Sequência do clássico de 1978 teve uma produção marcada por conflitos tão destrutivos quanto os de Superman e Zod
“Sinceramente, sr. White, não gosto de televisão… Prefiro ler gibis”
Depois de 1978 o gênero de filmes blockbuster (aqueles com grandes nomes e grandes orçamentos) sofreu uma nova revolução, a segunda em menos de três anos, visto que a primeira tinha sido com Tubarão de Steven Spielberg. O então pouco conhecido diretor Richard Donner havia aceitado o desafio dos produtores Ilya e Alexander Salkind para realizar uma versão live action do Superman que pudesse ofuscar a versão dos anos 1950 protagonizada por George Reeves.
Ele então reuniu um elenco de peso que seria liderado por Marlon Brando e ainda teria Gene Hackman (memorável pelo grande sucesso com Operação França em 1971), Margot Kidder (lembrada pelo suspense Irmãs Diabólicas de 1973), Mario Puzo (autor do livro O Poderoso Chefão e também roteirista dos filmes) e fechando com o promissor Christopher Reeve. O filme reuniu efeitos especiais dos mais modernos para simular os voos do herói somados a um roteiro que era bastante respeitoso com a origem nos quadrinhos, e com bases bem fincadas na era de ouro dos anos 1930\1940.
O eventual sucesso foi o suficiente para iniciar de fato o gênero de super-heróis no cinema, composto por produções de maior orçamento e uma atenção mais “profissional” concedida às filmagens (isso porque em 1966 houve um longa-metragem do Batman de Adam West contando com todo o elenco de apoio da série de TV. Por consequência o filme teve a mesma atmosfera camp). A grande recepção positiva de Superman – O Filme também foi o suficiente para a Warner Bros. encomendar uma sequência.
O objetivo do roteiro idealizado por Puzo, David e Leslie Newman e Tom Mankiewicz (este último chamado para revisar a ideia original de Puzo) era o de abordar duas linhas narrativas diferentes que eventualmente iriam se chocar: a primeira é a continuidade da história dos agora prisioneiros General Zod e seus asseclas após a destruição de Krypton e seu encontro com o filho de seu algoz na Terra. A segunda é o amadurecimento da relação de Clark Kent e Lois Lane, com Clark tomando a decisão de revelar sua verdadeira identidade à amada, desistindo eventualmente de seus poderes para poder ter uma vida humana junto a ela.
Interessante notar que seis anos depois da estreia de Superman II, em 1980 (em dezembro em vários países do mundo, mas curiosamente apenas em meados de 1981 nos EUA), o autor de histórias em quadrinhos Alan Moore assinou o roteiro da história Superman – O que aconteceu ao Homem de Aço? – que serviu para fechar o arco do Superman da era de ouro de maneira similar ao arco de Clark neste filme. As filmagens da sequência já estavam correndo em simultâneo com as do primeiro Superman ainda em 1977, porém, elas ficaram marcadas por episódios de conflito.
Os Salkind constantemente antagonizavam o diretor Richard Donner sobre o quão longa e custosa estava se tornando essa operação conjunta, a ponto de Donner largar um pouco a produção da sequência para focar na obra original. A estratégia para as gravações estava sendo dividir a equipe de filmagem em duas unidades para que os esforços ficassem separados entre as produções.
Com Donner ficando exclusivamente com a primeira unidade, os Salkind contrataram o diretor Richard Lester (mais conhecido pela parceria que teve com os Beatles em filmes como Help! e Hard Days Night) para cuidar do andamento da segunda unidade. Até aquele momento o segundo filme continuava sendo inteiramente de Donner. Foi só alguns meses após a estreia de Superman – O Filme que os produtores anunciaram que Lester assumiria o crédito total da vindoura continuação.
“Ajoelhe-se perante Zod!”
Segundo as regras estabelecidas pelo Sindicato de Diretores da América, um cineasta pode reclamar a autoria sobre o filme se ele tiver filmado 50% do material final. Donner provou que ele, antes de focar inteiramente na primeira unidade, havia gravado 75% do material em Superman II. Com essa situação em mãos, Richard Lester teve que gravar novas cenas para compor com o pouco material original que ele tinha em seu nome, só assim o filme poderia constar com sua autoria.
O elenco de ambos os filmes se manteve fiel à Donner nessa confusão, em especial Gene Hackman que se recusou a voltar para gravar novas cenas como Lex Luthor sob o comando do novo diretor. O protesto, porém, não atrapalhou nas refilmagens pois muito do material de Hackman já tinha sido gravado e um dublê de corpo foi usado para compor algumas poucas cenas em específico.
Marlon Brando, mesmo não tomando partido no conflito, acabou entrando em rota de colisão com os Salkind devido a um processo aberto por ele para ganhar US$ 50 milhões oriundos da bilheteria de Superman – O Filme. Em represália os produtores exigiram a substituição do personagem Jor-El no corte de Lester pelo de Lara Lor-Van (a mãe biológica do Superman).
Segundo o IMDB, em várias ocasiões Lester havia deixado claro que não lhe agradava o ar épico que o primeiro filme teve, seu intuito era o de fazer algo mais próximo das raízes extravagantes dos quadrinhos. Para tanto ele demitiu o então diretor de fotografia Geoffrey Unsworth (que em 1973 havia vencido o Oscar de melhor fotografia por Cabaret e em 1968 dirigiu a fotografia de 2001 – Uma Odisseia no Espaço) e o substituiu por Robert Paynter para modificar o trabalho de câmera que fora desenvolvido na obra anterior e adaptá-la para a visão mais simples dos novos rumos. Esse foi outro ponto de grande ruptura do elenco, inclusive para Margot Kidder.
O Superman II – A Aventura Continua que foi para os cinemas em 1980 é a versão de Lester. O filme contou com um orçamento de US$ 54 milhões e teve um retorno de US$ 190 milhões. Muitas das críticas ficaram divididas; alguns elogiaram as atuações de Reeve, Terence Stamp, Gene Hackman e outros, além do nível ainda elevado dos efeitos especiais para a época. No entanto, muitos críticos notaram que a versão dos cinemas diferia em muito no tom do que fora apresentado na obra anterior.
Enquanto que na produção de 1978 a situação mais “inusitada” havia sido o Superman conseguir voltar no tempo girando o planeta ao contrário, na sequência haviam momentos como a ameaça terrorista na Torre Eiffel (que substituiu a explosão dos mísseis nucleares como motivo da liberdade do trio antagonista), o beijo que apaga as memórias que o Superman dá em Lois, o “super-plástico” durante a luta final e diversas cenas cômicas envolvendo cidadãos de Metrópolis durante o embate entre Superman e Zod, que mudaram o andamento original da história.
Por volta de 2004, a atriz Margot Kidder disse durante uma entrevista para o canal americano ET que haviam várias cenas filmadas por Donner que nunca foram usadas. A declaração se fez verdadeira em 2006 quando foi lançado Superman II – Richard Donner Cut. O projeto já vinha rondando os corredores da Warner desde 2001 mas por questões legais ele nunca fora iniciado.
Foi só após Superman – O Retorno, de 2006, que tais imbróglios foram resolvidos e Donner concordou em reeditar o material que ele gravou. A vontade do público também teve forte impacto, visto que o movimento por um “Donner Cut” já existia há bastante tempo e já antecipava o cenário do mercado cinematográfico em 2020. O corte foi lançado em novembro de 2006 para o mercado de home-video.