domingo , 17 novembro , 2024

Representatividade importa: Séries com protagonistas negros para maratonar já!

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Era uma vez uma criança negra que, toda vez que ligava a televisão ou ia ao cinema, não se reconhecia nas histórias. Eram tantos personagens brancos, de cabelo liso e olho claro, que ela cresceu acreditando que tinha algo errado com os seus fios crespos, pele de tom mais escuro e o nariz largo. Para ser sincera, de vez em quando, até aparecia alguém com essas características em alguma produção, mas os papeis eram sempre tão inferiores que nem dava para sentir orgulho de ser parecida com aquela pessoa – e, assim, renegar os traços e procurar ficar o mais próximo possível do padrão europeu era a consequência. Fim.

Esse breve resumo te parece familiar? É que, por muito tempo, ele poderia ser usado para definir a infância/adolescência de muita gente – inclusive a minha.  Mas, felizmente, o cenário tem mudado! E por mais que a velocidade não seja das melhores e as transformações cheguem em passos lentos,  finalmente, a representatividade tem sido uma das principais discussões no cinema e no audiovisual em geral. Pense em Pantera Negra, por exemplo: pela primeira vez, uma superprodução da Marvel traz uma história que conta com um elenco majoritariamente negro, com todos eles ocupando, realmente, um protagonismo em vez de dependerem da força e bondade do homem branco para conseguirem algo – que é o que acontece em alguns dramas elogiados pela crítica, como Histórias Cruzadas (2011) e Estrelas Além do Tempo (2016).



Por mais que os dois tenham seu devido valor por falarem de racismo e mostrarem o privilégio de quem tem pele clara, nas principais viradas da narrativa, ambos cometem um erro clássico: colocam um personagem branco para que a “revolução” aconteça. Tudo bem, a intenção pode até ser boa, e você pode questionar que tem a ver com o contexto da época em que a história se passa… mas, depois de anos de invisibilidade, o que a gente quer mesmo é o protagonismo completo e o direito à própria voz, sem mediadores para que ela possa ser ouvida.

Pensando em tudo isso, dá para entender muito bem o porquê de Pantera Negra já ser um sucesso entre cinéfilos e crítica: os negros, finalmente, estão comandando suas próprias histórias em um filme feito para o grande público. E se, para nós, adultos, já é algo lindo de se ver, imagina para a criança que ainda se identifica com o trecho do comecinho do texto por não se achar parecida com o Homem-Aranha, Batman ou a Viúva Negra, por exemplo? É, os tempos estão mesmo mudando. E ainda bem por isso.

#OscarsSoWhite: um começo da revolução no Cinema?

O Oscar de 2016 – que foi o ano em que Spotlight: Segredos Revelados venceu como “Melhor Filme” – ficou marcado pela campanha #OscarsSoWhite, que questionava a predominância de  brancos nas categorias principais da premiação. Era o segundo ano consecutivo em que artistas negros não eram devidamente reconhecidos… então, já estava claro que o protesto era mais do que necessário; era urgente.

Com o movimento ganhando cada vez mais força, na edição seguinte,  não teve jeito: a Academia precisou reavaliar a situação e dar o destaque merecido aos negros  – assim como as próprias produções cinematográficas também precisaram abrir mais espaço para eles, já que a falta de papeis importantes contribuía para a esnobada nas indicações. E, a partir daí, você deve lembrar:  as indicações aumentaram consideravelmente; Viola-maravilhosa-Davis levou para casa o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação em Um Limite Entre Nós (e fez um daqueles discursos que dá vontade de rever mil vezes de tão bonito); e Moonlight: Sob a Luz do Luar tirou o troféu de La La Land: Cantando Estações e terminou a noite como o longa vencedor. Foi bonito, e mostrou que não se calar é mesmo a melhor arma para lutar contra a desigualdade.

Não deixe de assistir:

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Desde então, ainda que seja apenas por pressão política, o cinema tem procurado dar mais espaço às minorias. Além do protagonismo negro, filmes com temática feminista e LGBT também têm aparecido com mais destaque nas premiações e, inclusive, em grandes produções. Como já disse, ainda estamos caminhando em passos de tartaruga porque há muito – mesmo! – a ser feito sobre todas essas pautas. No entanto, só o fato de homens e mulheres negras (assim como lésbicas, gays, trans e mulheres em geral) poderem se reconhecer na tela e sentirem orgulho de quem são é, sim, uma importante vitória. Agora, é só torcer para que ela não pare por aí.

Prepare a maratona (e a pipoca):

Enquanto o cinema ainda evolui em relação à representatividade, para mim, as séries de TV estão um passo a frente. Não estou dizendo que elas já alcançaram a perfeição e que não existe mais nenhuma desigualdade entre brancos e negros nesse meio (seria meu sonho), mas percebo que há, sim, mais espaço para o protagonismo.

Na época em que as grandes produções cinematográficas ainda ficavam  presas a estereótipos e às narrativas de sempre – como a que aborda o racismo na história ou a clássica do “pobre menino negro que sofreu demais antes de vencer na vida” -, os seriados já traziam enredos mais reais. Apenas pessoas negras levando sua vida normalmente, sabe? Com trabalho, relacionamento e amizades, sem ser preciso deixar claro que “olha, estamos criticando o racismo aqui”.  Não é que seja errado tocar nessa questão – muito pelo contrário -, mas não é necessário falar SÓ disso para mostrar diversidade.

Então, aproveitando que está todo mundo animado com Pantera Negra e na esperança de que a representatividade seja, de fato, uma realidade no audiovisual e nas artes como um todo, separei 5 séries (ou 6) protagonizadas por negros para você maratonar no final de semana. Das politizadas às que têm um toque mais cômico, todas trazem ótimos exemplos de empoderamento e representação de personagens – além de mostrarem o racismo por uma ótica mais verdadeira (aprendam aí, certos roteiristas e diretores). Confira:

Cara Gente Branca

Para abrir a lista, nada melhor que já começar com uma série que explica diversas pautas do movimento negro. Cara Gente Branca – ou Dear White People, no título original – gerou polêmica antes mesmo de ser lançada: assim que a Netflix divulgou o teaser da primeira temporada, com uma das protagonistas criticando o blackface em festas à fantasia, choveram avaliações negativas e críticas ao vídeo. O porquê da revolta? Segundo as pessoas que se ofenderam com a chamada, o problema era o discurso com racismo reverso (e deixo esse espaço aqui para um minuto de silêncio. Ok). No entanto, quando foi lançada na plataforma de streaming em abril de 2017,  fez sucesso – apesar do papo do preconceito contra brancos ainda ter continuado em alguns grupos. Foi a maratona do final de semana de muita gente, e eu me incluo nisso.

Baseada no filme homônimo dirigido por Justin Simien (que, particularmente, achei bem inferior ao seriado), Cara Gente Branca acompanha a trajetória de alunos negros em uma universidade de elite. Com um episódio focado em cada personagem, ela toca em pautas importantes: relacionamento inter-racial, violência policial, solidão da mulher negra, militância, apropriação cultural e colorismo – o conceito de que, quanto mais pigmentada for a cor da pele, maior será o preconceito. Veja para ontem! Essa é obrigatória para quem gosta do assunto.

Temporadas: 1 – com 10 episódios de 20 a 30 minutos. A season 2 vai ao ar em 2018!

Onde assistir: Netflix

Insecure

Como não é só de problematização e pautas do movimento negro que a gente precisa para falar em representatividade, também vale dar uma conferida nessa comédia cotidiana da vida adulta. Nela, o racismo e a maneira como enxergam a mulher negra até entram em pauta em vários episódios (e é maravilhoso quando isso acontece), mas o foco principal é o dia a dia da protagonista Issa – interpretada pela ótima Issa Rae, que também é uma das criadoras da série.

Na primeira temporada, que acabei de maratonar há poucos dias, o dilema central da personagem é a crise no relacionamento com Lawrence (Jay Ellis), seu namorado de anos. Embora ainda o ame, Issa desanima com a maneira descompromissada com que ele parece levar a vida e fica balançada quando reencontra um amor mal resolvido do passado. No meio disso tudo, também acompanhamos sua melhor amiga, Molly (Yvonne Orji), uma advogada bem-sucedida que vive em busca de um grande romance em aplicativos, bares e festas, mas não tem lá muita sorte no assunto.

Divertida e reflexiva ao mesmo tempo, Insecure é aquele tipo de série que a gente assiste e se identifica com, pelo menos, algum plot (e, para mim, eterna órfã de Girls, é tudo o que precisava no momento). Só não emendei a segunda temporada em seguida por falta de tempo, mas a maratona já está programada para o próximo final de semana – e ouvi boatos de que ela é ainda melhor que a primeira.

Temporadas: 2 – com 8 episódios de 20 e poucos minutos. A terceira temporada também já foi confirmada para 2018.

Onde assistir: HBO Go

Atlanta

Indo pelo mesmo estilo de Insecure, mas com homens como protagonistas e um humor um pouco mais ácido, outra boa opção é Atlanta. Premiada no Globo de Ouro nas categorias “Melhor Série de Comédia” e “Melhor ator em série de comédia”, ela conta a história de Earn (Donald Glover, que também é o criador da série) – um jovem que, após largar a faculdade de Princeton, começa a produzir o primo Paper Boy (Brian Tyree Henry) para tentar ganhar a vida no mundo do rap. A partir daí, enquanto acompanhamos sua busca pela fama, também vemos como ele lida com suas responsabilidades de pai e o relacionamento complicado com Vanessa (vivida pela maravilhosa Zazie Beetz, que também interpretará a personagem Dominó em Deadpool 2).

E com esse cenário como pano de fundo, acompanhado por uma ótima fotografia e trilha sonora, a série também levanta discussões pertinentes – como estereótipos,  lugar de fala e a cobrança implícita de que todo negro seja engajado no movimento e responda à determinadas expectativas que nem fazia ideia que existiam. Porém, seguindo a proposta do programa, tudo isso é mostrado de uma forma leve e cômica.

Temporadas: 1 – com 10 episódios de 20 e poucos minutos. A segunda temporada vai estrear em março nos Estados Unidos.

Onde assistir: A season 1 está disponível na Netflix. A 2 ainda não tem data de estreia no Brasil; mas, antes de ir para a plataforma de streaming, deve continuar sendo transmitida pelo canal pago Fox Premium.

The Get Down

Uma das séries mais subestimadas da Netflix, The Get Down foi cancelada no final da primeira temporada. Porém, antes de achar que nem vale a pena começar algo que não teve fim, já adianto que o último episódio foi todo amarradinho, e as poucas pontas soltas que restaram não fizeram muita diferença. Até lembro de ter assistido ao que, teoricamente, seria apenas a season finale e comentado que estava com muita cara de encerramento; mas, iludida, nem imaginava que era, realmente, um sinal de que o seriado não teria continuidade. Uma pena, porque a história ainda rendia mais um pouco.

Além da teoria de que a Netflix gastou demais com a produção e não teve retorno (e da justa reclamação dos fãs sobre a falta de divulgação da segunda parte da primeira temporada), o diretor e roteirista da série – Baz Luhrmann, que dirigiu O Grande Gatsby (2013) – publicou uma carta aberta explicando que, após dois anos se dedicando ao programa, queria voltar a fazer seus filmes. Tudo bem, após xingar muito no Twitter, a maioria entendeu, só que ainda bate uma revolta ao pensar na trajetória interrompida de Ezekiel, Mylene, Dizzee e Shaolin (e de todo esse elenco maravilhoso desperdiçado).

Ambientado nos anos 70, o drama conta a história do surgimento do hip hop tendo como foco adolescentes negros do Bronx. O protagonista é Ezekiel (Justice Smith), um garoto que passa a viver com a tia após perder os pais e que se expressa através de suas poesias – que, posteriormente, se transformam em raps no grupo musical que forma com o problemático Shaolin (Shameik Moore) e outros três amigos. Ele é apaixonado por Mylene Cruz (Herizen Guardiola), filha de um rígido pastor, que tenta lutar contra as amarras do pai para realizar o sonho de ser cantora (e, também, a personagem que protagoniza as cenas mais fortes do programa).

Pode ser que, assim como aconteceu com muita gente, você não se anime tanto com o piloto, mas continue sem medo porque a série é linda – tanto visualmente quanto na história. Aborda racismo, juventude, quebra de barreiras, relações familiares e, principalmente, sonhos. Acho que nunca vou superar esse cancelamento… Devolvam minha The Get Down, Netflix e Baz Luhrmann!

Temporadas: 1 – dividida em duas partes (a primeira com 6 episódios e a segunda com 5, todos entre 1h e 1h20min. É tipo filme mesmo).

Onde assistir: Netflix

Scandal

Poderia fazer um texto só focado nas séries de Shonda Rhimes – porque, se tem uma roteirista e showrunner que manda bem em representatividade, é essa mulher! Em seu livro autobiográfico, “O Ano Em Que Eu Disse Sim“,  esse assunto é até um dos pontos abordados: Rhimes diz que não gosta quando falam que seus programas estão diversificando a televisão, porque ver negros, asiáticos, gays e transsexuais nas tramas deveria ser algo natural e não um evento à parte. Em vez disso, ela prefere que digam que seus seriados estão apenas normalizando a TV, que é justamente o que falta em muitas produções.

Em sua série de maior sucesso, Grey’s Anatomy, já dá para perceber isso: embora o programa seja protagonizado por uma branca – Meredith Grey (Ellen Pompeo) – , não faltam personagens negros no elenco principal. E todos ocupando papeis importantes, viu. Com boa situação financeira, empoderados e em cargos de chefia (como é o caso de Richard Webber, interpretado por James Pickens Jr., um dos médicos mais influentes do hospital). Questões raciais até entram em pauta em alguns episódios, mas não são o foco; a intenção de Shonda é apenas mostrar que, assim como na vida real, negros (asiáticos, latinos…) também podem ocupar esses espaços de protagonismo sem estarem ali para darem voz a um movimento. E essa mesma fórmula é repetida na série Scandal, só que com uma negra como protagonista: a poderosa Olivia Pope, vivida por Kerry Washington.

Na história, Olivia é uma ex-consultora de mídia do Presidente dos Estados Unidos, que abre uma empresa – a Price & Associates ou “gladiadores de terno” – para proteger a elite americana de escândalos. Porém, enquanto esconde segredos dos outros por debaixo dos panos, Liv tem seu próprio calcanhar de aquiles: durante sua temporada na Casa Branca, ela teve um caso com o presidente Fitzgerald Grant (Tony Goldwyn), casado com Mellie Grant (Bellamy Young). Quer mais? Tem! Além dessa relação complicada, a série ainda aborda várias conspirações políticas que só poderiam ter saído da cabeça de alguém com a criatividade de Shonda Rhimes mesmo… e, sim, em algumas temporadas, a viagem vai ser tanta que vai dar uma desanimada; mas, no fim das contas, sempre rola algo que faz a gente não desistir. Continuo firme e forte nessa reta final.

Temporadas: Atualmente, a série está na sua sétima e última temporada. Cada uma tem de 16 a 20 e poucos episódios de 40 minutos (tirando a primeira, que tem apenas sete).

Onde assistir: No Brasil, a transmissão é feita pelo canal Sony. Mas a Netflix também já liberou as seis temporadas em sua plataforma.

BÔNUS:

How to Get Away With Murder

Quando comecei a fazer essa lista, confesso que pensei em não colocar How to Get Away With Murder, porque minha relação com a série tem andado bem estremecida. Depois de uma primeira temporada excelente, uma segunda boa e uma terceira bem fraca, já estou meio sem paciência para todos os plots que estão surgindo na quarta e sem muita vontade de acompanhar o desenrolar das tretas que os Keating 5 sempre se envolvem. No entanto, mesmo não sendo mais fã do seriado, não dá para ignorá-lo por três motivos: o primeiro é que, no começo, ele era bom em um nível que não dava vontade de parar de assistir aos episódios; o segundo é o fato de ser uma série protagonizada por ninguém mais, ninguém menos que Viola Davis; e o último é porque, graças à ela, a atriz ganhou um merecido Emmy em 2015 – se tornando, assim, a primeira mulher negra a ter Oscar, Emmy e Tony de atuação.

A produção também faz parte do universo de Shondaland; mas, diferentemente de Grey’s Anatomy e Scandal, não é uma criação de Shonda Rhimes: aqui, ela é apenas a produtora executiva, enquanto o roteiro é assinado por Peter Nowalk. Em sua primeira temporada, que foi ao ar em 2014, o foco era um grupo de estudantes que começa a estagiar com uma professora badass de defesa criminal – a personagem de Viola, Annalise Keating – e acaba envolvido em uma trama de assassinato que muda a trajetória de todos. Nos anos seguintes, vemos o desdobramento desse suspense inicial e muitos outros problemas que os jovens e a professora se envolvem a partir do que vivem no começo da narrativa, além dos casos isolados de clientes em busca de defesa criminal – já que, entre uma confusão aqui e outra ali, Annalise continua sendo advogada e os estudantes continuam cursando Direito.

Para mim, o problema da série é o fato de ter se alongado bem mais do que deveria. Até vejo algumas pessoas que ainda estão empolgadas com a trama, mas outras tantas – assim como eu – estão respirando por aparelhos para não abandonarem tudo antes do fim. Porém, se você ainda não viu nada de How to Get Away With Murder até hoje, vale ignorar a minha desanimada e dar uma conferida para acompanhar a personagem forte e cheia de camadas que é Annalise Keating (além de também ver Alfred Enoch, que vive dando um rolê pelo Brasil, no papel do personagem Wes). No final das contas, pode até ser que a temporada atual te empolgue bem mais do que tem feito comigo…

Temporadas: A série está no ar com sua quarta temporada. Cada season tem 15 episódios de 40 minutos.

Onde assistir: Assim como Scandal (e Grey’s Anatomy), a transmissão no Brasil é feita pelo canal Sony. Mas as três temporadas já finalizadas também estão disponíveis no catálogo da Netflix.

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Era uma vez uma criança negra que, toda vez que ligava a televisão ou ia ao cinema, não se reconhecia nas histórias. Eram tantos personagens brancos, de cabelo liso e olho claro, que ela cresceu acreditando que tinha algo errado com os seus fios crespos, pele de tom mais escuro e o nariz largo. Para ser sincera, de vez em quando, até aparecia alguém com essas características em alguma produção, mas os papeis eram sempre tão inferiores que nem dava para sentir orgulho de ser parecida com aquela pessoa – e, assim, renegar os traços e procurar ficar o mais próximo possível do padrão europeu era a consequência. Fim.

Esse breve resumo te parece familiar? É que, por muito tempo, ele poderia ser usado para definir a infância/adolescência de muita gente – inclusive a minha.  Mas, felizmente, o cenário tem mudado! E por mais que a velocidade não seja das melhores e as transformações cheguem em passos lentos,  finalmente, a representatividade tem sido uma das principais discussões no cinema e no audiovisual em geral. Pense em Pantera Negra, por exemplo: pela primeira vez, uma superprodução da Marvel traz uma história que conta com um elenco majoritariamente negro, com todos eles ocupando, realmente, um protagonismo em vez de dependerem da força e bondade do homem branco para conseguirem algo – que é o que acontece em alguns dramas elogiados pela crítica, como Histórias Cruzadas (2011) e Estrelas Além do Tempo (2016).

Por mais que os dois tenham seu devido valor por falarem de racismo e mostrarem o privilégio de quem tem pele clara, nas principais viradas da narrativa, ambos cometem um erro clássico: colocam um personagem branco para que a “revolução” aconteça. Tudo bem, a intenção pode até ser boa, e você pode questionar que tem a ver com o contexto da época em que a história se passa… mas, depois de anos de invisibilidade, o que a gente quer mesmo é o protagonismo completo e o direito à própria voz, sem mediadores para que ela possa ser ouvida.

Pensando em tudo isso, dá para entender muito bem o porquê de Pantera Negra já ser um sucesso entre cinéfilos e crítica: os negros, finalmente, estão comandando suas próprias histórias em um filme feito para o grande público. E se, para nós, adultos, já é algo lindo de se ver, imagina para a criança que ainda se identifica com o trecho do comecinho do texto por não se achar parecida com o Homem-Aranha, Batman ou a Viúva Negra, por exemplo? É, os tempos estão mesmo mudando. E ainda bem por isso.

#OscarsSoWhite: um começo da revolução no Cinema?

O Oscar de 2016 – que foi o ano em que Spotlight: Segredos Revelados venceu como “Melhor Filme” – ficou marcado pela campanha #OscarsSoWhite, que questionava a predominância de  brancos nas categorias principais da premiação. Era o segundo ano consecutivo em que artistas negros não eram devidamente reconhecidos… então, já estava claro que o protesto era mais do que necessário; era urgente.

Com o movimento ganhando cada vez mais força, na edição seguinte,  não teve jeito: a Academia precisou reavaliar a situação e dar o destaque merecido aos negros  – assim como as próprias produções cinematográficas também precisaram abrir mais espaço para eles, já que a falta de papeis importantes contribuía para a esnobada nas indicações. E, a partir daí, você deve lembrar:  as indicações aumentaram consideravelmente; Viola-maravilhosa-Davis levou para casa o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação em Um Limite Entre Nós (e fez um daqueles discursos que dá vontade de rever mil vezes de tão bonito); e Moonlight: Sob a Luz do Luar tirou o troféu de La La Land: Cantando Estações e terminou a noite como o longa vencedor. Foi bonito, e mostrou que não se calar é mesmo a melhor arma para lutar contra a desigualdade.

Desde então, ainda que seja apenas por pressão política, o cinema tem procurado dar mais espaço às minorias. Além do protagonismo negro, filmes com temática feminista e LGBT também têm aparecido com mais destaque nas premiações e, inclusive, em grandes produções. Como já disse, ainda estamos caminhando em passos de tartaruga porque há muito – mesmo! – a ser feito sobre todas essas pautas. No entanto, só o fato de homens e mulheres negras (assim como lésbicas, gays, trans e mulheres em geral) poderem se reconhecer na tela e sentirem orgulho de quem são é, sim, uma importante vitória. Agora, é só torcer para que ela não pare por aí.

Prepare a maratona (e a pipoca):

Enquanto o cinema ainda evolui em relação à representatividade, para mim, as séries de TV estão um passo a frente. Não estou dizendo que elas já alcançaram a perfeição e que não existe mais nenhuma desigualdade entre brancos e negros nesse meio (seria meu sonho), mas percebo que há, sim, mais espaço para o protagonismo.

Na época em que as grandes produções cinematográficas ainda ficavam  presas a estereótipos e às narrativas de sempre – como a que aborda o racismo na história ou a clássica do “pobre menino negro que sofreu demais antes de vencer na vida” -, os seriados já traziam enredos mais reais. Apenas pessoas negras levando sua vida normalmente, sabe? Com trabalho, relacionamento e amizades, sem ser preciso deixar claro que “olha, estamos criticando o racismo aqui”.  Não é que seja errado tocar nessa questão – muito pelo contrário -, mas não é necessário falar SÓ disso para mostrar diversidade.

Então, aproveitando que está todo mundo animado com Pantera Negra e na esperança de que a representatividade seja, de fato, uma realidade no audiovisual e nas artes como um todo, separei 5 séries (ou 6) protagonizadas por negros para você maratonar no final de semana. Das politizadas às que têm um toque mais cômico, todas trazem ótimos exemplos de empoderamento e representação de personagens – além de mostrarem o racismo por uma ótica mais verdadeira (aprendam aí, certos roteiristas e diretores). Confira:

Cara Gente Branca

Para abrir a lista, nada melhor que já começar com uma série que explica diversas pautas do movimento negro. Cara Gente Branca – ou Dear White People, no título original – gerou polêmica antes mesmo de ser lançada: assim que a Netflix divulgou o teaser da primeira temporada, com uma das protagonistas criticando o blackface em festas à fantasia, choveram avaliações negativas e críticas ao vídeo. O porquê da revolta? Segundo as pessoas que se ofenderam com a chamada, o problema era o discurso com racismo reverso (e deixo esse espaço aqui para um minuto de silêncio. Ok). No entanto, quando foi lançada na plataforma de streaming em abril de 2017,  fez sucesso – apesar do papo do preconceito contra brancos ainda ter continuado em alguns grupos. Foi a maratona do final de semana de muita gente, e eu me incluo nisso.

Baseada no filme homônimo dirigido por Justin Simien (que, particularmente, achei bem inferior ao seriado), Cara Gente Branca acompanha a trajetória de alunos negros em uma universidade de elite. Com um episódio focado em cada personagem, ela toca em pautas importantes: relacionamento inter-racial, violência policial, solidão da mulher negra, militância, apropriação cultural e colorismo – o conceito de que, quanto mais pigmentada for a cor da pele, maior será o preconceito. Veja para ontem! Essa é obrigatória para quem gosta do assunto.

Temporadas: 1 – com 10 episódios de 20 a 30 minutos. A season 2 vai ao ar em 2018!

Onde assistir: Netflix

Insecure

Como não é só de problematização e pautas do movimento negro que a gente precisa para falar em representatividade, também vale dar uma conferida nessa comédia cotidiana da vida adulta. Nela, o racismo e a maneira como enxergam a mulher negra até entram em pauta em vários episódios (e é maravilhoso quando isso acontece), mas o foco principal é o dia a dia da protagonista Issa – interpretada pela ótima Issa Rae, que também é uma das criadoras da série.

Na primeira temporada, que acabei de maratonar há poucos dias, o dilema central da personagem é a crise no relacionamento com Lawrence (Jay Ellis), seu namorado de anos. Embora ainda o ame, Issa desanima com a maneira descompromissada com que ele parece levar a vida e fica balançada quando reencontra um amor mal resolvido do passado. No meio disso tudo, também acompanhamos sua melhor amiga, Molly (Yvonne Orji), uma advogada bem-sucedida que vive em busca de um grande romance em aplicativos, bares e festas, mas não tem lá muita sorte no assunto.

Divertida e reflexiva ao mesmo tempo, Insecure é aquele tipo de série que a gente assiste e se identifica com, pelo menos, algum plot (e, para mim, eterna órfã de Girls, é tudo o que precisava no momento). Só não emendei a segunda temporada em seguida por falta de tempo, mas a maratona já está programada para o próximo final de semana – e ouvi boatos de que ela é ainda melhor que a primeira.

Temporadas: 2 – com 8 episódios de 20 e poucos minutos. A terceira temporada também já foi confirmada para 2018.

Onde assistir: HBO Go

Atlanta

Indo pelo mesmo estilo de Insecure, mas com homens como protagonistas e um humor um pouco mais ácido, outra boa opção é Atlanta. Premiada no Globo de Ouro nas categorias “Melhor Série de Comédia” e “Melhor ator em série de comédia”, ela conta a história de Earn (Donald Glover, que também é o criador da série) – um jovem que, após largar a faculdade de Princeton, começa a produzir o primo Paper Boy (Brian Tyree Henry) para tentar ganhar a vida no mundo do rap. A partir daí, enquanto acompanhamos sua busca pela fama, também vemos como ele lida com suas responsabilidades de pai e o relacionamento complicado com Vanessa (vivida pela maravilhosa Zazie Beetz, que também interpretará a personagem Dominó em Deadpool 2).

E com esse cenário como pano de fundo, acompanhado por uma ótima fotografia e trilha sonora, a série também levanta discussões pertinentes – como estereótipos,  lugar de fala e a cobrança implícita de que todo negro seja engajado no movimento e responda à determinadas expectativas que nem fazia ideia que existiam. Porém, seguindo a proposta do programa, tudo isso é mostrado de uma forma leve e cômica.

Temporadas: 1 – com 10 episódios de 20 e poucos minutos. A segunda temporada vai estrear em março nos Estados Unidos.

Onde assistir: A season 1 está disponível na Netflix. A 2 ainda não tem data de estreia no Brasil; mas, antes de ir para a plataforma de streaming, deve continuar sendo transmitida pelo canal pago Fox Premium.

The Get Down

Uma das séries mais subestimadas da Netflix, The Get Down foi cancelada no final da primeira temporada. Porém, antes de achar que nem vale a pena começar algo que não teve fim, já adianto que o último episódio foi todo amarradinho, e as poucas pontas soltas que restaram não fizeram muita diferença. Até lembro de ter assistido ao que, teoricamente, seria apenas a season finale e comentado que estava com muita cara de encerramento; mas, iludida, nem imaginava que era, realmente, um sinal de que o seriado não teria continuidade. Uma pena, porque a história ainda rendia mais um pouco.

Além da teoria de que a Netflix gastou demais com a produção e não teve retorno (e da justa reclamação dos fãs sobre a falta de divulgação da segunda parte da primeira temporada), o diretor e roteirista da série – Baz Luhrmann, que dirigiu O Grande Gatsby (2013) – publicou uma carta aberta explicando que, após dois anos se dedicando ao programa, queria voltar a fazer seus filmes. Tudo bem, após xingar muito no Twitter, a maioria entendeu, só que ainda bate uma revolta ao pensar na trajetória interrompida de Ezekiel, Mylene, Dizzee e Shaolin (e de todo esse elenco maravilhoso desperdiçado).

Ambientado nos anos 70, o drama conta a história do surgimento do hip hop tendo como foco adolescentes negros do Bronx. O protagonista é Ezekiel (Justice Smith), um garoto que passa a viver com a tia após perder os pais e que se expressa através de suas poesias – que, posteriormente, se transformam em raps no grupo musical que forma com o problemático Shaolin (Shameik Moore) e outros três amigos. Ele é apaixonado por Mylene Cruz (Herizen Guardiola), filha de um rígido pastor, que tenta lutar contra as amarras do pai para realizar o sonho de ser cantora (e, também, a personagem que protagoniza as cenas mais fortes do programa).

Pode ser que, assim como aconteceu com muita gente, você não se anime tanto com o piloto, mas continue sem medo porque a série é linda – tanto visualmente quanto na história. Aborda racismo, juventude, quebra de barreiras, relações familiares e, principalmente, sonhos. Acho que nunca vou superar esse cancelamento… Devolvam minha The Get Down, Netflix e Baz Luhrmann!

Temporadas: 1 – dividida em duas partes (a primeira com 6 episódios e a segunda com 5, todos entre 1h e 1h20min. É tipo filme mesmo).

Onde assistir: Netflix

Scandal

Poderia fazer um texto só focado nas séries de Shonda Rhimes – porque, se tem uma roteirista e showrunner que manda bem em representatividade, é essa mulher! Em seu livro autobiográfico, “O Ano Em Que Eu Disse Sim“,  esse assunto é até um dos pontos abordados: Rhimes diz que não gosta quando falam que seus programas estão diversificando a televisão, porque ver negros, asiáticos, gays e transsexuais nas tramas deveria ser algo natural e não um evento à parte. Em vez disso, ela prefere que digam que seus seriados estão apenas normalizando a TV, que é justamente o que falta em muitas produções.

Em sua série de maior sucesso, Grey’s Anatomy, já dá para perceber isso: embora o programa seja protagonizado por uma branca – Meredith Grey (Ellen Pompeo) – , não faltam personagens negros no elenco principal. E todos ocupando papeis importantes, viu. Com boa situação financeira, empoderados e em cargos de chefia (como é o caso de Richard Webber, interpretado por James Pickens Jr., um dos médicos mais influentes do hospital). Questões raciais até entram em pauta em alguns episódios, mas não são o foco; a intenção de Shonda é apenas mostrar que, assim como na vida real, negros (asiáticos, latinos…) também podem ocupar esses espaços de protagonismo sem estarem ali para darem voz a um movimento. E essa mesma fórmula é repetida na série Scandal, só que com uma negra como protagonista: a poderosa Olivia Pope, vivida por Kerry Washington.

Na história, Olivia é uma ex-consultora de mídia do Presidente dos Estados Unidos, que abre uma empresa – a Price & Associates ou “gladiadores de terno” – para proteger a elite americana de escândalos. Porém, enquanto esconde segredos dos outros por debaixo dos panos, Liv tem seu próprio calcanhar de aquiles: durante sua temporada na Casa Branca, ela teve um caso com o presidente Fitzgerald Grant (Tony Goldwyn), casado com Mellie Grant (Bellamy Young). Quer mais? Tem! Além dessa relação complicada, a série ainda aborda várias conspirações políticas que só poderiam ter saído da cabeça de alguém com a criatividade de Shonda Rhimes mesmo… e, sim, em algumas temporadas, a viagem vai ser tanta que vai dar uma desanimada; mas, no fim das contas, sempre rola algo que faz a gente não desistir. Continuo firme e forte nessa reta final.

Temporadas: Atualmente, a série está na sua sétima e última temporada. Cada uma tem de 16 a 20 e poucos episódios de 40 minutos (tirando a primeira, que tem apenas sete).

Onde assistir: No Brasil, a transmissão é feita pelo canal Sony. Mas a Netflix também já liberou as seis temporadas em sua plataforma.

BÔNUS:

How to Get Away With Murder

Quando comecei a fazer essa lista, confesso que pensei em não colocar How to Get Away With Murder, porque minha relação com a série tem andado bem estremecida. Depois de uma primeira temporada excelente, uma segunda boa e uma terceira bem fraca, já estou meio sem paciência para todos os plots que estão surgindo na quarta e sem muita vontade de acompanhar o desenrolar das tretas que os Keating 5 sempre se envolvem. No entanto, mesmo não sendo mais fã do seriado, não dá para ignorá-lo por três motivos: o primeiro é que, no começo, ele era bom em um nível que não dava vontade de parar de assistir aos episódios; o segundo é o fato de ser uma série protagonizada por ninguém mais, ninguém menos que Viola Davis; e o último é porque, graças à ela, a atriz ganhou um merecido Emmy em 2015 – se tornando, assim, a primeira mulher negra a ter Oscar, Emmy e Tony de atuação.

A produção também faz parte do universo de Shondaland; mas, diferentemente de Grey’s Anatomy e Scandal, não é uma criação de Shonda Rhimes: aqui, ela é apenas a produtora executiva, enquanto o roteiro é assinado por Peter Nowalk. Em sua primeira temporada, que foi ao ar em 2014, o foco era um grupo de estudantes que começa a estagiar com uma professora badass de defesa criminal – a personagem de Viola, Annalise Keating – e acaba envolvido em uma trama de assassinato que muda a trajetória de todos. Nos anos seguintes, vemos o desdobramento desse suspense inicial e muitos outros problemas que os jovens e a professora se envolvem a partir do que vivem no começo da narrativa, além dos casos isolados de clientes em busca de defesa criminal – já que, entre uma confusão aqui e outra ali, Annalise continua sendo advogada e os estudantes continuam cursando Direito.

Para mim, o problema da série é o fato de ter se alongado bem mais do que deveria. Até vejo algumas pessoas que ainda estão empolgadas com a trama, mas outras tantas – assim como eu – estão respirando por aparelhos para não abandonarem tudo antes do fim. Porém, se você ainda não viu nada de How to Get Away With Murder até hoje, vale ignorar a minha desanimada e dar uma conferida para acompanhar a personagem forte e cheia de camadas que é Annalise Keating (além de também ver Alfred Enoch, que vive dando um rolê pelo Brasil, no papel do personagem Wes). No final das contas, pode até ser que a temporada atual te empolgue bem mais do que tem feito comigo…

Temporadas: A série está no ar com sua quarta temporada. Cada season tem 15 episódios de 40 minutos.

Onde assistir: Assim como Scandal (e Grey’s Anatomy), a transmissão no Brasil é feita pelo canal Sony. Mas as três temporadas já finalizadas também estão disponíveis no catálogo da Netflix.

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