quinta-feira , 26 dezembro , 2024

Por que o ‘Coringa’ se tornou um símbolo positivo para as pessoas?

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Coringa foi o grande filme de outubro e um dos maiores do ano até agora. Sua pegada mais “pé no chão” para abordar o arqui-inimigo do Batman agradou muita gente ao redor do mundo, que descreveu sua experiência como um “soco no estômago”. Mas também teve um pessoal que se identificou com o personagem e abriu um debate enorme sobre o longa.  Fato é que o drama chegou a 900 milhões de dólares em bilheteria – sem estrear na China – e ganha cada vez mais espaço na mídia. Em meio a essa discussão se o filme é ou não uma obra “incel”, ele faz uma grande piada com seu próprio espectador.

[ALERTA DE SPOILER] Caso você não tenha visto Coringa ainda, saiba que vamos falar de pontos importantes da trama nesse post. Siga por sua conta e risco.



Coringa está próximo do bilhão com classificação etária para maiores

Para começar, vamos esclarecer o que é incel, termo frequentemente usado nas críticas negativas acerca do filme que funciona como uma abreviação das palavras Involuntary Celibate (involuntariamente celibatários). Ele surge no final dos anos 90, na própria internet, e passa a ser usado em fóruns de discussão até chegar à grande mídia para falar sobre assassinatos e tiroteios.

Em um resumo bem raso, o Incel é aquele cara que condena os homens do mundo como “inferiores a ele” e mulheres como “piranhas”. Ele se auto-intitula um cara legal e acredita que isso deveria fazer com que as moças transassem com ele. Só que ser legal com objetivo de “se dar bem” não é ser legal, é ser babaca, então a estratégia caça-sexo não costuma funcionar.

 

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Diante dessa frustração, o incel se sente injustiçado e passa a agir de forma agressiva, seja ofendendo gratuitamente as mulheres – conhecidas ou não-, seja fazendo tiroteios escolares para mostrar o quanto era legal e injustiçado pela sociedade.

Dentro do contexto do que é um incel, cabe a você decidir se Coringa é ou não uma ode a essa galera. O ponto é que há outra mensagem que está sendo pouco comentada, talvez por conta dos holofotes dados a questão incel, que é a maneira como Todd Phillips pega grandes símbolos da mitologia do Batman e os corrompe ante a visão realista proposta.

O filme veio para mudar mais uma vez a imagem do Coringa

Durante o desenrolar do filme, a equipe criativa pega elementos praticamente santificados na vida do Batman e quebra tudo. É um movimento iconoclasta na história do Morcegão de Gotham. Além de seu maior rival ser nada menos que um maluco frustrado, cai por terra a imagem boa e justa de seu pai, Thomas Wayne.

Comumente tratado como o homem de bem, um cavaleiro branco na luta pelo povo de Gotham, Thomas ganha uma representação mais coerente com sua (dis)função social. É praticamente impossível se tornar bilionário sem explorar trabalhadores, pagando salários dignos e proporcionando condições dignas a todos. A cabeça do empresário foca na multiplicação do lucro próprio e, nesse ideal do bilhão, a conta não fecha.

Então, é uma forçada de barra monstruosa vender a família Wayne como um exemplo a ser seguido. Veja bem: na Marvel, o Homem de Ferro é um bilionário, mas em momento algum esconde ser um babaca que faz o que faz por ego e pra tentar limpar sua própria consciência. É uma motivação egoísta, mas que ajuda os outros. Já Thomas Wayne, um médico bilionário, é candidato à Prefeitura de Gotham com a campanha de limpar a cidade. Sério, a DC ter forçado esse personagem como “Cara Legal” por décadas beira o ridículo. É mais fácil comprar a ideia de um órfão que se veste de morcego pra bater em bandido do que em um bilionário (e político) gente boa. Coringa entende isso e mostra a face oculta dos Wayne, com denúncias de traição, corrupção, eugenia e até mesmo loucura. A cena dele agredindo um doente mental confesso, que pode ou não ser seu filho, é emblemática. É iconoclastia pura mostrar que Thomas Wayne não era a solução para Gotham, apenas parte do problema.

A imagem de bom moço do patriarca Wayne enfim foi por água abaixo

Da mesma forma, o ponto de virada da vida de Bruce ganha um novo significado nesta versão. Era comum mostrar o assassinato dos Wayne como um reflexo da pobreza e vilania de Gotham. Todos já sabem de cor a cena em que Joe Chill tenta assaltar Thomas e Martha no beco, quando, num ato de bravura, Thomas reage ao assalto e Joe atira nos dois à sangue frio, deixando o pequeno Bruce Wayne desesperado e traumatizado para o resto da vida. No filme de 2019, o crime é cometido após Thomas Wayne dizer que as pessoas invejam os ricos por serem pobres e ridiculariza os problemas do povo de Gotham em rede nacional.

Em meio ao caos das ruas, Thomas é elevado ao causador das mazelas da cidade. Como disse anteriormente, ele é parte do problema, mas não é O problema em si. Sua morte é um ato político vazio e deturpado, e reflete num pequeno Bruce, que não se joga desesperado sobre seu corpo e nem ao menos chora. Sua reação é o mesmo olhar perdido e intrigado, como se buscasse uma motivação naquilo, que fez em seu primeiro encontro com Arthur Fleck. A piada do Coringa foi, indiretamente, ter aberto as portas da loucura para seu futuro nêmesis.

Bruce Wayne: justiceiro ou lunático? A linha é bem tênue

Mas talvez o maior caso dessa ideia iconoclasta de Phillips é o próprio Coringa. Quando Batman: O Cavaleiro das Trevas chegou aos cinemas em 2008, o Coringa de Heath Ledger trouxe uma versão anárquica do Palhaço do Crime para o imaginário popular. De 2008 até 2019, praticamente todos os países do mundo passaram por algum tipo de crise financeira e social, e tiveram que viver ou assistir ao caos rolando em seus jardins. Nesse contexto, aquele Coringa adentrou no imaginário popular como a grande ameaça ao Sistema, à corrupção e injustiças sociais, e o personagem passou a ser idolatrado por algumas pessoas. “Talvez ele não seja tão louco assim”.

A brilhante atuação de Heath Ledger elevou o personagem a um patamar ideológico

Desde então, passou a haver essa idolatria absurda acerca do personagem e ele passou a ser rodeado por um viés político (ou apolítico) muito forte e qualquer representação dele que fosse diferente era rapidamente rejeitada. O Coringa de Jared Leto sofreu um pouco com isso quando tentou retomar o lado gângster do Palhaço e deixou o viés revolucionário de lado – Digo que “sofreu um pouco” porque o resto das críticas é bastante coerente. Jared Leto e David Ayer fizeram um péssimo trabalho em Esquadrão Suicida (2016).

Houve um processo de iconografia pesado acerca do personagem e sua imagem virou um símbolo de subversão, um “sopro de lucidez num mundo insano”. Ele foi santificado.

Meu Deus,  isso aqui realmente existiu ou foi alucinação coletiva?

O problema é que essa idolatria cai em um doente mental, sem escrúpulos, extremamente violento e fazendo o que quer sem dar satisfação a ninguém. A partir de 2008, a galera revoltada com as corrupções do dia a dia, como não dar seta no trânsito, não respeitar filas ou propriedade privada, passou a amar quem mais criticava. Ou você acha que o Coringa dá seta quando está dirigindo?

A representação da subversão é linda, enquanto a subversão em si é criticada à exaustão. É nesse ponto que Todd Phillips dá um tiro certeiro. Em Coringa, o personagem título passa por muitas situações ruins. Ele é um fracasso na vida e está cercado constantemente por suas próprias frustrações, até o momento em que ganha uma arma e começa a ter sensações de pequeno poder. Esses momentos de adrenalina somados ao fim de seus remédios revelam que seu sonho não era trazer alegria ou ser bem sucedido na vida. Ele só quer descontar suas frustrações em quem acredita serem os culpados por sua tragédia. Sua mãe, a vizinha, Thomas Wayne, Murray Franklin, os caras do metrô… enfim, ele tem, ao longo do filme, algumas oportunidades de dar a volta por cima na vida ou só acabar com ela e encerrar seu sofrimento existencial. Porém, em todas elas, ele opta por punir quem ele enxerga como culpado.  Com isso, a face do Coringa se espalha por Gotham como um símbolo da guerra de classes, uma resposta ao sistema. De uma hora para outra, as pessoas que não suportavam as corrupções do dia a dia saíram às ruas incendiando lojas, assassinando pessoas e idolatrando um doente mental. Espera, onde foi que eu já vi isso mesmo? A grande sacada do filme é quebrar essa ideia do Palhaço badass e deixar claro que a galera estava cultuando um doente mental fracassado. Era desse tipo de gente que eles tiravam inspiração.

De forma bem sutil, a grande piada do filme é a própria plateia, formada por fãs de um louco.

 

Coringa está em cartaz nos cinemas de todo o país.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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Coringa foi o grande filme de outubro e um dos maiores do ano até agora. Sua pegada mais “pé no chão” para abordar o arqui-inimigo do Batman agradou muita gente ao redor do mundo, que descreveu sua experiência como um “soco no estômago”. Mas também teve um pessoal que se identificou com o personagem e abriu um debate enorme sobre o longa.  Fato é que o drama chegou a 900 milhões de dólares em bilheteria – sem estrear na China – e ganha cada vez mais espaço na mídia. Em meio a essa discussão se o filme é ou não uma obra “incel”, ele faz uma grande piada com seu próprio espectador.

[ALERTA DE SPOILER] Caso você não tenha visto Coringa ainda, saiba que vamos falar de pontos importantes da trama nesse post. Siga por sua conta e risco.

Coringa está próximo do bilhão com classificação etária para maiores

Para começar, vamos esclarecer o que é incel, termo frequentemente usado nas críticas negativas acerca do filme que funciona como uma abreviação das palavras Involuntary Celibate (involuntariamente celibatários). Ele surge no final dos anos 90, na própria internet, e passa a ser usado em fóruns de discussão até chegar à grande mídia para falar sobre assassinatos e tiroteios.

Em um resumo bem raso, o Incel é aquele cara que condena os homens do mundo como “inferiores a ele” e mulheres como “piranhas”. Ele se auto-intitula um cara legal e acredita que isso deveria fazer com que as moças transassem com ele. Só que ser legal com objetivo de “se dar bem” não é ser legal, é ser babaca, então a estratégia caça-sexo não costuma funcionar.

 

Diante dessa frustração, o incel se sente injustiçado e passa a agir de forma agressiva, seja ofendendo gratuitamente as mulheres – conhecidas ou não-, seja fazendo tiroteios escolares para mostrar o quanto era legal e injustiçado pela sociedade.

Dentro do contexto do que é um incel, cabe a você decidir se Coringa é ou não uma ode a essa galera. O ponto é que há outra mensagem que está sendo pouco comentada, talvez por conta dos holofotes dados a questão incel, que é a maneira como Todd Phillips pega grandes símbolos da mitologia do Batman e os corrompe ante a visão realista proposta.

O filme veio para mudar mais uma vez a imagem do Coringa

Durante o desenrolar do filme, a equipe criativa pega elementos praticamente santificados na vida do Batman e quebra tudo. É um movimento iconoclasta na história do Morcegão de Gotham. Além de seu maior rival ser nada menos que um maluco frustrado, cai por terra a imagem boa e justa de seu pai, Thomas Wayne.

Comumente tratado como o homem de bem, um cavaleiro branco na luta pelo povo de Gotham, Thomas ganha uma representação mais coerente com sua (dis)função social. É praticamente impossível se tornar bilionário sem explorar trabalhadores, pagando salários dignos e proporcionando condições dignas a todos. A cabeça do empresário foca na multiplicação do lucro próprio e, nesse ideal do bilhão, a conta não fecha.

Então, é uma forçada de barra monstruosa vender a família Wayne como um exemplo a ser seguido. Veja bem: na Marvel, o Homem de Ferro é um bilionário, mas em momento algum esconde ser um babaca que faz o que faz por ego e pra tentar limpar sua própria consciência. É uma motivação egoísta, mas que ajuda os outros. Já Thomas Wayne, um médico bilionário, é candidato à Prefeitura de Gotham com a campanha de limpar a cidade. Sério, a DC ter forçado esse personagem como “Cara Legal” por décadas beira o ridículo. É mais fácil comprar a ideia de um órfão que se veste de morcego pra bater em bandido do que em um bilionário (e político) gente boa. Coringa entende isso e mostra a face oculta dos Wayne, com denúncias de traição, corrupção, eugenia e até mesmo loucura. A cena dele agredindo um doente mental confesso, que pode ou não ser seu filho, é emblemática. É iconoclastia pura mostrar que Thomas Wayne não era a solução para Gotham, apenas parte do problema.

A imagem de bom moço do patriarca Wayne enfim foi por água abaixo

Da mesma forma, o ponto de virada da vida de Bruce ganha um novo significado nesta versão. Era comum mostrar o assassinato dos Wayne como um reflexo da pobreza e vilania de Gotham. Todos já sabem de cor a cena em que Joe Chill tenta assaltar Thomas e Martha no beco, quando, num ato de bravura, Thomas reage ao assalto e Joe atira nos dois à sangue frio, deixando o pequeno Bruce Wayne desesperado e traumatizado para o resto da vida. No filme de 2019, o crime é cometido após Thomas Wayne dizer que as pessoas invejam os ricos por serem pobres e ridiculariza os problemas do povo de Gotham em rede nacional.

Em meio ao caos das ruas, Thomas é elevado ao causador das mazelas da cidade. Como disse anteriormente, ele é parte do problema, mas não é O problema em si. Sua morte é um ato político vazio e deturpado, e reflete num pequeno Bruce, que não se joga desesperado sobre seu corpo e nem ao menos chora. Sua reação é o mesmo olhar perdido e intrigado, como se buscasse uma motivação naquilo, que fez em seu primeiro encontro com Arthur Fleck. A piada do Coringa foi, indiretamente, ter aberto as portas da loucura para seu futuro nêmesis.

Bruce Wayne: justiceiro ou lunático? A linha é bem tênue

Mas talvez o maior caso dessa ideia iconoclasta de Phillips é o próprio Coringa. Quando Batman: O Cavaleiro das Trevas chegou aos cinemas em 2008, o Coringa de Heath Ledger trouxe uma versão anárquica do Palhaço do Crime para o imaginário popular. De 2008 até 2019, praticamente todos os países do mundo passaram por algum tipo de crise financeira e social, e tiveram que viver ou assistir ao caos rolando em seus jardins. Nesse contexto, aquele Coringa adentrou no imaginário popular como a grande ameaça ao Sistema, à corrupção e injustiças sociais, e o personagem passou a ser idolatrado por algumas pessoas. “Talvez ele não seja tão louco assim”.

A brilhante atuação de Heath Ledger elevou o personagem a um patamar ideológico

Desde então, passou a haver essa idolatria absurda acerca do personagem e ele passou a ser rodeado por um viés político (ou apolítico) muito forte e qualquer representação dele que fosse diferente era rapidamente rejeitada. O Coringa de Jared Leto sofreu um pouco com isso quando tentou retomar o lado gângster do Palhaço e deixou o viés revolucionário de lado – Digo que “sofreu um pouco” porque o resto das críticas é bastante coerente. Jared Leto e David Ayer fizeram um péssimo trabalho em Esquadrão Suicida (2016).

Houve um processo de iconografia pesado acerca do personagem e sua imagem virou um símbolo de subversão, um “sopro de lucidez num mundo insano”. Ele foi santificado.

Meu Deus,  isso aqui realmente existiu ou foi alucinação coletiva?

O problema é que essa idolatria cai em um doente mental, sem escrúpulos, extremamente violento e fazendo o que quer sem dar satisfação a ninguém. A partir de 2008, a galera revoltada com as corrupções do dia a dia, como não dar seta no trânsito, não respeitar filas ou propriedade privada, passou a amar quem mais criticava. Ou você acha que o Coringa dá seta quando está dirigindo?

A representação da subversão é linda, enquanto a subversão em si é criticada à exaustão. É nesse ponto que Todd Phillips dá um tiro certeiro. Em Coringa, o personagem título passa por muitas situações ruins. Ele é um fracasso na vida e está cercado constantemente por suas próprias frustrações, até o momento em que ganha uma arma e começa a ter sensações de pequeno poder. Esses momentos de adrenalina somados ao fim de seus remédios revelam que seu sonho não era trazer alegria ou ser bem sucedido na vida. Ele só quer descontar suas frustrações em quem acredita serem os culpados por sua tragédia. Sua mãe, a vizinha, Thomas Wayne, Murray Franklin, os caras do metrô… enfim, ele tem, ao longo do filme, algumas oportunidades de dar a volta por cima na vida ou só acabar com ela e encerrar seu sofrimento existencial. Porém, em todas elas, ele opta por punir quem ele enxerga como culpado.  Com isso, a face do Coringa se espalha por Gotham como um símbolo da guerra de classes, uma resposta ao sistema. De uma hora para outra, as pessoas que não suportavam as corrupções do dia a dia saíram às ruas incendiando lojas, assassinando pessoas e idolatrando um doente mental. Espera, onde foi que eu já vi isso mesmo? A grande sacada do filme é quebrar essa ideia do Palhaço badass e deixar claro que a galera estava cultuando um doente mental fracassado. Era desse tipo de gente que eles tiravam inspiração.

De forma bem sutil, a grande piada do filme é a própria plateia, formada por fãs de um louco.

 

Coringa está em cartaz nos cinemas de todo o país.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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