Samuel L. Jackson é uma daquelas raras anomalias em Hollywood, capaz de transitar entre gêneros com um brilhantismo singular. Do cult do novato Tarantino nos 90 ao POP das adaptações de quadrinhos em meados dos anos 2000, ele faz de suas performances hiatos no tempo, onde é simplesmente impossível se desconectar dele. Em uma nova fase do MCU, o veterano faz de Nick Fury uma vitrine excepcional do seu carisma e talento em tela. E após um necessário silêncio de sete meses, a Marvel Studios reativa as engrenagens de suas séries com Invasão Secreta, a fim de reacender aquela mesma chama tão latente em nós que se apagou com o fim de Vingadores: Ultimato.
Como um fôlego de vida novo, após a problemática e questionável adaptação de Mulher Hulk, Invasão Secreta chega para anunciar (e porque não coroar?) o que promete ser um novo tempo no MCU. Sombria, densa e bem mais soturna, a nova série original do Disney+ é a culminação máxima da parceria Sam Jackson e Kevin Feige. Com uma atmosfera de thriller político europeu que exala a todo momento em seus dois primeiros episódios, a produção é o oposto do passado recente da Marvel nas telinhas. Madura, séria e delicada, ela atinge um nível de profundidade que muitos fãs não estão habituados a acompanhar.
Certeira em seu foco e objetiva em sua proposta mais violenta, sangrenta e múltipla, a série abre mão de tramas bidimensionais para explorar a dualidade de seus antigos e novos personagens, convidando a audiência para uma experiência que vai exigir um pouco mais do que sede por adrenalina. O que é excelente. Trazendo o passado de Nick Fury pela 1ª vez em 15 anos de MCU, a produção é uma aposta mais ousada e fora dos padrões do estúdio. E ainda que o pilar narrativo continue seguindo a mesma proposta de dominação/destruição do planeta Terra, Invasão Secreta consegue subverter o formato ao nos mostrar que o que a torna tão cativante não é tanto seu destino, mas sim sua jornada.
Em apenas dois episódios, a nova iteração da Marvel Studios é repleta de conflitos densos que abordam temáticas psicoemocionais, políticas e de segurança pública. Resgatando a fórmula de sucesso de Capitão América 2: O Soldado Invernal, a nova série da Marvel promete uma ótima mistura entre thriller político e espionagem. Não poupando seus personagens e explorando territórios até então inóspitos por essa divisão da Disney, a produção traz um lado mais voraz do estúdio, com ótimas cenas de ação muito bem coreografadas, que cruzam as limitações da censura mais baixa.
Trazendo mais sangue em tela, sob um roteiro que debate conflitos humanos como confiança, família, valores, passado e presente, Invasão Secreta é a chance de redenção do MCU, após uma sucessão de projetos medianos e pouco envolventes. Pela primeira vez genuinamente se aprofundando no arco de Nick Fury, a produção é a resposta ao antigo anseio dos fãs que almejavam por mais tempo de tela de Samuel L. Jackson como o icônico personagem. Provando ser mais vital do que nunca para a longevidade desse universo, o veterano coloca todo seu talento para jogo, mostrando uma vulnerabilidade até então jamais vista dentro do cânone heroico da Disney.
E Olivia Colman é o contraponto perfeito, como uma personagem ardilosa e perspicaz, sempre com uma frase de efeito na ponta dos lábios. Com um pequeno toque de delicadeza, ela forma um contraste entre agressividade passiva e feminilidade. Um pouquinho caricata, suas sacadas podem até nos cansar, mas a genialidade de Colman de tratar qualquer papel com grandeza faz com que esse defeito se torne uma qualidade. Emilia Clarke e Kingsley Ben-Adir completam o trio de novatos do MCU com uma grandiosa perspectiva de crescimento, em dois papeis complexos e conflitantes. Já Ben Mendelsohn retorna como o skrull Talos, em uma conturbada dinâmica relacional que colocará a longeva amizade entre ele e Fury à prova.
Com uma direção mais cinematográfica, a nova original Disney+ conta com Ali Selim conduzindo todos os episódios. Explorando uma fotografia mais carregada, onde a luz baixa e as sombras formam um belo contraste visual, Invasão Secreta é a série que tanto Jackson, bem como os fãs mereciam. Anunciando um horizonte mais promissor para a nova fase do MCU, ela é a promessa de uma virada de chave dentro da Marvel Studios, que após amargar bilheterias tímidas e avaliações negativas em seus conteúdos para TV, tenta recuperar o vigor de outrora. Colocando suas expectativas em um dos poucos personagens originais remanescentes em seu universo compartilhado, a gigante da indústria cinematográfica decide voltar às raízes, finalmente entendendo que é impossível ter um excelente futuro se esquecendo do seu passado.