terça-feira , 5 novembro , 2024

Primeiras Impressões | ‘Sandman’ é um merecido presente para os fãs da aclamada saga

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Cuidado: spoilers à frente.

Neil Gaiman é um dos artistas mais conhecidos e respeitados de todos os tempos e já trouxe uma série de clássicos títulos à vida – incluindo Coraline e o Mundo Secreto, ‘Stardust – O Mistério da Estrela’, American Gods e ‘O Oceano no Fim do Caminho’. Mais do que isso, as adaptações de suas obras sempre tiveram recepção considerável por parte da crítica e do público, reafirmando a importância desse romancista e quadrinista extremamente importante para a cultura pop contemporânea. E não é nenhuma surpresa dizer que Sandman é uma de suas obras mais ovacionadas e conhecidas – que, agora, ganha uma nova versão pela imperiosa gigante do streaming, a Netflix.

A temporada de estreia, cuja história desenrola-se por dez episódios, posa como um sonho se tornando realidade. Afinal, para aqueles que não conhecem a longa jornada da releitura para o mundo do audiovisual, diversas tentativas de trazer a magnum opus de Gaiman à vida ocorreram nos últimos anos, todas falhando miseravelmente por não conseguirem mergulhar na etérea e metafísica essência construída pelo autor. É claro que não poderíamos deixar de ficar com um pé atrás para ver Morpheus, Lúcifer e tantos outros clássicos personagens finalmente ganhando uma roupagem live-action – afinal, o resultado poderia ser incrível ou uma decepção total. Para a felicidade dos espectadores, a série cumpre com o prometido e, mesmo se valendo de alguns convencionalismos do gênero fantástico, constrói uma jornada envolvente pelo Mundo Acordado, pelo Mundo dos Sonhos e pelos apaixonantes e tocantes eventos que explodem nas telinhas.

O primeiro passo em direção ao sucesso foi ter colocado Gaiman como um dos consultores e produtores executivos – ora, quem melhor que o próprio criador de Sandman para reapresentá-lo aos fãs? O segundo foi ter construído, pelo menos nos três primeiros episódios da iteração, uma linha narrativa que nos introduz ao mote principal do show – a ambição humana e o desejo pelo inalcançável. A trama se inicia em meados dos anos 1910, em que um ocultista chamado Roderick Burgess (Charles Dance nos agraciando com mais uma performance irretocável) ganha acesso a um livro que pode encarcerar a Morte e que pode trazer seu falecido filho de volta. Entretanto, seu charlatanismo presunçoso prende uma outra entidade, Morpheus (Tom Sturridge), lorde do Mundo dos Sonhos, e tenta barganhar a liberdade dele em troca de desejos impossíveis. E é aí que tudo começa a desandar.

Apesar de fincadas no sobrenatural e na magia, as obras de Gaiman sempre trouxeram temas de importante reflexão sobre a sociedade – não de uma forma pessimista, mas infundidas em um realismo melancólico de que a ambição desmedida é, normalmente, a causa de todos os males do mundo. Em Sandman, isso não é diferente: depois de capturado, Morpheus (ou Sonho, como também é conhecido) perde o rubi, o elmo e a areia que servem como seus objetos de poder – caindo em mãos erradas e causando um caos gigantesco àqueles que usufruem deles. Quando consegue escapar de sua prisão, ele retorna ao Mundo dos Sonhos depois de “sumir” por um século, e parte em uma missão para recuperar o que lhe foi roubado e reconstruir seu reino.

Enquanto cada engrenagem da série funciona com uma perfeição quase intocável, a parte mais interessante é a forma como os capítulos iniciais utilizam os convencionalismos das apresentações para garantir que os espectadores não precisam ter lido os quadrinhos originais (mas, quando tiver oportunidade, não deixe de conferi-los em sua magnânima beleza). A história é destinada a qualquer um que ouse adentrar esse cosmos de mistério e magia – e somos envolvidos pelas macabras tramas arquitetadas desde os primeiros minutos. Nesse quesito, Gaiman, aliado a David S. Goyer e Allan Heinberg, sabe como trabalhar os personagens de forma a não se render a impulsos circinais e cansativos, dando tempo o suficiente para que se desenvolvam sem pressa e num ritmo crescente.

Além de Sturridge fazendo um ótimo trabalho como o protagonista titular, temos a presença de Vivienne Acheampong como Lucienne, versão feminina de Lucien, bibliotecário do Mundo dos Sonhos e servo fiel de Morpheus, que traz um pouco de razão e sensatez à ira de seu mestre e tenta ajudá-lo como poder; Boyd Holbrook encarnando o vilão Coríntio, cuja caracterização é absolutamente exímia; Jenna Coleman como Johanna Constantine, descendente de John Constantine e estudiosa do oculto – uma mulher sem papas na língua que carrega traumas de um passado não muito distante e logo se envolve com a busca infindável de Morpheus por seus pertences; e Asim Chaudhry e Sanjeev Bhaskar como Abel e Caim, respectivamente, pincelados como ácidos escapes cômicos que trazem leveza e bizarrice às cenas. E esses são apenas alguns dos personagens que aparecem até então.

Se as performances são o centro de nossa atenção, juntamente ao roteiro, as investidas técnicas e artísticas que acompanham o estelar elenco são escolhidas com cautela surpreendente. Há uma certa teatralidade onírica que adorna o reino controlado por Morpheus e seus asseclas, em contraste com a sobriedade excessiva de uma Londres marcada pela tragédia e pela sensação constante de que algo de ruim vai acontecer – resumida, por exemplo, nas cenas que Johanna e Morpheus desfrutam juntos. A trilha sonora de David Buckley funciona como a “cereja do bolo”, não ganhando uma expressividade principal, mas também não se exilando apenas como apetrecho decorativo – e sim um complemento bem-vindo e instigante.

Depois de tanto tempo esperando, Sandman saiu do limbo criativo e ganhou uma adaptação mais que encantadora. A ideia principal da nova série da Netflix (um dos melhores títulos do ano, sem sombra de dúvida) é clara e deve trilhar um caminho certeiro, com potencial de sobra para nos tirar o fôlego e nos presentear com uma joia do audiovisual contemporâneo, movido pelo embate entre a leniência e o desconhecido.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A temporada de estreia, cuja história desenrola-se por dez episódios, posa como um sonho se tornando realidade. Afinal, para aqueles que não conhecem a longa jornada da releitura para o mundo do audiovisual, diversas tentativas de trazer a magnum opus de Gaiman à vida ocorreram nos últimos anos, todas falhando miseravelmente por não conseguirem mergulhar na etérea e metafísica essência construída pelo autor. É claro que não poderíamos deixar de ficar com um pé atrás para ver Morpheus, Lúcifer e tantos outros clássicos personagens finalmente ganhando uma roupagem live-action – afinal, o resultado poderia ser incrível ou uma decepção total. Para a felicidade dos espectadores, a série cumpre com o prometido e, mesmo se valendo de alguns convencionalismos do gênero fantástico, constrói uma jornada envolvente pelo Mundo Acordado, pelo Mundo dos Sonhos e pelos apaixonantes e tocantes eventos que explodem nas telinhas.

O primeiro passo em direção ao sucesso foi ter colocado Gaiman como um dos consultores e produtores executivos – ora, quem melhor que o próprio criador de Sandman para reapresentá-lo aos fãs? O segundo foi ter construído, pelo menos nos três primeiros episódios da iteração, uma linha narrativa que nos introduz ao mote principal do show – a ambição humana e o desejo pelo inalcançável. A trama se inicia em meados dos anos 1910, em que um ocultista chamado Roderick Burgess (Charles Dance nos agraciando com mais uma performance irretocável) ganha acesso a um livro que pode encarcerar a Morte e que pode trazer seu falecido filho de volta. Entretanto, seu charlatanismo presunçoso prende uma outra entidade, Morpheus (Tom Sturridge), lorde do Mundo dos Sonhos, e tenta barganhar a liberdade dele em troca de desejos impossíveis. E é aí que tudo começa a desandar.

Apesar de fincadas no sobrenatural e na magia, as obras de Gaiman sempre trouxeram temas de importante reflexão sobre a sociedade – não de uma forma pessimista, mas infundidas em um realismo melancólico de que a ambição desmedida é, normalmente, a causa de todos os males do mundo. Em Sandman, isso não é diferente: depois de capturado, Morpheus (ou Sonho, como também é conhecido) perde o rubi, o elmo e a areia que servem como seus objetos de poder – caindo em mãos erradas e causando um caos gigantesco àqueles que usufruem deles. Quando consegue escapar de sua prisão, ele retorna ao Mundo dos Sonhos depois de “sumir” por um século, e parte em uma missão para recuperar o que lhe foi roubado e reconstruir seu reino.

Enquanto cada engrenagem da série funciona com uma perfeição quase intocável, a parte mais interessante é a forma como os capítulos iniciais utilizam os convencionalismos das apresentações para garantir que os espectadores não precisam ter lido os quadrinhos originais (mas, quando tiver oportunidade, não deixe de conferi-los em sua magnânima beleza). A história é destinada a qualquer um que ouse adentrar esse cosmos de mistério e magia – e somos envolvidos pelas macabras tramas arquitetadas desde os primeiros minutos. Nesse quesito, Gaiman, aliado a David S. Goyer e Allan Heinberg, sabe como trabalhar os personagens de forma a não se render a impulsos circinais e cansativos, dando tempo o suficiente para que se desenvolvam sem pressa e num ritmo crescente.

Além de Sturridge fazendo um ótimo trabalho como o protagonista titular, temos a presença de Vivienne Acheampong como Lucienne, versão feminina de Lucien, bibliotecário do Mundo dos Sonhos e servo fiel de Morpheus, que traz um pouco de razão e sensatez à ira de seu mestre e tenta ajudá-lo como poder; Boyd Holbrook encarnando o vilão Coríntio, cuja caracterização é absolutamente exímia; Jenna Coleman como Johanna Constantine, descendente de John Constantine e estudiosa do oculto – uma mulher sem papas na língua que carrega traumas de um passado não muito distante e logo se envolve com a busca infindável de Morpheus por seus pertences; e Asim Chaudhry e Sanjeev Bhaskar como Abel e Caim, respectivamente, pincelados como ácidos escapes cômicos que trazem leveza e bizarrice às cenas. E esses são apenas alguns dos personagens que aparecem até então.

Se as performances são o centro de nossa atenção, juntamente ao roteiro, as investidas técnicas e artísticas que acompanham o estelar elenco são escolhidas com cautela surpreendente. Há uma certa teatralidade onírica que adorna o reino controlado por Morpheus e seus asseclas, em contraste com a sobriedade excessiva de uma Londres marcada pela tragédia e pela sensação constante de que algo de ruim vai acontecer – resumida, por exemplo, nas cenas que Johanna e Morpheus desfrutam juntos. A trilha sonora de David Buckley funciona como a “cereja do bolo”, não ganhando uma expressividade principal, mas também não se exilando apenas como apetrecho decorativo – e sim um complemento bem-vindo e instigante.

Depois de tanto tempo esperando, Sandman saiu do limbo criativo e ganhou uma adaptação mais que encantadora. A ideia principal da nova série da Netflix (um dos melhores títulos do ano, sem sombra de dúvida) é clara e deve trilhar um caminho certeiro, com potencial de sobra para nos tirar o fôlego e nos presentear com uma joia do audiovisual contemporâneo, movido pelo embate entre a leniência e o desconhecido.

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