Nos acostumamos com algumas realidades que nos norteiam. Coisas absolutamente “comuns” que fazem parte do nosso corpo e que nos acompanham desde o primeiro despertar ao apagar final das luzes do dia. Essas verdades habituais passam despercebidas entre a maioria de nós e muitas vezes nos impedem de ir além do simples olhar. Mas elas ganham um novo significado através do documentário suíço, Fúria de Ver. Pelos simples e sensíveis olhos de Manuel von Stürler, conhecemos sua história, emaranhada em medos e angústias, que revelam uma ansiedade natural de alguém que padece com o passar do tempo. Contrariando o frenesi corriqueiro de um mundo que quer acelerar as horas para alcançar seus anseios, ele desacelera, à medida que busca novas respostas para sua visão, que gradativamente se dissipa.
Com uma fotografia simples, que cresce em momentos de reflexões simbólicas, Fúria de Ver é um conto íntimo de alguém que prefere não se apresentar propriamente diante das câmeras. Adotando um ângulo pessoal, em que o público se transporta para dentro da retina do personagem e encara sua narrativa pelo olhar pleno e absoluto que ele mesmo gostaria de ter, descobrimos uma história que se conta por si só, conforme acompanhamos os passos de Manuel, que digladia consigo mesmo ao tentar administrar o medo de perder toda a visão. Aqui, descobrimos aspectos técnicos que envolvem uma das partes mais fascinantes do corpo humano, em toda a sua delicadeza e complexidade. E nesta trajetória onde seguimos os passos do diretor, começamos a desenvolver uma nova ótica, que vai além do óbvio enxergar.
Como um mundo à parte que talvez a maioria de nós não contemple no dia-a-dia, o documentário nos leva para os corredores daqueles hospitais especializados em diagnosticar e tratar as patologias que envolvem a cegueira parcial. À medida que contemplamos uma senhora que tenta restaurar a visão com uma alta tecnologia, nos lembramos também das dolorosas tomadas iniciais, que mostram os desafios incompreendidos que as limitações na visão podem trazer. Novos rostos, novos olhares e uma nova compreensão brotam na audiência, a partir de um filme que reside em um desabafo íntimo de alguém que buscava expressar seus profundos conflitos com curiosos cinéfilos.
E dentro dessa dinâmica em que nos sentimos parte da luta de Stürler, uma reflexão sobre a profundidade do olhar alheio surge em um diálogo cheio de significados. Incômoda, a conversa soa ao espectador como um confronto na alma, sobre a maneira banal com a qual tratamos algo que simplesmente sempre esteve em nós. Neste contexto, a fagulha do espetacular vem à tona, nos incomodando a perceber as coisas que vemos por uma ótica menos simplista e objetiva, mais profunda e subjetiva. Fúria de Ver pode ser um documentário sem tanta pompa, alegorias e um roteiro bem elaborado, mas o ritmo honesto e sincero de alguém que busca provar com olhos as paisagens mais marcantes é a narrativa que você precisa conhecer para começar a – genuinamente – abrir os seus olhos para as riquezas que lhe cercam.