Um grande produto do gênero investigativo que não recebe a devida atenção
O mercado atual de séries está bem abastecido, isso é um fato. Nunca antes houve tantas ofertas de seriados dos mais diversos gêneros, com orçamentos tão grandes e com tantos nomes estelares envolvidos. Dessa enxurrada que se iniciou por meio dos canais norte-americanos de TV a cabo, mas se consolidou realmente com o surgimento do setor de streamings, poucos gêneros produziram tantas ofertas quanto o investigativo.
Com programas que vão desde documentários (como do canal Investigação Discovery e da Netflix) até produções mais longevas (como NCIS e CSI) esse tipo de produção se tornou a principal busca de muitos espectadores, principalmente aqueles que se interessam por tramas misteriosas bem construídas.
Mais notavelmente a televisão inglesa tem feito jus em termos de adaptação de romances policiais. O canal BBC tem se notabilizado em tempos recentes por ter criado um dos programas populares do tipo: Sherlock. A atualização para o século XXI das aventuras do detetive Sherlock Holmes catapultou os nomes de Benedict Cumberbatch e Martin Freeman para o estrelato e se tornou motivo de adoração dos fãs pela qualidade do roteiro em apresentar tramas intrigantes e resoluções de problemas bastante criativos.
Já uma de suas concorrentes mais antigas, a ITV, nunca se notabilizou pela atenção conferida a esse tipo de programação; com exceção de um em particular. Em 1989 estreou em sua grade de exibição Agatha Christie’s Poirot, o seriado teria como foco adaptar a vasta bibliografia do personagem, além de produzir casos inéditos, em um formato televisivo episódico de menos de uma hora.
Uma outra decisão da equipe de produção foi manter a ideia do contexto temporal do personagem. Poirot, bem como a maior parte dos livros assinados por Agatha Christie, remonta a fase inicial do século XX. É importante de se ter em mente que isso acarreta também em como o ponto de vista da época influenciou na escrita da autora.
Um exemplo é o fato de muitos dos casos escritos por ela se passarem em propriedades aristocráticas envolvendo membros desse grupo ou a forma como o próprio Poirot seleciona um trabalho, priorizando não só os que oferecem algum desafio a suas “células cinzentas” mas também aqueles inerentemente ligados a pessoas mais abastadas ou com certo grau de nível cultural.
Portanto, a série como um todo acaba se passando a partir de 1935 e essa escolha dá margem para em diversas ocasiões o alto nível da produção possa ser exibido. Figurinos de época, veículos, locações (destaque para o episódio “triângulo de Rodes” ainda na primeira temporada) e trejeitos adotados pelo elenco. Aliás, tratar sobre a qualidade de atuações invariavelmente remete ao protagonista.
O papel de Poirot ficou a cargo de David Suchet, cuja a escolha partiu de uma decisão dos herdeiros da autora, que viram o ator como uma personificação digna do investigador belga após seu trabalho em um outro show. Durante uma entrevista concedida à Craig Tomashoff para o New York Times em 2014, Suchet lembra da responsabilidade de assumir o papel.
“Eu sempre me preocupei, porque era bem sabido que Agatha Christie nunca aprovou nenhuma abordagem cinematográfica de seus personagens. Porém Rosalind (filha de Agatha) convidou a mim e minha esposa à casa da família e o que me deixou absolutamente feliz foi quando ela disse: minha mãe teria ficado absolutamente deleitada com o que você fez…”.
Agatha Christie’s Poirot teve duração de treze temporadas entre 1989 e 2013. Durante esse período a série conseguiu adaptar todas as obras da autora relacionadas ao detetive, tanto contos como livros. Nesse ínterim, prêmios e indicações foram se acumulando tais como uma indicação a melhor ator no Satellite Awards, uma outra indicação no Emmy Awards e três vitórias no British Academy Television Craft Awards em 1990.
Mesmo em um período com o surgimento de grandes shows, Agatha Christie’s Poirot resistiu muito bem aos desafios do tempo. Visivelmente a série ainda se mantém competitiva com o mercado atual e em níveis de atuação entrega a personificação definitiva de um clássico personagem da literatura policial. Já o roteiro consegue fazer jus a grandes clássicos da autora como O Assassinato de Roger Ackroyd e Cinco Porquinhos, adaptando-os ao formato episódico sem perder a essência das histórias.
Seu sucesso também foi importante para provar que tais livros funcionam no formato televisivo e não mais se restringiam apenas ao cinema. O legado da produção meticulosa ao redor de Agatha Christie’s Poirot pode ser percebido ainda em produções atuais como E Não Sobrou Nenhum e Crimes ABC.