Todos estão cansados de saber que a década de 80, embora muito querida, foi também o período mais sem noção e politicamente incorreto de todos os tempos em nossa sociedade mundial. Sim, é claro, precisamos levar em conta que os tempos eram outros, o machismo, racismo e homofobia ainda se encontravam muito enraizados na cultura. É verdade que ainda precisamos mudar muito e evoluir, mas basta uma olhada para 40 anos no passado e perceber o quanto caminhamos e ao menos discutimos essas questões em busca de igualdade. O fato não impede os saudosistas de serem completamente apaixonados pela década, afinal “tirando o que era ruim”, ainda sobra muita coisa boa. E são esses elementos nostálgicos que vira e mexe ressurgem na cultura pop.
O ponto é: existíamos em outro tipo de sociedade, com valores diferentes dos que temos hoje. Não há como apagar o passado, mas sim estuda-lo e aprender com os erros para que não sejam cometidos novamente. No entanto, mesmo para os padrões totalmente “sem filtro e noção” da época, sempre existe aquilo que sobressai a linha do aceitável, extrapolando os limites até mesmo para uma época tão politicamente incorreta. Filmes lançados no período que nos fazem perguntar como receberam o sinal verde para serem produzidos sem que ninguém tivesse pensado o quão errados eram, mesmo na época. Confira abaixo os filmes, que muitos talvez sequer tenham ouvido falar, e também a primeira parte da matéria no link.
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Perfeição (1985)
Jamie Lee Curtis viu surgir uma nova onda de popularidade em sua carreira. A veterana tem participado de bons projetos nos últimos anos, como Entre Facas e Segredos (2019) e a recente trilogia Halloween (2018, 2021 e 2022). Este ano ela lançou também o elogiadíssimo Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo – que a rendeu uma indicação de atriz coadjuvante no Globo de Ouro e no SAG (associação de atores dos EUA) – o que pode leva-la pela primeira vez ao Oscar. Seria ótimo. Voltando 37 anos no passado, podemos encontrar Jamie em um filme que concorreu a outro tipo de prêmio: o Framboesa de Ouro! Mas a atriz não está sozinha e “pagou este mico” ao lado de um grande astro da época, John Travolta. Unir os astros em cena parecia ser uma aposta certeira.
O curioso, no entanto, foi o projeto escolhido para o astro de Grease e Os Embalos de Sábado à Noite e a estrela de Halloween e Trocando as Bolas estrelarem juntos: um filme sobre a geração “academia” nos EUA. Tudo que virava moda lá fora, chegava com certo atraso aqui no Brasil. E se em nosso país tivemos uma novela adolescente chamada Malhação, que resumia bem o que foi esse movimento de cuidar mais do corpo e da saúde nos anos 90; por lá nos EUA o assunto rendia um filme já na década de 1980. Mas não apenas isso, Perfeição estava interessado não apenas na busca pelo corpo perfeito que tomou conta da sociedade mundial, como também na “pegação” que “comia solta” em ambientes assim. E o mais inacreditável de tudo, o filme foi baseado numa história real sobre um jornalista da revista Rolling Stone que fez pesquisa e escreveu um artigo sobre como as academias eram os novos bares de solteiros da época. Pode apostar que temos muitas cenas de Travolta e Jamie Lee Curtis mandando ver na sensualidade na hora dos exercícios.
Coca-Cola Kid (1985)
Sim, você leu certo querido leitor. Existe um filme chamado Coca-Cola Kid! E o mais curioso é que ele não foi produzido ou patrocinado pela Coca-Cola. Já pensou em algo assim nos dias de hoje? Seria impossível. É claro que só poderia ter ocorrido nos anos 80. Uma empresa grande e poderosa como a Coca-Cola ter seu produto mais lucrativo usado no título de um filme do qual não tiveram qualquer envolvimento é impensável. Mas não apenas isso, a companhia norte-americana sequer sabia que o filme estava sendo produzido até ele estrear nas telonas. Seria muito fácil para este colosso que domina o mercado dos refrigerantes processar sem dó nem piedade o estúdio e os produtores envolvidos com essa ação para lá de cara-de-pau. Mas a empresa não fez absolutamente nada, não tomou qualquer atitude. Isso porque achou que o filme retratou a Coca-Cola de uma maneira positiva e conclui que serviria como propaganda gratuita para o seu produto.
Na trama quem protagoniza é o irmão de Julia Roberts, Eric Roberts, que vive um ex-fuzileiro naval que agora trabalha como especialista em marketing para a Coca-Cola. O sujeito então decide aumentar as vendas do produto fenômeno num dos poucos lugares do mundo na época em que a marca era deficiente: no interior da Austrália. No local, a população produzia sua própria bebida, e o consumo da Cola era quase nulo.
Os Fantasmas Não Transam (1989)
Listado como um dos 100 piores filmes MAIS DIVERTIDOS de todos os tempos no livro do co-fundador do Framboesa de Ouro, o longa é mais uma patacoada erótica da lista do diretor John Derek e sua estrela mor, a esposa e símbolo sexual da época Bo Derek. Para os mais novos e os que não lembram, nos anos 80 a belíssima Bo Derek foi catapultada ao estrelato graças ao sucesso de Mulher Nota 10 (1979), no qual dá asas às fantasias de Dudley Moore, vivendo um homem de meia idade em crise existencial. Depois disso, foi usada pelo próprio marido, o cineasta John Derek, para uma “trilogia erótica”, em que o diretor usava e abusava do sex appeal da esposa, em tramas que pretendiam, sem sucesso, ser levadas a sério. O primeiro foi Tarzan – O Filho da Selva (1981), no qual o clássico é reimaginado de forma para lá de picante, com Bo vivendo Jane. No elenco, tentando dar algum respaldo, o shakespeariano Richard Harris. Não teve jeito, o filme foi indicado para alguns Framboesa de Ouro.
O segundo da “trilogia” foi Bolero – Uma Aventura em Êxtase (1984), no qual Bo interpreta uma jovem com a missão de perder sua virgindade. Mas ela não deseja que isso ocorra de qualquer maneira, e sim de uma forma grandiosa. Assim viaja até o Marrocos para conhecer xeiques, e até para a Espanha para conhecer toureiros. O filme guarda a famosa cena com Bo andando a cavalo completamente nua em pêlo – ideia aproveitada aqui no Brasil na novela Dona Beija, com Maitê Proença realizando a mesma façanha dois anos depois. E finalmente chegamos ao “encerramento” da “trilogia” com este Os Fantasmas Não Transam, que é o mais “what the fuck?” dos três. Preste atenção nessa trama. Bo Derek vive a esposa do lendário Anthony Quinn (pagando o King Kong de sua carreira). Os dois adoram copular como coelhinhos no cio. Um belo dia, o homem mais velho tem um ataque cardíaco e percebendo que não poderia mais fazer sexo com a esposa, ele se mata. Mas não acaba aí, pois volta como um fantasma, entra em contato com a mulher, e a convence de escolher um homem e depois mata-lo, para que o fantasma do marido possa tomar o corpo e voltar a ficar com ela. Framboesa na certa, alguém tinha dúvida?
As Duas Faces de Zorro (1981)
De todos da lista, este talvez seja o item mais aceitável e divertido. O filme até poderia render uma nova versão para os dias de hoje, embora seja muito difícil algum produtor corajoso bancar a ideia. Aliás, coragem também não faltou aos produtores da época e da Fox por distribuir o filme e lança-lo em grande circuito pelos EUA. Bem, e basicamente o que essa obra faz aqui é pegar a figura emblemática do herói mexicano Zorro e mudar completamente sua orientação sexual. Sendo mais claro, o Zorro deste filme é gay. Imagine o mimimi que isso iria gerar nos dias de hoje se algum produtor resolvesse pegar um personagem muito conhecido do público e o revelasse como gay. Tudo bem que o Zorro para a geração mais nova não possui o mesmo apelo do que os super-heróis da Marvel ou da DC, mas mesmo assim é uma figura icônica para a cultura popular.
A trama na verdade mostra que a figura do Zorro é passada de pai para filho através das gerações, assim como a máscara, o chapéu e a espada. Desta forma, o Zorro original passa seu manto para o filho, Don Diego Vega, igualmente um espadachim talentosíssimo, para que lute em nome dos fracos e oprimidos, contra o governo e os poderosos do México. E o sujeito assim o faz. Mas quando é ferido, ele precisa sair de cena. E é aí que o filme toma as suas liberdades criativas, com a introdução de um irmão gêmeo para Diego, o afetado Ramon. Ambos os personagens são vividos pelo grande George Hamilton. A ideia é muito criativa e divertida, mas o que alguns podem reclamar é da forma exagerada que Ramon é retratado. Bem, ao menos antes, porque hoje o pensamento é que exagerado ou não, cada um pode ser e se comportar como quiser. Desta forma, os figurinos adotados por Ramon na hora de dar vida ao seu Zorro são totalmente espalhafatosos e bem diferentes do discreto e clássico traje preto. Plumas e paetês correm soltas, e a diversão também.
Um Tira do Outro Mundo (1988)
O último item de nossa matéria dos filmes sem noção dos anos 80 usa como tema o subgênero dos buddy cop movies, ou seja, os filmes de parceiros policiais. Tais tipos de filmes ficaram muito famosos graças a produções como Máquina Mortífera, Os Bad Boys e A Hora do Rush – três dos representantes mais famosos do subgênero. Mas é claro que um bocado de outros filmes no estilo foram lançados, desde 48 Horas, passando por Tango e Cash, Inferno Vermelho, até fracassos que não funcionaram nem um pouco como O Tiro que Não Deu Certo (1990), que unia Gene Hackman e Dan Aykroyd. Esse aqui, no entanto, é o mais sem noção de todos – ou quase, já que Meu Parceiro é um Dinossauro (1995) literalmente colocou Whoopi Goldberg para trabalhar com um tiranossauro rex como parceiro! Mesmo assim Um Tira de Outro Mundo não deixa de ser sem noção ao colocar uma dupla policial em que um dos tiras é um zumbi trazido de volta à vida. É sério!
Mistura de filme de ação, policial e ficção científica, o filme mostra os parceiros policiais Roger Mortis (Treat Williams) e Doug Bigelow (Joe Piscopo) investigando um caso de criminosos que criaram uma tecnologia capaz de trazer cadáveres de volta à vida – criando inclusive monstros. Bem, pelo nome dos policiais você já deve imaginar qual deles morre – afinal a dica não é nada sutil. Assim, para continuar a investigação, seu parceiro o traz de volta e agora eles possuem um tempo limitado para colocar um fim no caso, antes que Roger começa a se decompor. O mais legal, porém, é que o elenco conta com o eterno rei dos filmes B de terror, o lendário Vincent Price.