sexta-feira , 22 novembro , 2024

Revisando Shyamalan

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‘O Último Mestre do Ar’, novo filme de M. Night Shyamalan, levou o diretor ao ponto mais baixo de sua carreira. A adaptação foi massacrada pela crítica e pelos fãs do desenho ‘Avatar’.



Mas a estreia é uma boa oportunidade para relembrar os trabalhos e o que se falou sobre Shyamalan.

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Ele se tornou mundialmente conhecido com “O Sexto Sentido”. Mais do que apresentar o menino que dizia “I see dead people”, o filme foi um sucesso de público e crítica. O que mais agradou foi o final surpreendente: se fosse de outra forma, o filme perderia todo o sentido. Já se percebem elementos que se tornam centrais nos seus trabalhos: a relação pai e filho, a presença do sobrenatural e o jogo de entre o que é mostrado e o que realmente é.

O sucesso lhe deu uma carta branca para criar sem muitas importunações dos produtores. Ele conseguiu, com isso, inovar bem no seio de Hollywood, considerada conservadora. E justamente a inventividade é o motivo de tantas críticas e acusações de falta de criatividade. Ora, uma passada pelos seus filmes revela uma genialidade que pode afugentar alguns.

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Em “Corpo Fechado” (foi um dos títulos mais mal traduzidos da história brasileira), Shyamalan desvia do suspense o cria a mais inusitada história de super-heróis. Não há grandes efeitos especiais, mas uma metáfora sobre os limites do homem e a vontade do protagonista de descobrir sua força (que duvida ter). Estão presentes elementos importantes da sua obra como a relação pais e filhos e a dúvida sobre o que vemos na tela: o próprio protagonista duvida de seus poderes por ainda não terem sido demonstrados para o espectador. Como se a história precisasse de um aceite do público para algo ser considerado verdadeiro.

Esse espelho entre o verdadeiro e o falso é central em Shyamalan. Não pensamos em Bruce Willis como morto ou como super-herói: não vemos indicações de seu falecimento nem de seus poderes, respectivamente.

Em 2002, estreou “Sinais”. Lançando para os ares as convenções, fez um dos mais assustadores filmes de aliens do cinema. A trama se reduz a um microcosmo, a fazenda de um ex-pastor (Mel Gibson), descrente após a morte da esposa. A dúvida sobre a invasão alienígena é trabalhada todos os minutos. Tanto o protagonista quanto nós duvidamos dos fatos apresentados pela mídia. Seriam mesmos ETs?

O suspense vai se adensando junto com a incerteza. Nenhuma prova cabal é apresentada no espaço da fazenda. Em contraponto, um vídeo caseiro, exibido pelos jornais, mostra o extraterrestre. O filme brinca com nosso subconsciente: vinculamos imagens tremidas e desfocadas com registros da realidade. Seria tudo verdade?

Em uma das seqüências mais assustadoras de sua obra, a família vai para o porão, fugindo de algo ainda não visto. Nesse instante, a dúvida mais forte é a fé do pastor. É neste filme que a religiosidade é tratada de maneira mais ostensiva. Os acontecimentos funcionam como uma provação para o pastor, que retoma a fé após salvar seu filho. A certeza do ET e da divindade surgem juntas.


Como grande artista, Shyamalan inovou novamente com “A Vila”. Por causa do final completamente inusitado, foi apedrejado pela crítica e o público fugiu das salas.

Trata-se de uma alegoria. Pode-se ver a vila como uma alusão ao totalitarismo, à nossa vontade de nos esconder do mundo, uma crítica ao governo norte-americano. Num dos jogos de espelhos mais ousados do cinema, tudo cabe.

Todos os elementos de Shyamalan estão presentes: o suspense, a profundidade psicológica, a relação pais e filhos, a dúvida entre o que vemos e o que é escondido.

Na primeira cena, somos levados a crer se tratar de uma vila do século XIX, apesar de a única indicação ser uma lápide. Ora, por que não aparece uma legenda indicando que a história se passa em tal século? Justamente para não comprometer o diretor: ele é uma terceira pessoa que capta a imagem. Nós a interpretamos. Sem notar a artificialidade das personagens, concordamos com a premissa. A verdade é revelada aos poucos, sem abrir mão do suspense, que só abandona a trama quando tudo é revelado.

Na história, após Lucius ser gravemente ferido, Ivy Wlaker, para salvar o homem que ama, pede autorização para cruzar a floresta. Segundo os anciões da vila, não se poderia adentrar a floresta para não perturbar “aqueles-dos-quais-não-falamos”. Estes seriam criaturas que atacam a vila se alguém tenta ultrapassar os limites. Depois saberemos se tratar de uma farsa. Uma farsa que continuará mesmo com a ida de Ivy ao mundo real, a única que poderia ir para a realidade por ser cega.

A deficiência de Ivy demonstra a condição dos moradores: cegos para a realidade, foi-lhes subtraído o direito de escolha. O diretor questiona os limites entre realidade e mentira e o quanto alguém pode interferir na vida dos outros. A fé é estudada por vias tortas: os moradores da vila – e o público até o final – acreditam na farsa. No que acreditamos, no que temos fé?

Primeiro achamos que o morto estava vivo, depois que o super-herói não tinha poderes e que os ETs não eram ETs. Em seguida, pensamos que a vila era mesmo vila. Nada supera “A Dama da Água”: fomos aos cinemas pensando em ver um misto de suspense e fábula quando se tratava, sim, de um filme sobre o cinema.

Sob um suspende, Shyamalan fez seu trabalho mais sofisticado e ousado: um filme onde o tema, na verdade, é sua forma de fazer cinema e como se sente diante das críticas. Está tudo lá: relação pais e filhos, o suspense, a dúvida, os enquadramentos perfeitos. Tudo! A grande diferença: nenhum personagem tem uma grande revelação no fim, só o público ao perceber que não era (somente) um suspense.

Sem dúvida sua obra mais importante e pessoal. O filme é tão explicito em suas intenções metalingüísticas que o próprio Shyamalan é personagem importante. Sem em nenhum instante ser didático, ele expõe seu processo de criação, sua concepção de cinema e ataca os críticos.

Ao fazer um tratado sobre teoria do cinema não agradou. Pouco importa. Já deixou seu testamento cinematográfico.

“Fim dos Tempos”, seu penúltimo trabalho, decepcionou em todos os aspectos. É um filme de terror B que não deu certo. Mesmo assim, ainda acreditamos no potencial do diretor.

Texto por : Georgenor de S. Franco Neto
Fotos: Yahoo!
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‘O Último Mestre do Ar’, novo filme de M. Night Shyamalan, levou o diretor ao ponto mais baixo de sua carreira. A adaptação foi massacrada pela crítica e pelos fãs do desenho ‘Avatar’.

Mas a estreia é uma boa oportunidade para relembrar os trabalhos e o que se falou sobre Shyamalan.

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Ele se tornou mundialmente conhecido com “O Sexto Sentido”. Mais do que apresentar o menino que dizia “I see dead people”, o filme foi um sucesso de público e crítica. O que mais agradou foi o final surpreendente: se fosse de outra forma, o filme perderia todo o sentido. Já se percebem elementos que se tornam centrais nos seus trabalhos: a relação pai e filho, a presença do sobrenatural e o jogo de entre o que é mostrado e o que realmente é.

O sucesso lhe deu uma carta branca para criar sem muitas importunações dos produtores. Ele conseguiu, com isso, inovar bem no seio de Hollywood, considerada conservadora. E justamente a inventividade é o motivo de tantas críticas e acusações de falta de criatividade. Ora, uma passada pelos seus filmes revela uma genialidade que pode afugentar alguns.

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Em “Corpo Fechado” (foi um dos títulos mais mal traduzidos da história brasileira), Shyamalan desvia do suspense o cria a mais inusitada história de super-heróis. Não há grandes efeitos especiais, mas uma metáfora sobre os limites do homem e a vontade do protagonista de descobrir sua força (que duvida ter). Estão presentes elementos importantes da sua obra como a relação pais e filhos e a dúvida sobre o que vemos na tela: o próprio protagonista duvida de seus poderes por ainda não terem sido demonstrados para o espectador. Como se a história precisasse de um aceite do público para algo ser considerado verdadeiro.

Esse espelho entre o verdadeiro e o falso é central em Shyamalan. Não pensamos em Bruce Willis como morto ou como super-herói: não vemos indicações de seu falecimento nem de seus poderes, respectivamente.

Em 2002, estreou “Sinais”. Lançando para os ares as convenções, fez um dos mais assustadores filmes de aliens do cinema. A trama se reduz a um microcosmo, a fazenda de um ex-pastor (Mel Gibson), descrente após a morte da esposa. A dúvida sobre a invasão alienígena é trabalhada todos os minutos. Tanto o protagonista quanto nós duvidamos dos fatos apresentados pela mídia. Seriam mesmos ETs?

O suspense vai se adensando junto com a incerteza. Nenhuma prova cabal é apresentada no espaço da fazenda. Em contraponto, um vídeo caseiro, exibido pelos jornais, mostra o extraterrestre. O filme brinca com nosso subconsciente: vinculamos imagens tremidas e desfocadas com registros da realidade. Seria tudo verdade?

Em uma das seqüências mais assustadoras de sua obra, a família vai para o porão, fugindo de algo ainda não visto. Nesse instante, a dúvida mais forte é a fé do pastor. É neste filme que a religiosidade é tratada de maneira mais ostensiva. Os acontecimentos funcionam como uma provação para o pastor, que retoma a fé após salvar seu filho. A certeza do ET e da divindade surgem juntas.


Como grande artista, Shyamalan inovou novamente com “A Vila”. Por causa do final completamente inusitado, foi apedrejado pela crítica e o público fugiu das salas.

Trata-se de uma alegoria. Pode-se ver a vila como uma alusão ao totalitarismo, à nossa vontade de nos esconder do mundo, uma crítica ao governo norte-americano. Num dos jogos de espelhos mais ousados do cinema, tudo cabe.

Todos os elementos de Shyamalan estão presentes: o suspense, a profundidade psicológica, a relação pais e filhos, a dúvida entre o que vemos e o que é escondido.

Na primeira cena, somos levados a crer se tratar de uma vila do século XIX, apesar de a única indicação ser uma lápide. Ora, por que não aparece uma legenda indicando que a história se passa em tal século? Justamente para não comprometer o diretor: ele é uma terceira pessoa que capta a imagem. Nós a interpretamos. Sem notar a artificialidade das personagens, concordamos com a premissa. A verdade é revelada aos poucos, sem abrir mão do suspense, que só abandona a trama quando tudo é revelado.

Na história, após Lucius ser gravemente ferido, Ivy Wlaker, para salvar o homem que ama, pede autorização para cruzar a floresta. Segundo os anciões da vila, não se poderia adentrar a floresta para não perturbar “aqueles-dos-quais-não-falamos”. Estes seriam criaturas que atacam a vila se alguém tenta ultrapassar os limites. Depois saberemos se tratar de uma farsa. Uma farsa que continuará mesmo com a ida de Ivy ao mundo real, a única que poderia ir para a realidade por ser cega.

A deficiência de Ivy demonstra a condição dos moradores: cegos para a realidade, foi-lhes subtraído o direito de escolha. O diretor questiona os limites entre realidade e mentira e o quanto alguém pode interferir na vida dos outros. A fé é estudada por vias tortas: os moradores da vila – e o público até o final – acreditam na farsa. No que acreditamos, no que temos fé?

Primeiro achamos que o morto estava vivo, depois que o super-herói não tinha poderes e que os ETs não eram ETs. Em seguida, pensamos que a vila era mesmo vila. Nada supera “A Dama da Água”: fomos aos cinemas pensando em ver um misto de suspense e fábula quando se tratava, sim, de um filme sobre o cinema.

Sob um suspende, Shyamalan fez seu trabalho mais sofisticado e ousado: um filme onde o tema, na verdade, é sua forma de fazer cinema e como se sente diante das críticas. Está tudo lá: relação pais e filhos, o suspense, a dúvida, os enquadramentos perfeitos. Tudo! A grande diferença: nenhum personagem tem uma grande revelação no fim, só o público ao perceber que não era (somente) um suspense.

Sem dúvida sua obra mais importante e pessoal. O filme é tão explicito em suas intenções metalingüísticas que o próprio Shyamalan é personagem importante. Sem em nenhum instante ser didático, ele expõe seu processo de criação, sua concepção de cinema e ataca os críticos.

Ao fazer um tratado sobre teoria do cinema não agradou. Pouco importa. Já deixou seu testamento cinematográfico.

“Fim dos Tempos”, seu penúltimo trabalho, decepcionou em todos os aspectos. É um filme de terror B que não deu certo. Mesmo assim, ainda acreditamos no potencial do diretor.

Texto por : Georgenor de S. Franco Neto
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