Quem entrou no Google nesta quarta-feira (12) se deparou com o doodle de uma mulher negra que talvez não seja conhecida pela geração atual. Trata-se de Ruth de Souza, um nome importantíssimo do cenário cultural brasileiro. Nascida em 12 de maio de 1921, a atriz, que faleceu em 2019, completaria 100 anos hoje.
Nascida no Engenho de Dentro, subúrbio do Rio de Janeiro – que era o Distrito Federal na época -, Ruth Pinto de Souza se mudou para um sítio em Minas Gerais ainda criança e viveu lá até seus nove anos de idade. Quando o pai faleceu, ela voltou para a capital do país junto da mãe e passou a viver em uma vila de lavadeiras e jardineiras em Copacabana. E foi nesse retorno ao Rio, ainda com seus nove anos, que Ruth passou por uma experiência que mudaria de vez sua vida: ela foi ao cinema pela primeira vez. Fascinada com Tarzan, o Filho da Selva (1932), a pequena ficou interessada em descobrir como era possível aquelas imagens se movendo na telona. Ela queria saber como funcionava e queria fazer parte disso.
O problema é que a sociedade da época era muito mais racista que a atual e as dificuldades para uma jovem negra virar atriz eram ainda maiores. Para piorar, as poucas pessoas negras que conseguiam ultrapassar a barreira do preconceito acabavam sendo escaladas apenas para papéis de criadagem ou para serem humilhados como personagens caricatos de humor. Conforme foi crescendo, Ruth teve de lidar com o racismo, mas foi descobrindo também o teatro. E foi na Revista Rio que ela descobriu o Teatro Experimental do Negro (TEN), um grupo de atores liderados por Abdias do Nascimento.
Em 1945, Ruth se une ao TEN e no dia 8 de maio de 1945 ela faz história ao se tornar a primeira atriz negra a se apresentar no lendário palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Junto aos amigos do Teatro Experimental do Negro, ela estrela a peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, e começa sua carreira com o pé direito. Em seguida, ela emplacou diversas peças de sucesso e recebeu o prêmio de Melhor Atriz da Associação Brasileira de Críticos Teatral por seu papel em O Filho Pródigo (1947).
Em 1948, ela estreia nos cinemas brasileiros no filme Terra Violenta, adaptação da obra Terras Do Sem Fim, do autor Jorge Amado, que a indicou pessoalmente para o papel no longa-metragem. O talento da jovem atriz chamou a atenção de diversos críticos e especialistas da época, incluindo o teatrólogo e diplomata Pascoal Carlos Magno, que a indicou para uma bolsa na Fundação Rockefeller, nos Estados Unidos. Com a bolsa, ela passou um ano na América, frequentando a Universidade de Howard, em Washington, e a Academia Nacional do Teatro Americano, em Nova York. Nos EUA, ela chegou a atuar em peças e gravações para a TV. A partir daí, sua carreira cinematográfica deslanchou de forma brilhante, até ser coroada com o filme Sinhá Moça (1953), que rendeu a ela uma indicação ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1954, imortalizando Ruth de Souza como a primeira pessoa nascida no Brasil a ser indicada a um prêmio de cinema internacional. Na cerimônia, ela concorreu com Katharine Hepburn, Michèle Morgan e Lili Palmer, sendo esta última a vencedora.
Ainda nos anos 1950, ela começa a fazer radionovelas e peças gravadas para a televisão, que ainda era muito precária. Então, em 1959, ela vive outro ponto chave na carreira ao levar os principais prêmios da temporada por seu papel na peça Oração para uma Negra. Com seu destaque, Ruth lutava para quebrar o paradigma dos negros só interpretarem escravos ou serviçais, mas as produções cinematográficas dirigidas por brasileiros não queriam ter protagonistas negras, o que decepcionou a atriz, que preferiu voltar sua atenção para outros meios da arte. O racismo brasileiro era tão grande que na mesma época em que era esnobada pelos diretores de seu país, ela foi dirigida por Douglas Fowley no filme Mistério na Ilha de Vênus, que foi seu primeiro longa-metragem colorido da carreira. Mesmo assim, já consolidada como estrela dos palcos, dos rádios e dos cinemas, e se firmando aos poucos como voz ativa na luta dos atores negros, ela chega à Rede Globo nos anos 1960 e se torna a primeira atriz negra a protagonizar uma telenovela. Em A Cabana do Pai Tomás, Ruth dividiu protagonismo com Sérgio Cardoso.
Posteriormente, a atriz alternou dezenas de trabalhos entre o teatro, o cinema e a televisão, se tornando um dos principais nomes da arte brasileira e abrindo portas para centenas de outros atores negros que vieram nos anos seguintes. Entre suas produções de maior destaque, podemos citar o filme A Grande Arte (1991), de Walter Salles, as novelas O Clone (2000) e Senhora do Destino (2004), e o filme As Filhas do Vento (2004), de Zito Araújo. Com essa carreira marcada por pioneirismo e muito sucesso, Ruth de Souza faleceu em 2019, aos 98 anos, vítima de uma pneumonia. Entretanto, mesmo não estando mais entre nós fisicamente, Ruth seguirá imortal enquanto a arte brasileira viver.