Em 1988, a Lucasfilm e a Walt Disney Studios davam vida a um de seus maiores clássicos – a fantasia ‘Willow’, que acompanha um jovem Nelwyn (anão) fazendeiro que, além de ter aspirações a se tornar um grande feiticeiro, cruza caminho com um bebê chamado Elora cujo destino é destruir a poderosa e maligna bruxa Bavmorda, rainha do reino de Nockmaar. Apesar das críticas mistas à época, o longa tornou-se um dos títulos favoritos dos fãs, principalmente pela atuação de Warwick Davis como o personagem titular e pelos efeitos especiais. Agora, mais de trinta anos depois, a Casa Mouse resolve revisitar esse incrível panteão fabulesco com a aguardada série sequência homônima, que estreou recentemente no catálogo do Disney+.
Para aqueles que não assistiram à produção original, não se preocupem: o episódio piloto começa com um breve resumo dos acontecimentos, incluindo a derrota de Bavmorda, o retorno de Willow para seu vilarejo e sua consequente consagração como feiticeiro, e o plano arquitetado pela Rainha Sorsha (Joanne Whalley fazendo seu grande retorno ao papel) para proteger a jovem Elora. Afinal, segundo visões que atormentam os nossos heróis, as forças das trevas estão se reunindo mais uma vez não apenas para trazer Bavmorda de volta dos mortos, mas também para colocar um fim na linhagem que tem o poder de destruí-la mais uma vez. E é a partir daí que nossa história começa.
A plataforma de streaming disponibilizou apenas os dois primeiros episódios em sua grade, transmitindo-os semanalmente até o começo do ano que vem e mantendo nossas expectativas para o desenrolar da história. E, enquanto a Disney se valeu bastante do caráter nostálgico para conquistar uma nova legião de fãs, o resultado é desequilibrado: de um lado, temos um elenco de peso que resgata todos os elementos pelos quais se apaixonamos, desde as personalidades conflitantes até uma busca perigosa que os leva para além do território que conhecem; de outro, um gigantesco problema estrutural que se alastra para o roteiro e para a direção, incluindo uma montagem esquisita e brusca e diálogos que almejam a um humor honesto, mas quebram o ritmo do que poderia, com facilidade, se tornar um dos títulos mais sólidos de 2022.
Anos depois dos acontecimentos anteriores, Sorsha, insurgindo como governante, deu luz a um casal de gêmeos conhecido como Kit (Ruby Cruz) e Airk (Dempsey Bryk). Kit, a princesa herdeira do trono, tem uma inclinação considerável para as lutas e para a independência, mas vê seus sonhos se desmantelarem quando a mãe a obriga a se casar com o Príncipe Graydon (Tony Revolori), a fim de unir dois reinos diferentes para aumentar a proteção não apenas de seu lar, como também de Elora (cuja identidade desconhecida impede que os inimigos a encontrem). Entretanto, as coisas saem de controle quando um grupo de criaturas terríveis invade o reino de Tir Asleen e rapta Airk, levando Kit a montar um destacamento para resgatá-lo.
Como é de costume em obras do gênero (e como já visto na estrutura monomítica de Joseph Campbell), a figura heroica central é obrigada a cruzar o limiar entre o mundo que conhece e o universo desconhecido à sua frente, embarcando em uma jornada mortal que culminará em sua morte (figurativa ou literal) e sucessiva reencarnação como um arquétipo a ser adorado e seguido por aqueles que acreditaram nela. Kit é a representação desta simbologia milenar: a princípio, sua personalidade rebelde e confrontativa a leva a tomar decisões apressadas, impedindo-a de enxergar o que está bem à frente do nariz. A única coisa com a que se preocupa é o irmão e seu relacionamento com Jade (Erin Kellyman), uma cavaleira em treinamento pela qual se apaixonou.
Mas isso não é tudo: além da dupla supracitada, Graydon se junta ao time de resgate, bem como o ladrão e espadachim Boorman (Amar Chadha-Patel), que será perdoado de seus crimes se ajudá-los a resgatar Airk, e a ingênua Dove (Ellie Bamber), uma cozinheira muito talentosa que tem um romance secreto com o príncipe e que resolve agir por conta própria para levá-lo de volta para casa. E, é claro, Willow (Davis), que é contatado por Kit e entende que precisa auxiliá-los na missão.
Os capítulos iniciais servem como introdução do que esperar da temporada – o que justifica o ritmo mais lento. Entretanto, o criador Jonathan Kasdan, conhecido por seu trabalho em ‘Dawson’s Creek’, não sabe que caminho seguir com tantos personagens assim, procurando fornecer o mesmo tempo de cena para cada subtrama que se desenrola nas iterações. Eventualmente, a multiplicidade de enredos se aglutina em uma exagerada tentativa de criar um ponto de conexão entre o passado e o presente. Os deslizes não ganham forma pela paixão de Kasdan em exaltar os arquétipos clássicos das histórias de fantasia (nos dias de hoje, isso ainda funciona, como pudemos ver na franquia ‘Harry Potter’, por exemplo); os obstáculos enfrentados vêm à tona num desespero ansioso de narrar as várias reviravoltas sem agir com cautela e sem aparar pontas soltas ou excessos cansativos. Ora, até mesmo a identidade de Elora é revelada logo no começo, sem cultivar um sentimento de dúvida no público.
‘Willow’ começa aos trancos e barrancos, mas tem potencial de sobra para ser melhorado. Talvez apenas o início tenha vindo com os equívocos mencionados nos parágrafos acima e que, a partir da próxima semana, Kasdan saiba o peso do legado que tem em mãos para nos levar a uma jornada fantástica. Entretanto, só teremos certeza disso com os próximos episódios.