Entre as luzes neons de uma Tóquio sempre inquieta, o novato jornalista Jake Adelstein, nos introduz a uma misteriosa cidade, que dentro de sua metódica e meticulosa organização, opera e caminha em seu próprio compasso – completamente diferente do mundo ocidental. E o fascínio e encantamento pela culturalidade japonesa que sempre nos cativaram ganham tons ainda mais sombrios pelas mãos de Michael Mann e J.T. Rogers, na nova série original da HBO Max, Tokyo Vice. Inspirada na experiência profissional do primeiro jornalista estrangeiro no maior jornal do Japão, a produção nos convida para as entranhas de um povo que até hoje não cansa de nos surpreender.
Trazendo um Ansel Elgort mais maduro e que impressiona com suas habilidades de conduzir conversas inteiras em japonês, Tokyo Vice é um thriller jornalístico com vislumbres do gênero de ação – ainda que em primeira instância aparenta estar bem distante do formato. De ritmo mais denso e às vezes até um pouco mais lento, a série de Mann é uma experiência sociocultural riquíssima, que mescla a ficção com os fatos reais vividos por Adelstein e narrados em sua biografia Tokyo Vice: An American Reporter on the Police Beat in Japan. E sob o negrume da noite, em contraste com as cenas diurnas que evidenciam mais a arquitetura e estética japonesa, a série é quase como um conto de detetive neo noir, onde o protagonista principal é menos importante que o objeto de sua obsessão – neste caso, a verdade sobre a criminalidade local.
Nos levando para o submundo de Tóquio, à medida em que nos ensina os hábitos, costumes e dialéticas do povo japonês, Tokyo Vice é intrigante logo em seu primeiro episódio e nos instiga a querer ir mais além com a trama. Sempre mantendo um certo nível de distanciamento proposital entre a audiência e seus personagens, a série quer primeiro nos conquistar pelo intrigante universo da guerra de gangues existente na capital, sempre nos levando para as entranhas da Yakusa, onde as negociações são feitas, acordos são firmados, propinas são exigidas e corpos são dilacerados.
E como um mistério que se desdobra continuamente, a produção vai muito mais longe da simples entrega de um entretenimento. Sempre revelando uma camada nova do seu universo, ela nos toma pela mão e nos guia em meio a um design japonês simples, mas que sempre é enaltecido pela perspectiva neo noir que cria contrastes entre as sombras da noite, os pequenos feixes de luz que perfuram os becos escuros e os cegantes letreiros coloridos que refletem no asfalto molhado da chuva. E entre pequenos e grandes elementos, Tokyo Vice é uma série feita para os amantes do suspense complexo e traz um elenco de atores asiáticos que nos surpreende – todos guiados pelo excepcional Ken Watanabe.
Mostrando o jornalismo no auge dos seus anos dourados, em que os profissionais eram vistos como pseudo heróis sem capa, a produção não apenas honra a profissão como ainda a cobre com uma película um tanto mais cinematográfica – ainda que o protagonista viva de perrengue em perrengue. E mesmo que a construção do personagem de Ansel Elgort seja repleta de falhas, a ponto de torná-lo desinteressante e monótono para a audiência, Tokyo Vice tem espaço para crescer e conta com uma coletânea de impressionantes histórias reais que são suficientes para dar aquele tempero acentuado que falta nesse caldo.