A relação entre o clássico do terror de 1977 e seu remake de 2018 é um caso atípico em Hollywood
A indústria cinematográfica norte-americana historicamente vê na produção de remakes uma forma rápida e fácil de lucrar com um produto já existente. Existem exemplos positivos como o que aconteceu em 1956 quando Hitchcock lançou uma refilmagem de seu próprio filme de 1934 O Homem que Sabia Demais e a nova versão se tornou, para todos os efeitos, a definitiva, não só tecnicamente (pois tinha tecnologias mais modernas do que a versão dos anos 30) quanto por ter nomes como James Stewart e Doris Day envolvidos.
Mas é claro que esse estilo de filme é mais associado com casos desastrosos, principalmente quando pegam uma obra considerada clássica e retiram muitos dos elementos que a tornaram marcante originalmente. Um exemplo negativo agora (e esses tem aos montes) é visão do diretor Rob Zombie para o filme Halloween de 1978. Enquanto que a versão original de John Carpenter se estabeleceu como um dos grandes filmes de terror da história pela paciência e sutileza com que a ameaça do Michael Myers vai sendo construída, a versão de Zombie joga tudo isso para o espaço e passa a apelar para violência gráfica, jump scares e mais violência.
O terror, aliás, é o gênero que mais parece incitar a produção de remakes, principalmente os que envolvem filmes antigos. Geralmente os resultados são desastrosos e essas produções repaginadas são relegadas ao esquecimento. Porém em 2018 aconteceu um caso muito atípico nesse segmento que foi a refilmagem de Suspiria.
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Essa é uma obra que data de 1977 dirigida pelo italiano (e brasileiro por parte de mãe) Dario Argento e escrita por ele e por Daria Nicolodi – inspirado livremente pela coleção de ensaios Suspiria de Profundis criados pelo escritor Thomas De Quincey em 1845. A trama do filme acompanha a aspirante a bailarina profissional Suzy Bannion que se muda para Freiburg, na Alemanha, após ser aceita em uma conceituada companhia de dança. Os problemas começam quando Suzy passa a suspeitar que essa instituição é uma fachada para ocultar as ações de um grupo de bruxas que são capazes de assassinar quem se meter no caminho delas.
Suspiria é um daqueles filmes que de imediato se destaca, isso para um espectador de primeira viagem, pela sua trilha sonora (que é a primeira coisa a acontecer ainda durante os créditos iniciais) e não muito depois pelo design de cenários. O interior da academia de dança na Alemanha possui formas geométricas disformes que lembram bastante os cenários imortalizados nos filmes do expressionismo alemão, ao mesmo tempo que a composição de cores neles são sempre muito intensas e vibrantes, quase como se fosse um caleidoscópio.
No decorrer do filme, conforme os cenários e situações vão variando, Argento brinca bastante com a iluminação e as cores; ora deixando o cenário com uma cor completamente azulada e silencioso, outra com ele escuro e pontualmente iluminado por trovões ou com uma iluminação vermelha muito estourada (como no memorável cenário das camas improvisadas no ginásio). A fotografia marcante ficou a cargo de Luciano Tovoli que é considerado um dos principais diretores de fotografia do cinema italiano.
A icônica música condutora foi composta pela banda Goblin, que anteriormente já havia trabalhado com Argento em Profondo Rosso e rapidamente ela se tornou uma das mais icônicas e reconhecíveis dos filmes de terror junto com Halloween e Sexta Feira 13. Apesar de até hoje o filme deixar uma impressão audiovisual muito marcante pelos elementos citados, prestando um pouco mais de atenção fica aparente que os personagens envolvidos não tem tanto desenvolvimento ou alguns aparentam de início que podem ter algo a mais para a história mas logo em seguida desaparecem.
É aí que chega 2018 quando o diretor Luca Guadagnino leva aos cinemas sua visão do clássico terror italiano. O cineasta ganhou notoriedade após o imenso sucesso de Me Chame pelo seu Nome – o que automaticamente gerou interesse e uma expectativa que não se vê normalmente para remakes de terror.
Diversas vezes ele afirmou que não desejava refazer cena por cena Suspiria mas sim prestar um tributo e de imediato ele deixa isso claro. Sua versão não tem a mesma intensidade visual daquela de 1977, muito pelo contrário, a variedade de cores nos cenários aparenta estar bastante acinzentada ou com um tom soturno.
Com exceção de algumas sequências surrealistas em sonhos, a regra parece ter sido o esmaecimento proposital das cores. A música composta por Thom Yorke carece de um diferencial então ela passa bastante despercebida (talvez a única exceção seja a trilha principal chamada Suspirium).
Entretanto, o que essa versão deixa passar no audiovisual ela ganha com o roteiro; não só trabalhando com mais atenção funcionamento interno do coven das bruxas (a relação entre elas principalmente) ou uma história prévia para a protagonista de modo a mostrar o quão importante para ela foi ir para a Alemanha, mas também o peso que o contexto social tem para o andamento da trama.
O roteiro deixa bem explícito a situação delicada que o país se encontra; são os anos 70, a Alemanha ainda é dividida em ocidental e oriental. Além da tensão social ser muito grande devido a ação de facções armadas de extrema esquerda (inclusive toda a subtrama sobre os ataques do grupo RAF e a prisão da militante Ulrike Meinhof são reais).
Logo, o filme não se contenta em fazer sua história acontecer unicamente dentro dos muros da academia como foi a escolha de Argento mas, curiosamente, a academia (e o coven das bruxas consequentemente) soam como uma extensão do cenário principal que é a Alemanha dos anos 70. Essa escolha gera portanto dois efeitos: se por um lado diminui o mistério e o tom de fantasia sombria que a versão original tem, por outro ele traz esses personagens e suas histórias para mais próxima da realidade e, dependendo de quem assiste, mais facilmente identificáveis.
Ao mesmo tempo a nova versão tem algumas similaridades técnicas com o original que, mesmo não chegando a ser algo muito chamativo, criam a sensação de equivalência. Por exemplo, em algumas cenas em que o diretor utiliza um zooming abrupto no rosto de algum personagem ou em algum detalhe do cenário; essa técnica foi muito popular nos anos 60 e 70 e foi utilizada também por Dario Argento em alguns momentos na versão original.
São essas diferenças que tornam a visão de Guadagnino algo separado do que foi feito antes e consequentemente torna Suspiria 2018 um exemplo que foge ao modus operandi de outros remakes. Ainda são os mesmos personagens (com algumas adições eventuais) e o mesmo mote geral de história porém é na execução que algumas regras mudam e com isso tornam a experiência algo bastante diferente daquela realizada em 1977.