sexta-feira , 22 novembro , 2024

Tim Burton – 64 Anos | A irreverência artística de ‘Os Fantasmas se Divertem’, um dos primeiros filmes do diretor

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Tim Burton é um diretor conhecido por sua excentricidade; isso é um fato incontestável. Mas como todo nome memorável dentro da indústria do entretenimento, seja pelos motivos certos e errados, teve um começo – e ainda que este não tenha sido seu primeiro longa oficial, Os Fantasmas se Divertem nos transporta ao início de sua carreira, na qual todos os seus incríveis desenhos e curtas-metragens ainda causavam um impacto enorme em suas criações. E para aqueles que não conhecem, Burton sempre teve uma grande afinidade pelo distorcido, pelo macabro, pelo horrendo e sua habilidade artística – que chega a ser comparada paradoxalmente com as de Neil Gaiman – prezam até hoje pela transformação do horrível em belo, do triste em melancólico e do trágico numa inebriante e efêmera felicidade. Não que esses elementos realmente apareçam nesse projeto totalmente bizarro, mas uma brecha ou outra por vezes dá às caras.

A história é um tanto quanto simples e segue um padrão das histórias clássicas de fantasmas e seres do além-túmulo: um jovem casal, Adam e Barbara (interpretados por Alec Baldwin e Geena Davis, respectivamente), morre devido a um imprevisível acidente de carro e descobre que está preso no imenso casarão que haviam comprado quando em vida. Eles não podem sair da grande construção – ou então acabam em um mundo indescritível e povoado por criaturas monstruosas – e também não terão o famoso descanso eterno até serem “convocados” por seus superiores. Logo, os dois não têm muito o que fazer além de tentar viver o mais normalmente possível, ao menos até uma segunda família chegar e adquirir a propriedade.



O primeiro ato é construído de forma satisfatória, mas muito corrida. O roteiro assinado por Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren poderia muito bem ter brincado com a brusca e inesperada mudança na vida de Adam e Barbara, porém se apressam para que as sequências iniciais funcionem mais como um prólogo que um bloco em si, tirando inclusive certo protagonismo dos nossos “heróis fantasmas”. Permitir que eventos sobrenaturais e inexplicáveis, até mesmo puxando certos aspectos sobre a quebra de cronologia e os loopings temporais, seria uma ótima saída para que uma conexão mais endossada fosse criada entre o público e o filme. Não que isso atrapalhe o desenvolvimento da narrativa principal: a aventura ainda consegue ser tão bizarra quanto o esperado, principalmente com a entrada do famigerado personagem antagonista.

Como este se trata de um dos primeiros filmes de Burton, que já vinha de uma experiência incrível como autor de O Estranho Mundo de Jack’, não espere que os novos personagens sejam “normais”. Assim como tudo que habita esse microcosmos, tanto no âmbito terreno quanto no além-túmulo, a nova família que vem a morar sob o mesmo teto que os fantasmas do casal é disfuncional, seja pela mãe exuberantemente preocupada com suas obras de arte e seu senso de estética inexistente, Delia (Catherine O’Hara) ou pelo pai, que não se importa com nada além do sucesso iminente e de alcançar seus objetivos, Charles (Jeffrey Jones).

De certo modos, todos dentro desse escopo cinematográfico insurgem dentro de arcos dramáticos e cômicos ao mesmo tempo; eventualmente, essa inclinação para uma atmosfera mais tensa dá lugar à constante quebra de expectativa, aliada aos efeitos especiais em stop-motion que viriam a se tornar marca registrada do cineasta. É claro que o baixo orçamento do filme não permite uma rendição completa a produções magníficas, o que até mesmo reitera a perspectiva brincalhona da obra final. E se Burton não consegue nos convencer de um realismo total com os efeitos especiais, ele supera os obstáculos com um elenco que definitivamente sabe como se entregar às melhores performances.

Um dos nomes a serem citados aqui é Winona Ryder encarnando a filha de Delia e Charles, Lydia. Sua primeira aparição em cena já é memorável, visto que utiliza um traje completamente negro em dissonância com as roupas saturadas e alegres dos pais. Esse pertencimento e afeição ao mórbido e ao macabro permanece durante todo o longa, até mesmo durante o seu arco de redenção com a chegada do último ato: em determinada sequência, durante um jantar que não poderias ser descrito como nada além de estranho e inverossímil até para os padrões narrativos em questão, Lydia utiliza uma espécie de sombreiro, o qual ostente um véu de renda negro que cai perante seu rosto e a transforma em um personagem saído das clássicas novelas mexicanas. De forma proposital, a opção por saídas caricatas e que conversam com o gênero pastelão funciona na maior parte.

Mas é Michael Keaton quem rouba todo o foco de atenção desde o começo. Adam e Barbara percebem que, para manterem o seu antro de paz, devem assustar a família e expulsá-los da casa que outrora habitavam por direito. Depois de serem ignorados por sua supervisora do mundo dos mortos, ambos descobrem uma força antiga e maligna dentro do sótão em que vivem escondidos, denominada Beetlejuice (Keaton). O esquisito e medonho personagem é uma representação material, ainda que não convincente em sua totalidade, de todos os pecados e desejos humanos, incluindo a vingança, o terror e a ambição – tudo descrito na forma mais cartunesca possível, seja por seus trajes listrados ou pela maquiagem excessivamente pautada no contraste entre preto e branco. Sua força é liberada no mundo terreno quando é chamado três vezes – e é claro que, em determinado momento, o vilão consegue enganar a inocente Lydia para libertá-lo para um reino de horror que acaba arquitetando os momentos mais engraçados da história.

Apesar dos claros deslizes de trama e de estética – principalmente nos erros de continuidade -, Os Fantasmas se Divertem é um filme bizarro no melhor sentido da palavra, trazendo um elenco interessante para um cosmos perscrutado com tabus e, em sua última instância, causando muito mais risos nervosos que arrepios na espinha.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A história é um tanto quanto simples e segue um padrão das histórias clássicas de fantasmas e seres do além-túmulo: um jovem casal, Adam e Barbara (interpretados por Alec Baldwin e Geena Davis, respectivamente), morre devido a um imprevisível acidente de carro e descobre que está preso no imenso casarão que haviam comprado quando em vida. Eles não podem sair da grande construção – ou então acabam em um mundo indescritível e povoado por criaturas monstruosas – e também não terão o famoso descanso eterno até serem “convocados” por seus superiores. Logo, os dois não têm muito o que fazer além de tentar viver o mais normalmente possível, ao menos até uma segunda família chegar e adquirir a propriedade.

O primeiro ato é construído de forma satisfatória, mas muito corrida. O roteiro assinado por Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren poderia muito bem ter brincado com a brusca e inesperada mudança na vida de Adam e Barbara, porém se apressam para que as sequências iniciais funcionem mais como um prólogo que um bloco em si, tirando inclusive certo protagonismo dos nossos “heróis fantasmas”. Permitir que eventos sobrenaturais e inexplicáveis, até mesmo puxando certos aspectos sobre a quebra de cronologia e os loopings temporais, seria uma ótima saída para que uma conexão mais endossada fosse criada entre o público e o filme. Não que isso atrapalhe o desenvolvimento da narrativa principal: a aventura ainda consegue ser tão bizarra quanto o esperado, principalmente com a entrada do famigerado personagem antagonista.

Como este se trata de um dos primeiros filmes de Burton, que já vinha de uma experiência incrível como autor de O Estranho Mundo de Jack’, não espere que os novos personagens sejam “normais”. Assim como tudo que habita esse microcosmos, tanto no âmbito terreno quanto no além-túmulo, a nova família que vem a morar sob o mesmo teto que os fantasmas do casal é disfuncional, seja pela mãe exuberantemente preocupada com suas obras de arte e seu senso de estética inexistente, Delia (Catherine O’Hara) ou pelo pai, que não se importa com nada além do sucesso iminente e de alcançar seus objetivos, Charles (Jeffrey Jones).

De certo modos, todos dentro desse escopo cinematográfico insurgem dentro de arcos dramáticos e cômicos ao mesmo tempo; eventualmente, essa inclinação para uma atmosfera mais tensa dá lugar à constante quebra de expectativa, aliada aos efeitos especiais em stop-motion que viriam a se tornar marca registrada do cineasta. É claro que o baixo orçamento do filme não permite uma rendição completa a produções magníficas, o que até mesmo reitera a perspectiva brincalhona da obra final. E se Burton não consegue nos convencer de um realismo total com os efeitos especiais, ele supera os obstáculos com um elenco que definitivamente sabe como se entregar às melhores performances.

Um dos nomes a serem citados aqui é Winona Ryder encarnando a filha de Delia e Charles, Lydia. Sua primeira aparição em cena já é memorável, visto que utiliza um traje completamente negro em dissonância com as roupas saturadas e alegres dos pais. Esse pertencimento e afeição ao mórbido e ao macabro permanece durante todo o longa, até mesmo durante o seu arco de redenção com a chegada do último ato: em determinada sequência, durante um jantar que não poderias ser descrito como nada além de estranho e inverossímil até para os padrões narrativos em questão, Lydia utiliza uma espécie de sombreiro, o qual ostente um véu de renda negro que cai perante seu rosto e a transforma em um personagem saído das clássicas novelas mexicanas. De forma proposital, a opção por saídas caricatas e que conversam com o gênero pastelão funciona na maior parte.

Mas é Michael Keaton quem rouba todo o foco de atenção desde o começo. Adam e Barbara percebem que, para manterem o seu antro de paz, devem assustar a família e expulsá-los da casa que outrora habitavam por direito. Depois de serem ignorados por sua supervisora do mundo dos mortos, ambos descobrem uma força antiga e maligna dentro do sótão em que vivem escondidos, denominada Beetlejuice (Keaton). O esquisito e medonho personagem é uma representação material, ainda que não convincente em sua totalidade, de todos os pecados e desejos humanos, incluindo a vingança, o terror e a ambição – tudo descrito na forma mais cartunesca possível, seja por seus trajes listrados ou pela maquiagem excessivamente pautada no contraste entre preto e branco. Sua força é liberada no mundo terreno quando é chamado três vezes – e é claro que, em determinado momento, o vilão consegue enganar a inocente Lydia para libertá-lo para um reino de horror que acaba arquitetando os momentos mais engraçados da história.

Apesar dos claros deslizes de trama e de estética – principalmente nos erros de continuidade -, Os Fantasmas se Divertem é um filme bizarro no melhor sentido da palavra, trazendo um elenco interessante para um cosmos perscrutado com tabus e, em sua última instância, causando muito mais risos nervosos que arrepios na espinha.

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