual estado de espírito. O luto permanece em transformação, mas ao menos por enquanto, não há mais o que temer.