A franquia popular mais longeva da sétima arte encerrou mais uma fase no final de 2021. Estamos falando é claro de 007, que fechou sua era Daniel Craig quando o ator se despediu do personagem James Bond e da franquia em Sem Tempo para Morrer, após cinco filmes no papel. Agora é esperar para outra fase do personagem e por um novo intérprete para protagoniza-lo. James Bond já teve seis intérpretes e uma longa caminha repleta de fases – se formos pensar que o personagem existe nas telonas desde o início dos anos 1960, 007 está adentrando agora sua sétima década mergulhado na cultura pop sem nunca deixar de ser popular ou relevante. Ou seja, o espião mais famoso do entretenimento não é importante apenas para o cinema, é um pilar cultural de nossos tempos, passado através das gerações, lidando com problemas de seus respectivos momentos.
Enquanto esperamos uma nova fase da franquia mais duradoura do cinema, propriedade da EON Productions e da MGM (agora em parceria com a Universal), e o anúncio de quem irá suceder Daniel Craig na função, voltaremos no tempo, como sempre gostamos de fazer, para relembrar com você um dos fatos mais curiosos ocorridos dentro da franquia do agente secreto da Rainha Britânica. Sem Tempo para Morrer marcou o 25º filme oficial da franquia 007 no cinema. Porém, existem dois outros filmes baseados nos livros do autor Ian Fleming e contendo o personagem James Bond que foram lançados nos cinemas e não fazem parte da cronologia oficial. O primeiro é a paródia Cassino Royale (1967) – o qual vale uma matéria só para ele também. Mas hoje nos concentraremos no segundo, intitulado Nunca Mais Outra Vez, que está completando 40 anos de lançamento em 2023 e que chama mais atenção pelo duelo ocorrido nas telonas entre os que são considerados pelos fãs os maiores James Bond de todos: Sean Connery e Roger Moore.
Comecemos pelo começo. Como todos sabem muito bem, o icônico Sean Connery foi o primeiro 007 do cinema, estreando ainda em 1962 no primeiro filme do personagem nas telonas: 007 Contra o Satânico Dr. No. O personagem, o agente secreto número 1 da Rainha inglesa (ou melhor, o número 7), dono de uma personalidade que é misto de sofisticação e bruteza, foi criado nas páginas de uma série de livros escritos pelo autor Ian Fleming – o criador do espião. Para fazer de James Bond a figura maior que a vida que se tornou, entrava em cena os produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman, que formaram a produtora EON – responsável por todos os filmes oficiais de 007 no cinema. Assim tomava forma os primórdios da maior franquia de filmes da história. Mas depois de três filmes lançados (Dr. No, Moscou Contra 007 e 007 Contra Goldfinger), algo iria mudar na franquia logo em seu quarto filme.
007 Contra a Chantagem Atômica foi lançado em 1965, tendo Sean Connery pela quarta vez personificando James Bond. Tudo parecia no lugar para este se tornar “apenas” mais um filme da franquia, mas a verdade é que nesta época não tinha nada de normal quando falávamos da franquia 007. Acontece que a esta altura, a propriedade era quentíssima e uma das mais rentáveis no mundo. Os filmes de 007 se tornavam um fenômeno comparável apenas ao que eram os Beatles na época. Deste forma, todos queriam uma fatia deste bolo e 007 gerou um bocado de “imitadores” vindos de outros estúdios. Era uma febre de espiões e agentes secretos que dominavam a indústria cinematográfica. Nessa esteira surgia Kevin McClory, o nome responsável por termos dois filmes de 007 nos cinemas há 40 anos atrás.
O que acontece é que 007 Contra a Chantagem Atômica foi o primeiro filme da franquia a não ser baseado em um livro escrito por Ian Fleming, como os três anteriores. Os produtores queriam algo novo e resolveram bolar uma história do zero mais próxima ao que os fãs esperavam ver em tela de uma aventura de James Bond. Sim, Ian Fleming ainda estaria envolvido na produção e desenvolveu a história. Mas eis que surge em cena o tal Kevin McClory para ajudar a desenvolver a narrativa do quarto filme de 007 ao lado de seu criador. E não apenas isso, McClory também ganhou cargo de produtor, acima inclusive dos donos da EON, Broccoli e Saltzman – que serviram de produtores executivos no filme. Com tanto poder em mãos, é claro que McClory não deixaria barato e ganhou nos tribunais em cima da EON o direito sobre A Chantagem Atômica (Thunderball). É como se o quarto filme da franquia fosse de McClory e não da EON. É bem verdade que o produtor não podia fazer muito com isso, afinal o juiz decretou que a única coisa que ele poderia fazer seria uma refilmagem de A Chantagem Atômica.
Kevin McClory não se deu por vencido, no entanto, e esperaria o momento certo. Enquanto isso, Sean Connery faria o seu quinto filme como James Bond com Só Se Vive Duas Vezes (1967) e deixaria o papel (pela primeira vez) no sexto filme após insatisfações salariais. Em seu lugar entrava o modelo transformado em ator George Lazenby para 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969). Lazenby não agradou e foi jogado para escanteio. Após uma proposta polpuda e certo convencimento, ninguém menos do que Sean Connery retornaria ao papel em Os Diamantes São Eternos (1971). Mesmo retornando para mais um filme, Connery deixava claro que essa seria sua canção do cisne, sua despedida de vez do papel. E de certa forma o foi, ao menos da cronologia oficial.
Na década de 1970, a EON encontra nas formas de Roger Moore um substituto à altura para Connery. A estreia de Moore ocorreria em 007 – Viva e Deixe Morrer (1973) e o ator permaneceria no papel por nada menos que sete filmes, sendo ainda hoje o intérprete que mais vezes viveu James Bond dentro da cronologia oficial. Depois da estreia de Moore no papel, vieram O Homem com a Pistola de Ouro (1974), O Espião que me Amava (1977), O Foguete da Morte (1979) e Somente para Seus Olhos (1981). E aí chegava o ano de 1983, e Roger Moore estava pensando em deixar o papel no sexto filme de sua era. Mas algo muito forte faria os produtores persuadi-lo a viver 007 mais uma vez em Octopussy: a volta de Sean Connery ao papel. O curioso é que o sucesso de Octopussy ainda faria Roger Moore ficar no papel para um sétimo filme, já aparentando sua idade de 58 anos na época para Na Mira dos Assassinos (1985). Já pensou como seria um 007 sessentão hoje em dia? Daniel Craig deixou o papel com 53 anos, por exemplo.
Acontece que finalmente Kevin McClory se viu motivado a tirar do papel seu remake de A Chantagem Atômica e para isso iria trazer de volta George Lazenby para viver James Bond. No entanto, McClory recebeu uma notícia ainda melhor do que poderia imaginar: Sean Connery estava interessado em retornar ao personagem do espião! Talvez no fundo como uma espécie de vingança contra os donos da EON, o astro escocês aceitou a oferta de McClory e topou retornar, aos 53 anos de idade, ao papel que o consagrou. Quando se despediu da franquia em Os Diamantes São Eternos, Connery afirmou que nunca mais aceitaria viver o personagem. Justamente por isso, segundo reza a lenda, foi a esposa do ator, Michelle Roquebrune, com quem ficou casado de 1975 até sua morte em 2020, quem sugeriu o título ‘Never Say Never Again’ (no original – algo como ‘nunca diga nunca outra vez’) para o filme como uma espécie de brincadeira com o companheiro.
Assim, com Connery contratado para reprisar seu papel mais famoso pela sétima vez, Kevin McClory forçava a EON a segurar Roger Moore no personagem para mais um round dentro da franquia oficial. Afinal, a EON não poderia arriscar trazer um novo ator para estrear como Bond num momento desses, ou seja, para enfrentar Sean Connery nas bilheterias num ano que ficaria marcado como o duelo entre dois James Bond. Um novato no papel não teria a menor chance contra o sujeito que deu forma ao personagem tantas vezes. A solução seria combater fogo com fogo, impondo mais uma vez a figura de Roger Moore, o James Bond com o qual o público estava acostumado na época.
Ter Sean Connery de volta ao papel de 007, mesmo que fora da franquia oficial e numa espécie de refilmagem de uma produção na qual ele já havia protagonizado, fez a atriz Barbara Carrera recusar um papel em 007 Contra Octopussy, o filme oficial da franquia que iria enfrentar o remake, e embarcar ao lado de Connery em Nunca Mais Outra Vez por desejo de trabalhar com o lendário ator. E esse era só um demonstrativo da “Guerra Fria” que ocorreu na época, quando há 40 anos dois filmes de 007 estreavam nos cinemas. Já pensou em algo assim nos dias de hoje?
Quem saiu na frente, ao menos no que diz respeito à data de estreia foi o filme oficial da franquia, 007 Contra Octopussy, trazendo Roger Moore novamente para enfrentar a contrabandista que dá título à obra (vivida por Maud Adams) em junho de 1983. Já Sean Connery aparecia com seu remake em outubro de 1983. Hoje em dia, os críticos possuem mais apreço pelo filme de Connery do que este exemplar de Moore, talvez por saudosismo de homenagear o que é considerado o “maior” Bond de todos. Já em termos do público, a balança pende mais para Octopussy.
No entanto, o que conta mesmo sempre foi o retorno em bilheteira, e neste quesito, contra todas as expectativas, o filme oficial de Roger Moore levou a melhor na batalha dos dois maiores 007 no cinema. Isso porque Octopussy arrecadaria US$67 milhões nas bilheterias, contra os US$55 milhões arrecadados por Nunca Mais Outra Vez, que teve distribuição da Warner nos EUA. No fim das contas, podemos dizer que quem saiu ganhando foram os fãs, que puderam conferir dois filmes de 007 num único ano, ganharam mais um capítulo de sua cronologia oficial, assim como o retorno do astro que deu início à franquia em uma espécie de “capítulo especial”. O motivo até pode ter sido mais “nefasto” do que agradar os fãs, mas no fim tudo deu certo e o público foi quem saiu verdadeiramente ganhando. No fim das contas o que importa de verdade é isso.